Por Luciana Gurgel, especial para o J&Cia
Uma grande preocupação na indústria de mídia britânica quando começou a Covid-19 era a ameaça aos impressos, atingidos pela queda de receita publicitária e pelo isolamento social que impedia leitores de comprarem jornais em bancas ou folheá-los no transporte público. A tempestade perfeita estaria precipitando a morte anunciada do papel e consolidando o online.
Mas as coisas não são tão simples. Notícias sobre cortes de pessoal e fechamento de operações de veículos nativos digitais relevantes na Grã-Bretanha indicam que a questão da sustentabilidade financeira vai além do meio pelo qual a informação é entregue ao leitor.
Entre os anúncios está o do premiado Buzzfeed, que na semana passada revelou a decisão de suspender os sites dedicados ao noticiário do Reino Unido e da Austrália, mantendo apenas poucos repórteres para cobrir notícias de interesse da audiência americana. Também o respeitado site de notícias financeiras Quartz surpreendeu ao informar que vai rifar suas bases em Londres, San Francisco, Hong Kong e Washington, resultando em corte de 40% da equipe.
Tráfego alto não se traduz em receita – O paradoxo é que isso acontece em um contexto de elevação de tráfego online, com veículos digitais comemorando recordes de acesso. A empresa de pesquisas Emarketer revisou suas projeções feitas antes da pandemia, apostando em crescimento do tempo dedicado às telas para este ano. E em queda de 13,5% no tempo de leitura de jornais impressos.
Mas se organizações relevantes não conseguem equacionar receitas mesmo com prestígio e audiência, pode ser um sinal de que os problemas não começaram quando o vírus chegou para paralisar a economia e mudar hábitos.
O caso do Buzzfeed alimenta a tese. No longínquo 2018, bem antes de alguém sonhar com o caos trazido pela pandemia, sua receita no Reino Unido já vinha negativa, com prejuízo registrado de £ 9,4 milhões.
Não é o único. Um relatório da AOP (UK Association of Online Publishers), em conjunto com a consultoria Deloitte, apontou que último trimestre de 2019 as receitas dos veículos digitais tinham encolhido 6,2% no país, consequência principalmente de um tombo de 22% na arrecadação com publicidade, apesar de 24% de aumento de faturamento com assinaturas.
O cenário coloca em pauta o debate sobre o paywall como modelo de negócio. E eleva as pressões sobre as plataformas digitais, nas quais o conteúdo produzido pelas organizações jornalísticas tradicionais muitas vezes é compartilhado livremente. Um episódio recente no Reino Unido colocou mais lenha na fogueira.
O colunista Owen Jones, do The Guardian, postou no Twitter em 18 de abril a explosiva reportagem investigativa do Sunday Times apontando falhas na condução do combate à pandemia pelo Governo. E salientou que o conteúdo estava protegido por paywall. A pedido do jornal, o Twitter removeu as imagens.
É uma situação complexa. Proporcionar o acesso de mais gente a uma reportagem importante sobre a pandemia pode ser considerado um ato de interesse público. Como veículos em todo mundo, inclusive no Brasil, passaram a fazer, derrubando o paywall nas matérias sobre a pandemia.
Mas há o outro lado: se existe legislação de direitos autorais, caberia ao dono da reportagem tomar essa decisão, e não a terceiros, ainda que com boa intenção.
Apple entra na dança – A briga acabou sobrando para a Apple. O CEO da plataforma de leitura de jornais PressReader está liderando um movimento para que os editores pressionem a companhia a remover o mecanismo que permite aos usuários de seu sistema operacional capturar telas e reproduzi-las em redes sociais.
Querelas como a de Jones e o Sunday Times não são difíceis de resolver, pois há leis e regras aplicáveis. Mais desafiante é encontrar modelos de negócio que assegurem a sobrevivência do bom jornalismo em um mundo transformado por mudanças tecnológicas, novos hábitos e recessão afetando até as mais sólidas economias.
Exemplos e pesquisas sinalizam que depender somente de receitas publicitárias torna-se cada vez mais arriscado. E que conteúdo com qualidade suficiente para convencer o público a pagar por ele pode fazer a diferença entre quem fica e quem sai do jogo.