Por Luciana Gurgel
Era para ser uma festa verde, em que as maiores potências globais dariam as mãos e anunciariam o compromisso de conter as emissões de carbono para limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5º.
Mas o roteiro planejado para a COP26 não está se confirmando na vida real, com uma atmosfera de pessimismo embaçando o brilho da cúpula que começa no domingo (31/10).
Na terça-feira (26/10) foram dois baques. Primeiro veio o relatório da ONU afirmando que a julgar pelos compromissos apresentados pelas nações, a temperatura vai subir 2,7% até o fim do século. Em seguida. o Palácio de Buckingham anunciou que a rainha Elizabeth não vai participar por motivos de saúde, fazendo a conferência perder em charme e em impacto social.
O pessimismo já havia começado a aflorar mais fortemente na semana passada.
Em conversa com jornalistas de vários países promovida pela coalizão global Covering Climate Now (da qual o MediaTalks faz parte), o secretário-geral da ONU António Guterres foi sincero. Disse achar que o risco de fracasso era grande.
Respondendo a uma pergunta sobre o Brasil, preferiu não comentar sobre a decisão do presidente Jair Bolsonaro de não participar da COP26, seguindo outros líderes, como XI Jinping, da China, e Narendra Modi, da India. Mas afirmou esperar que o país assuma compromissos com medidas que aumentem a resistência aos efeitos das mudanças climáticas.
O australiano Scott Morrison foi um dos que hesitou em participar, mas mudou de ideia e levará para Glasgow o compromisso de zerar as emissões até 2050.
Boris Johnson descrente
Nem o primeiro-ministro Boris Johnson, que costuma adotar um tom de chefe de torcida em suas aparições públicas, escapou do desânimo.
Durante entrevista coletiva com crianças de 8 a 12 anos na segunda-feira (25/10), o líder do país anfitrião deve ter tirado o sono dos miúdos ao dizer que a COP26 não será capaz de proporcionar o progresso necessário para enfrentar as mudanças climáticas.
E criou constrangimentos para Tammy Steele, diretora do WWF (World Wildlife Fund) no Reino Unido, que o acompanhava na bancada, com propostas originais para resolver a crise.
Em comentários improvisados, sugeriu ser preciso fazer as vacas pararem de arrotar. E levantou a ideia de que uma das formas de reequilibrar a natureza seria alimentar animais com seres humanos.
Mas o ponto alto foi a opinião de que reciclar plástico “não funciona”, confundindo as pobres cabecinhas que aprenderam que reciclagem é uma solução importante para o clima.
A diretora do WWF tentou contornar sem confronto, emendando que além de reduzir é necessário também reciclar. Mas o primeiro-ministro não se deu por vencido e arrematou com um taxativo “não funciona”.
Parece piada, mas não é. Momentos assim mostram a narrativa confusa em torno das mudanças climáticas, o que não ajuda a sociedade a entender e se alinhar. E só confirma que um acordo entre países é mesmo difícil.
Setor privado avança
Pode não haver o pacto sonhado entre governos, mas a conferência deixa saldo positivo antes mesmo de começar.
Na conversa da semana passada, António Guterres reconheceu os avanços no setor privado, que a seu ver entendeu o valor da economia verde para os negócios.
Iniciativas de empresas e ideias alternativas surgem a cada dia. Uma delas foi a da atriz Joanna Lumley, a exótica Patty do seriado Absolutely Fabulous, que fora das telas é uma séria ativista ambiental.
Ela ganhou as manchetes ao sugerir um racionamento semelhante ao dos tempos de guerra, em que as pessoas teriam uma cota de pontos para consumir em itens de luxo ou viagens.
Entre vacas, plásticos e jatinhos, a imprensa tem a missão quase impossível de explicar, cobrar e selecionar o que é relevante.
Essa missão foi reconhecida pelo secretário-geral da ONU, que fez uma declaração de amor ao jornalismo. Disse que como cidadão, pai e avô, aprecia e valoriza o trabalho dos jornalistas que levam ao público as verdades sobre as mudanças climáticas.
Um bom afago, em tempo de ataques para quem desafia poderosos e expõe suas fragilidades.
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