Por Antero Greco
Olá, Feice, como vai?
Abro seu primo Zap, pouco antes do almoço, nesta terça-feira, e leio a seguinte mensagem: “Boa tarde meu amigo, o Eduzinho acaba de falecer”.
Curta e direta a informação, sem rodeios, sem comentários adicionais. Nessa hora desnecessários, descartáveis, inúteis.
O importante estava lá: o aviso de que morrera o Eduzinho, o Zé Galinha, personagem miúdo e importante na redação do Estadão nos anos 1970, 80, 90, comecinho de 2000.
Só alguém muito distraído passou pelo antigo jornalão nesse período sem saber quem era o Eduzinho, ou Edu, ou Dudu. Enfim, o Eduardo cujo sobrenome só agora soube que era Collado.
Adendo supérfluo, fútil, porque falar Eduzinho era o suficiente, qualquer um sabia de quem se tratava. Equivalia a falar em dr. Júlio, dr. Ruy, Julinho, Ruizito. Pronto, na hora associava-se o nome à pessoa adequada. Sobrenome é pra desconhecidos na firma.
Eduzinho entrou no jornal rapazinho, para ser contínuo, e contínuo foi a vida toda. Com altivez, orgulho e decência. Era pau pra toda obra, desde levar matérias para a turma do Gegê liberar para a gráfica até pegar cola Pritt, canetinha, laudas, bloquinho, trocar a fita da máquina. Ou comprar sanduíche e refrigerante na lanchonete. Ou pagar conta no banco.
Andou centenas de milhares de quilômetros pela redação e pelo prédio da Marginal. Houve época até em que colocaram no pé dele um aparelhinho para medir quanto caminhava por dia. Acho que a geringonça pifou.
Eduzinho gastou tanta sola que passou a mancar um pouco. Bobagem de nada, para quem deslizava entre as editorias. Isso não o impedia de ir de lá pra cá, daqui pra lá.
O Zé Galinha nunca teve o nome no jornal, mas era impregnado pelo astral da busca da notícia que pairava sobre a redação. Adorava esportes, vivia sempre em volta da nossa turma, ouvido espichado e pronto para dar um pitaco.
Nos tempos das laudas, enquanto ia para a mesa da diagramação aproveitava e lia as matérias. Cansei das vezes em que voltou e, todo prosa, indicava um erro de informação. Nós o nomeamos “consultor de esportes”, e se gabava da função. Levava-a a sério, e relia o que pudesse.
Era astuto, observador, sucinto, irônico. Jogávamos uma pergunta e lá vinha a resposta de bate-pronto. “Lazaroni, Eduzinho?” “Enganador! “Telê Santana?”, “Sabe tudo!”, “O Romário?”, “Fominha, mas resolve!” e assim por diante. Seria um comentarista de mão cheia. São-paulino fanático.
Eduzinho era desses invisíveis que há em todo ambiente de trabalho. Inteligente, valia-se disso para saber tudo o que rolava na redação. Casos amorosos? Ele estava por dentro. Quem estava prestigiado com a chefia? Na ponta da língua. Visitas incógnitas na alta cúpula? Ele tinha informações de bastidores e as repassava para os amigos. Crise na empresa? Estava mais capacitado do que o RH.
“Como você sabe tanta coisa, Eduzinho?”, perguntava. Sorriso maroto acompanhava a explicação. “A gente passa numa mesa aqui, outra ali, pega um pedaço de conversa, ouve um papo no telefone. Depois, é só juntar…”.
Com Eduzinho morre mais um pouco daquele Estadão que sabia ser sisudo e informal, vetusto e zoeiro, profissional e familiar. Estadão em que o contínuo podia corrigir o editor, sem medo de represália. Mas que, por via das dúvidas, no jogo de fim de ano da rapaziada da redação, evitava chutar no gol defendido pelo diretor Miguel Jorge.
“Vai que ele franga e fica bravo comigo?”.
Era sabido o Zé Galinha, que na verdade deveria se chamar Zé Peru, porque imitava bem peru, com seu grito de gluglugluglu que ecoava forte na redação.
A história desta semana é de Antero Greco, comentarista da ESPN e colunista do UOL Esporte, que a publicou no Facebook em 14/1/2020 e nos autorizou a reproduzir.
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