Por Victor Félix, especial para o J&Cia
O Fire Festival, realizado pela Hotmart de 24 a 26 de agosto no Expominas, em Belo Horizonte, reuniu centenas de especialistas, pesquisadores, influenciadores e referências em empreendedorismo, conteúdo, marketing digital, inovação, audiência e redes sociais. O evento teve cerca de oito mil participantes, de 26 países, e mais de 160 palestrantes.
As palestras, oficinas e workshops do Fire Festival levantaram questões essenciais também para os jornalistas em seu cotidiano, principalmente ao considerarmos a chamada Era conectada, online, em que a informação está intimamente ligada à internet e às redes sociais.
Digitalização e modernização das redações
No primeiro dia do Fire Festival, na palestra No rádio, no vídeo, nas redes: como um conteúdo pode atingir milhões de pessoas?, os integrantes da mesa discutiram temas recorrentes em todas as redações do Brasil e do mundo: digitalização e inovação. O debate foi mediado por João Vítor Xavier, vice-presidente da rádio Itatiaia, com participação de Sérgio Maria, diretor de digitalização e inovação da CNN Brasil, além de Alexia Duffles, diretora de marketing e comunicação da MRV, e Frederico Montezuma, diretor da Hotmart.
João Xavier comentou que o processo de digitalização da Itatiaia começou há apenas dois anos: “Esse aqui não era o nosso mundo, mas precisava ser. Por isso, estar aqui era tudo o que a Itatiaia precisava. É a concretização daquilo que a gente vem construindo há dois anos para modernizar uma marca tão querida e tão importante para os mineiros, para a gente poder chegar em mais mineiros e mais brasileiros no mundo todo”.
Xavier destacou ainda que Rubens Menin, dono da Itatiaia e da CNN Brasil, insistiu que o foco da emissora fosse a digitalização da empresa: “A gente entendeu que não precisa e não pode ser apenas o radinho. Somos o radinho, o YouTube, o Twitter, o Instagram, o Facebook, o TikTok. Somos tudo mais que acontecer daqui para a frente”.
Algoritmo: o “chefe invisível”
Ainda sobre digitalização e modernização, vemos hoje no jornalismo uma tendência de muitos profissionais abandonarem as redações para se dedicarem a canais no YouTube, lives em plataformas digitais, e redes sociais. E aí enfrentam obstáculos no que se refere ao conteúdo publicado e ao algoritmo.
No segundo dia do Fire Festival, na palestra Exaustão algorítmica: influenciadores digitais, trabalho de plataforma e saúde mental, Issaaf Karhawi, pesquisadora e doutora em comunicação digital pela USP, falou sobre Exaustão Algorítmica, uma espécie de burnout dos influenciadores digitais e dos criadores de conteúdo, um esgotamento dos creators.
Karhawi explicou que a maioria das pessoas que optam por trabalhar com conteúdo e redes sociais o faz pela independência que terá no trabalho – cerca de 78%, segundo pesquisa realizada pela Brunch & Youpix em 2022. Outros motivos são seguir paixões (73%) e horas de trabalho flexíveis (69%).
A pesquisadora destaca que quem vai por esse caminho acredita na falácia de “ser seu próprio chefe, quando na verdade, essas pessoas têm um chefe, que é invisível e maquínico: o próprio algoritmo”.
E o próprio algoritmo das redes é o chefe de quem trabalha com redes, pois ele pune quem deixa de postar com frequência, diminuindo seu alcance, ou se não adere aos formatos específicos, entre várias outras “penalidades” de um chefe em uma empresa.
Os jornalistas que entram no mundo de influenciadores podem estar sujeitos a esses obstáculos, principalmente no que se refere à adaptação do conteúdo informativo para as redes sociais. Os formatos são diferentes daqueles vistos em redações de TV, e o algoritmo pode ser punitivo.
É preciso, portanto, achar um meio termo entre o conteúdo jornalístico e informativo produzido e as métricas, os algoritmos das redes sociais, de modo a evitar “broncas” desse chefe invisível.
Inteligência Artificial: Inimiga ou Aliada?
Outro problema que os jornalistas têm enfrentado nos últimos anos é a possível ameaça da Inteligência Artificial (IA), tema que passou a ser ainda mais discutido com a popularização de ferramentas como ChatGPT. Mas não podemos pensar que a IA é algo exclusivamente ruim para os jornalistas.
No palco Youpix/Fire Festival, na palestra Inteligência Artificial vai matar meu conteúdo?, Luiz Gustavo Pacete, jornalista especializado em tecnologia, editor da Forbes Tech e head de Conteúdo da MMA Latam, falou sobre as novas tecnologias que utilizam Inteligência Artificial, e suas vantagens e desvantagens no mundo dos negócios e do marketing digital.
Em entrevista para este J&Cia, Pacete, que esteve na lista dos +Admirados Jornalistas da Imprensa de Tecnologia de 2022, explicou justamente que, no jornalismo, Inteligência Artificial deve ser vista com cautela, sem extremos, pois não é uma terrível ameaça, como também não pode ser considerada uma aliada.
Ele explicou, por exemplo, que ela é muito útil para o jornalismo em matérias rápidas, de velocidade, em que atrair a audiência e obter métricas relevantes de SEO são as coisas mais importantes. Já matérias mais detalhistas, reportagens de fôlego, devem idealmente permanecer sob o comando de mãos humanas.
“O jornalismo hoje em dia tem uma lógica de produção muito voltada para o algoritmo, para o SEO, para a audiência, precisa de escala e de velocidade. As matérias e os conteúdos em geral se tornaram muito automatizados, e nesse aspecto, a IA é uma aliada”, explicou Pacete. “Podemos direcionar nossos recursos humanos para matérias de mais fôlego, de mais qualidade, de conexões humanas, e não digo nem matérias investigativas, mas matérias que têm esse olhar humano. Agora, nessas matérias rápidas, que exigem velocidade para suprir a parte da audiência, acho que a IA é fundamental, pois, de novo, grande parte do jornalismo produz hoje para algoritmos”.
Para ele, a Inteligência Artificial gera tanto um desafio como uma oportunidade para a imprensa: “É um desafio de checagem, que já vivemos atualmente com fake news e desinformação, mas que será e já está sendo potencializado com a IA. Será cada vez mais frequente a necessidade de checar se determinada imagem foi criada por IA. O olhar do jornalismo sobre a IA deve ser muito reflexivo, não pode ser polarizado. Não podemos pensar que ela vai substituir o jornalismo, como também não podemos achar que será apenas coisas boas, oportunidades. Existe um meio termo nesse assunto”.
Os receios da transição para o digital
E falando sobre a era da internet e a transição para o mundo digital, no painel Virou Blogueirinha? Quando a influência muda o jogo de uma carreira tradicional, o debate foi justamente sobre as dificuldades de ingressar no meio das redes sociais, e os obstáculos e preconceitos provenientes dessa escolha.
Mari Palma, jornalista da CNN Brasil, mediou o debate, no terceiro e último dia de Fire Festival, que contou com a participação de Simone Cesar, doutora especializada em odontologia e que faz vídeos sobre saúde bucal para crianças; e Fayda Belo, advogada especializada em crimes de gênero.
Em conversa sobre conciliar carreiras tradicionais e perfis nas redes sociais, Mari falou sobre sua experiência, e como consegue hoje manter tanto o trabalho no jornalismo como as visualizações na internet:
“O julgamento por parte de colegas existe. No meu caso, jornalistas têm certo preconceito com quem faz essa transição para o digital, do tipo ‘agora virou bloqueirinha e abandonou o jornalismo, a credibilidade’. Hoje, quase dez anos depois de iniciar minha trajetória nas redes, muitos jornalistas vêm me perguntar como podem fazer igual, qual caminho seguir para também estarem neste meio digital”, refletiu Mari. “Hoje é a era da internet, e o jornalismo acaba se contaminando com isso também. É possível e relevante para nossas carreiras como comunicadores que consigamos conciliar esses dois mundos”.
A jornalista falou também sobre as diferenças de mentalidade de profissionais que cresceram, no meio digital, como ela, e outros mais “tradicionais”, de veículos não online, como os impressos: “Muitos colegas estão fazendo transição de carreira depois dos 40. Eles pensam que precisam falar apenas com o público jovem, mas não necessariamente, dá para se comunicar com todos”.
“No g1 em um minuto, me deram a liberdade de ser quem eu era, com linguagem informal”, contou Mari. “Não tinha TP, tinha que ter tudo na cabeça. Minha coordenadora veio do impresso, e eu cresci no digital, então ela reclamava da linguagem informal que eu usava, pois tinha medo de que eu não fosse levada a sério. Mas os tempos mudaram, o público quer algo mais rápido. Aprendemos muito uma com a outra, essa troca de experiências de diferentes meios é muito frutífera”.