Por Luciana Gurgel
Em um passado não muito distante, sempre que acontecia alguma tragédia relacionada a fenômenos naturais, como no caso das enchentes na Região Sul, a natureza era apontada como a principal responsável.
A compreensão dos efeitos da ação do homem sobre o planeta fez com que a mídia passasse a associar com mais frequência o que acontece na vida real ao que os cientistas escrevem em papers acadêmicos.
No entanto, a adoção da chamada “atribuição” ainda está longe do que recomendam especialistas em mudanças climáticas.
O desafio é que, literalmente no meio da tempestade, muitas vezes falta tempo ou espaço para explicações que podem mudar mentalidades, acelerar transformações e combater a desinformação.
E depois que as águas baixam, as estradas são desobstruídas e o comércio volta a funcionar, o jornalismo nem sempre acompanha os desdobramentos, cobrando responsabilidades e contribuindo para evitar que os danos se repitam.
Logo após o terremoto de 2023 na Turquia, que deixou mais de 40 mil mortos, a Global Investigative Journalism Network (GIJN) elaborou uma lista com perguntas que a imprensa não deveria deixar de fazer durante e depois de catástrofes semelhantes.
O desastre foi agravado por ação humana antes, durante ou depois?
Essa pergunta pode desencadear vários ângulos de investigação – desde matérias factuais sobre falhas de planejamento e em sistemas de alerta até a falta de prevenção contra os efeitos previsíveis das mudanças climáticas.
O número de vítimas foi influenciado por corrupção ou clientelismo?
Segundo um estudo da Nature citado no guia, 83% das mortes causadas por quedas de prédios em terremotos nas últimas décadas ocorreram em países com corrupção sistêmica. Práticas construtivas são “em grande parte responsáveis por transformar terremotos moderados em grandes desastres”, conceito que se aplica ao Brasil, onde construções irregulares nem precisam de terremoto para virem abaixo.
Para onde foi o dinheiro da ajuda − e por que ele pode não ter chegado a quem precisava?
Quando milhões são liberados rapidamente em programas de ajuda, não são incomuns os casos de corrupção, favorecimento de fornecedores ou erros que adiam ou impedem a chegada do apoio a quem precisa. O GIJN recomenda atenção a problemas como venda de material de ajuda no mercado negro e cumprimento dos contratos por parte dos fornecedores.
O que os registros oficiais dizem sobre a atuação de órgãos de gerenciamento de emergências e sobre uma possível desigualdade na assistência a desastres?
O guia recomenda verificar o histórico de liberação de pedidos de assistência para identificar possíveis declínios, e se houve discriminação contra comunidades menos favorecidas, comparando a ajuda aos dados populacionais.
O desastre pode ter causado contaminação?
Vendavais, deslizamentos de terra e enchentes podem contaminar reservatórios de água, causar vazamentos em refinarias de petróleo ou em fábricas de produtos químicos, fatos que muitas vezes não são revelados sem investigação jornalística.
Há ameaças futuras à saúde pública?
O GIJN sugere atenção a condições criadas por desastres que podem gerar ondas de doenças no futuro, resultantes de problemas como água que permaneça contaminada ou sistemas de saneamento atingidos pelo evento climático sem o devido reparo.
Como noticiar saques de maneira ética?
Os especialistas enfatizam que os jornalistas devem tomar cuidado para evitar estereótipos e relatar incidentes desse tipo no contexto das condições enfrentadas por cada comunidade afetada.
O que se pode aprender com novos atores que participam da resposta a emergências?
Voluntários e fóruns online podem ser fonte de informações independentes importantes e até denunciar más práticas. Sair da esfera das informações oficiais amplia o foco da apuração.
Quem lucra com o desastre?
Os desastres ambientais registram “casos alarmantes” de golpes e oportunistas tentando lucrar com a tragédia, salienta o GIJN, e isso deve estar no radar da imprensa.
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