Por Flávio Tiné
Chegar aos 83 é surpreendente. Não traz sabedoria, não autoriza a esnobar os mais novos, tampouco ajuda a entender com rapidez o que acontece no próprio quintal e muito menos neste mundo. É verdade que a facilidade dos meios de comunicação nivela as pessoas. O que escrevemos aqui, o que está nos jornais e sai na televisão é imediatamente “curtido” pela faxineira, também preocupada com o coronavírus. Logo em seguida ela pergunta o que é genoma. Não sei explicar assim de supetão.
O isolamento compulsório nos obriga a acompanhar diálogos entre vizinhos, que passeiam diariamente com cachorros enfeitados dos pés à cabeça e à noite batem panela, todos sabem por quê. Além do latido dos cachorros somos obrigados a ouvir algum marceneiro reformando o apartamento vizinho e os helicópteros procurando qualquer desgraça para o noticiário. Ai meu Deus! Não bastam os irritados apresentadores gritando contra as autoridades, temos de acompanhar também a perseguição policial, os tiros, as balas perdidas!
Conheço alguns privilegiados que compraram casa no mato, tipo sítio ou fazenda, para montar biblioteca, televisão e internet. Uma casa no campo, à moda de Elis Regina. No caso dela, que adiantou? Como se sabe, ela desfrutou os ares da Serra da Cantareira durante alguns anos, com os três filhos, e em seguida trancou-se num apartamento perto da Avenida Paulista e drogou-se até a morte. Nem chegou aos quarenta.
Digamos, a bem da verdade, que não é comum. A inquietação mental é típica de pessoas superdotadas. Ao entrevistá-la, por exemplo, nem precisava fazer muitas perguntas. Ela mesma explodia, falando pelos cotovelos, ou mandava o repórter à merda, quando não queria falar.
A quarentena a que já me submetia por dificuldades de locomoção tem sido benéfica, ao trazer de volta memoráveis estórias. De crônica em crônica, vou contando. Quem sabe meus seis netos se interessem por essa conversa pra boi dormir!
A história desta semana é de Flávio Tiné ([email protected]), ex-Última Hora, Abril, Estadão e Diário do Grande ABC, entre outros, que se aposentou em 2004 como assessor de imprensa do Hospital das Clínicas de São Paulo. Como ele próprio diz, com problemas de locomoção, já estava confinado quando começou o confinamento.
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