Por Luciana Gurgel, especial para o J&Cia
Difícil imaginar um media training a partir de agora em que a entrevista de Harry e Meghan Markle a Oprah Winfrey não seja tomada como exemplo.
Segundo analistas, foi o maior abalo na monarquia em 85 anos, desde que o príncipe Edward abdicou para se casar com a americana Wallis Simpson.
É uma batalha de perdedores. Perdeu a realeza, acusada de racismo e de ignorar os pedidos de ajuda do casal. Perderam os Sussex, para quem as portas de Buckinghan fecharam-se de vez e os laços familiares dificilmente serão reatados.
Perdeu também a imprensa. Os ataques do casal aos tabloides transmitiram ao mundo uma imagem distorcida do excelente jornalismo do país. E da imprensa como instituição.
Mesmo os jornais sensacionalistas, em que pesem os excessos, muitas vezes dão furos em assuntos políticos e sociais, exercendo seu papel de denunciar malfeitos.
A Sociedade dos Editores reagiu com uma nota negando que o tratamento da imprensa ao casal tenha sido pautado por racismo. Em vários casos, não foi mesmo.
Os Sussex arriscaram-se ao usar jatinhos poluentes ao mesmo tempo que diziam querer só dois filhos para reduzir o impacto ambiental. Ou quando Meghan usou uma jóia dada pelo líder árabe acusado de mandar matar o jornalista Jamal Khashoggi e fazer a assessoria omitir a origem do presente porque não ia soar bem.
Tudo errado
Os acontecimentos em torno da entrevista são um festival de lições sobre o que não fazer. Harry e Meghan não se preparam. Tiveram declarações confrontadas com fatos, o que poderia ter sido evitado com um bom Q&A e um conjunto de talking points.
Um exemplo é a informação de que haviam se casado em segredo antes da cerimônia. Os britânicos lembraram que, diferentemente dos Estados Unidos, casamentos no país são válidos apenas quando feitos em uma instituição religiosa.
Se a festa tivesse sido fake seria pior, pois eles próprios teriam enganado a todos que assistiram ao enlace. Uma revelação desnecessária, que viraria tiro no pé de um jeito ou de outro.
Meghan também acusou a família de preconceito por não ter dado o título de príncipe a seu filho, nem a segurança a que príncipes fazem jus. Ocorre que isso é uma norma estabelecida em 1917, e não uma decisão da rainha. Outro ponto confrontado pela imprensa.
Do outro lado, a gestão não foi melhor. A regra never complain, never explain foi seguida por quase 48 horas após a entrevista. O circo da imprensa ficou armado diante do Palácio aguardando o posicionamento que só veio no fim da terça-feira, sucinto, dizendo que o caso seria tratado em família.
Suspeita de racismo na família real de um país assombrado pelo passado colonial e com um reinado que se estende a nações caribenhas e africanas não é só assunto privado. Tem a ver com as instituições, com a liderança pelo exemplo. E pode minar a confiança na monarquia.
Na lista de perdedores estão também os chamados grey suits, homens de terno escuro que mandam na comunicação. Em entrevista à Sky News, o analista de RP Sven Hughes não mediu palavras. Disse já estar na hora de o Palácio “dançar mais rápido” e renovar o time que conduz a comunicação de forma antiquada, “old school”.
Um problema que em sua opinião precisa ser resolvido antes de o próximo rei assumir, sob pena de aprofundar a ferida na monarquia, cuja imagem sustenta-se hoje na popularidade de Elizabeth II.
No meio de tudo, Meghan e Harry tiveram algo a celebrar. Outro perdedor foi o apresentador Piers Morgan, sacado da ITV por ter colocado em dúvida a declaração de que a duquesa teve pensamentos suicidas.
Inimigo do casal, ele chegou a deixar o estúdio do Good Morning Britain ao vivo na manhã de terça-feira (9/3) depois de criticado por um colega de bancada. As declarações motivaram mais de 41 mil reclamações ao órgão regulador. A ITV ainda vai ter que se explicar.
Feliz nisso tudo só mesmo Archie, que com sua pouca idade não faz ainda ideia da família encrencada em que nasceu. E Oprah, claro, que faturou alto com a confusão.
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