Por Victor Félix

Lalo de Almeida, da Folha de S.Paulo, é o +Premiado Jornalista de 2024. Com 162,5 pontos, o repórter fotográfico alcançou a primeira posição do Ranking com a conquista de importantes prêmios, entre eles o Maria Moors Cabot, uma das mais antigas e relevantes premiações de jornalismo do mundo, por seus mais de 30 anos de carreira e dedicação em retratar ameaças ao meio ambiente e crises migratórias.

Lalo também integrou as equipes que conquistaram em 2024 os prêmios CICV, na categoria Cobertura Humanitária Internacional; Direitos Humanos de Jornalismo, em Multimídia; e Folha de Jornalismo, na categoria Reportagem. Essas premiações também fizeram Lalo subir 20 posições no Ranking dos +Premiados Jornalistas da História, pulando da 46ª para a 26ª posição.

Este é o segundo ano consecutivo e a terceira vez na história do Ranking que um repórter fotográfico é o +Premiado Jornalista do Ano. Em 2023 tal feito coube a Marcia Foletto, de O Globo, e em 2015, Dida Sampaio (Estadão) e Domingos Peixoto (O Globo) dividiram o primeiro lugar. Curiosamente, o segundo colocado desta edição também foi um repórter fotográfico: Paulo Pinto, da Agência Brasil.

Especializado em pautas socioambientais, Lalo de Almeida fez ao longo de sua carreira parte de importantes projetos audiovisuais que evidenciam temas como desmatamento, mudanças climáticas, incêndios devastadores, impactos da ação humana na natureza e as diversas (e muito complexas) relações entre o homem e o ambiente. Através de suas fotografias, mostra aquilo que muitos querem manter “por trás das cortinas”.

Nascido em 1970, tem mais de três décadas de carreira no fotojornalismo. Diz que sempre teve interesse por fotografia e “aventuras”. Desde a juventude, fazia registros de suas viagens, passeios, escaladas e trilhas, chegando inclusive a vender algumas de suas fotos para revistas.

Estudou fotografia no Instituto Europeo di Design, em Milão, Itália. Na época, chegou a trabalhar cobrindo pautas policiais. Ao retornar ao Brasil, teve breve passagens por Estadão e revista Veja, até chegar à Folha de S.Paulo, onde trabalha há mais de 30 anos. Colaborou também em diversos projetos para o jornal americano The New York Times, além de outras publicações brasileiras, como Globo Rural e revista Crescer.

É autor de diversas séries de fotografias premiadas internacionalmente, como Distopia Amazônica (projeto ao qual se dedicou por 12 anos), A Batalha do Belo Monte (2013), Um Mundo de Muros (2017), Pantanal em Chamas (2020) e Darién, a Selva da Morte (2024).

O Ranking +Premiados da Imprensa conversou com Lalo de Almeida sobre sua carreira e trajetória no fotojornalismo. Ele falou sobre as motivações que o levaram a seguir na profissão, como se interessou e especializou em pautas socioambientais, os riscos desse tipo de cobertura e bastidores de premiados trabalhos que fez.

Confira a seguir a entrevista na íntegra:

Ranking 2024 – O que significa para você ser o +Premiado Jornalista de 2024?

Lalo de Almeida – É um reconhecimento por essa dedicação que tive ao longo da carreira. Sempre brinco que não me considero um cara talentoso, e sim um cara muito esforçado. Então, acho que ser o +Premiado reconhece esse esforço, essa dedicação de tantos anos trabalhando sempre no mesmo ritmo, na mesma toada, tentando ser coerente, vejo como um reconhecimento pela carreira.

Lalo fotografando uma área queimada do Pantanal em 2020, na região da Serra do Amolar (MS).

É importante ressaltar que nada disso teria acontecido se eu não tivesse trabalhado com alguns dos melhores jornalistas do Brasil. Na verdade, esse reconhecimento aconteceu porque tive o privilégio de trabalhar com essas feras, se não, eu não teria ganhado todos esses prêmios. Estou sendo premiado e reconhecido, mas na verdade é um reconhecimento meu e de todos os jornalistas com quem trabalhei, estou recebendo de forma individual, mas enxergo muito como algo coletivo.

E são parcerias longas com esses jornalistas e não esporádicas, parcerias de anos e anos de trabalho. Então, tive a sorte de trabalhar com os melhores. A fotografia é um processo meio solitário e individual, onde você está lá sozinho para fazer o clique. Mas até chegar esse momento da foto ocorre um processo muito coletivo, desde a elaboração da pauta, do projeto, viagens, apuração, até finalmente a hora da fotografia. Então, nada disso teria acontecido sem o apoio dos meus colegas nesses trabalhos premiados.

Ranking 2024 – Como surgiu seu interesse em trabalhar com fotojornalismo?

Lalo – A fotografia sempre esteve presente na minha vida como uma forma de registrar minhas viagens. Quando eu era mais jovem, na adolescência, queria fazer fotografia de natureza. Fazia muitas caminhadas, escaladas, e fotografava essas viagens. Cheguei até a publicar minhas fotos em algumas revistas. Mas nessa época eu estava perdidão, não sabia que curso fazer, que profissão seguir, acabei indo cursar Geologia, mas não era para mim.

E nesse meio tempo eu continuava fotografando minhas viagens, explorava cavernas e registrava esses momentos. Uma vez, fiz uma viagem de bicicleta pela Patagônia, e publiquei as fotos em vários lugares, revistas, jornais. E foi aí que percebi que talvez esse negócio tinha jeito, decidi ser fotógrafo, decidi fazer isso da minha vida. Fui estudar fotografia, mas na época não havia graduação, uma formação específica no Brasil. Então, lembrei do meu irmão que morava em Milão, na Itália, eu também já falava italiano, e foi assim que decidi ir para lá, para estudar fotografia no Instituto Europeo di Design.

Lalo durante a cobertura das queimadas no Pantanal em 2020.

Nessa época, para me sustentar, trabalhei em uma pequena agência de fotojornalismo que cobria apenas cronaca nera − em italiano, assuntos policiais. Eu pegava minha motinho, ficava escutando a frequência de rádio da polícia e dos bombeiros, e quando acontecia algo, saía dirigindo para lá e fotografava o ocorrido. Depois, revelava as fotos (era ainda a época do preto e branco), editava, ampliava e logo em seguida pegava a motinho de novo e ia nas redações dos jornais para vendê-las. Foi uma experiência fantástica, pois eu fazia o ciclo inteiro da notícia, do trabalho, desde entender o que era a pauta, sair para fotografar, editar, revelar, ampliar, até conseguir vender o peixe para o editor. Cheguei a cobrir a Guerra da Bósnia, no começo dos anos 1990, por uma outra agência, cobertura essa que também foi uma grande escola de aprendizado para mim.

Aí chegou um ponto em que achei que era a hora de voltar ao Brasil, um país muito rico, com muitas histórias para contar. Mas quando cheguei, não conhecia ninguém. Trabalhei alguns meses no Estadão e na revista Veja, mas as coisas não estavam fluindo. Foi então que um editor da Folha de S.Paulo me ligou e me convidou para trabalhar lá. Fui pensando que não ia durar muito, com a ideia de ficar no máximo um ano, e olhe lá. E o que era para ser apenas um ano acabou virando 30. Estou perto de completar 31 anos de Folha. E não me arrependo. É um lugar incrível, que tem um ambiente que exala vontade de criar, de contar histórias. Foi justamente na Folha que fiz alguns dos melhores projetos da minha carreira. Acredito que o jornal me possibilitou fazer trabalhos que em poucos lugares do mundo eu conseguiria.

Ranking 2024 – O seu interesse em cobrir questões socioambientais surgiu por causa de suas viagens ou algum outro fator te deu aquele “estalo”?

Lalo – Acho que um pouco dos dois. Sinto que tive um retorno às minhas raízes no sentido de que gosto muito de fotografar no meio da natureza, prefiro fotografar em ambientes afastados, rurais, estar no meio desses lugares remotos. Sinto que consegui juntar no meu trabalho hoje aquele desejo de estar fotografando no meio da natureza, e ao mesmo tempo colocando o jornalismo nisso tudo, contando as histórias, as ameaças que rondam esses biomas.

Mas creio que teve um momento muito importante na minha carreira, que considero uma virada de chave em vários sentidos, que foi o trabalho sobre Belo Monte. Esse trabalho me fez entender essa ocupação predatória na Amazônia, e foi a partir dele que comecei a fazer muitos projetos especiais multimídia para a Folha.

Em 2009, me mandaram para Altamira, para cobrir as primeiras audiências públicas para a população sobre o que seria o projeto Belo Monte. Fomos para ver o que a população achava, os indígenas e ribeirinhos. E quando comecei a ouvir o que seria o projeto, pensei “nossa, isso aqui vai ser um estrago, vai ter um impacto gigantesco nas populações”. Despertei um interesse em acompanhar o projeto Belo Monte do começo ao fim. Pedi para a Folha para que, sempre que tivesse alguma pauta em Altamira, me escalassem para eu continuar acompanhando a história de perto. Mas eu acabava indo apenas uma vez por ano, não ia ser suficiente para cobrir totalmente o assunto.

Foto de capa do projeto A Batalha de Belo Monte, publicada no final de 2013.

Foi então que consegui uma bolsa do Ministério da Cultura chamada Marc Ferrez, um prêmio para fotografia, e usei o dinheiro para documentar os impactos socioambientais da obra de Belo Monte. Passei quatro meses em 2013 morando em Altamira, fotografando as obras, que estavam a todo vapor. E aí, no segundo semestre de 2013, a Folha resolveu começar a fazer grandes projetos multimídia, um deles sobre Belo Monte. E como eu já estava por perto, a Folha mandou mais cinco jornalistas para me ajudar lá. Produzimos o especial em 15 dias.

Então, esse trabalho de Belo Monte foi uma virada de chave para mim por dois motivos. O primeiro porque entendi o que era esse processo de ocupação predatória da Amazônia, que não leva em conta as questões ambientais nem as populações locais. Percebi o quão nocivos são esses projetos, e me interessei demais por tudo isso, quis continuar registrando, fotografando, procurando outros assuntos dentro desse tema, outras histórias. E ao mesmo tempo, quando fiz esse especial, o jornal começou a me chamar para fazer praticamente todos os especiais multimídia. Todo ano eu fazia algum projeto que durava de quatro a seis meses. Então, foi virada de chave também nesse sentido, pois a partir de Belo Monte comecei a fazer vários outros projetos especiais.

Ranking 2024 – Sobre o projeto Um Mundo de Muros, como foi vivenciar e cobrir essas divisões entre as populações de países e regiões tão distintos?

Lalo – Foi um projeto fantástico. Trabalhei ao lado de Patrícia Campos Mello, uma das melhores jornalistas do Brasil [N. da R.: Patrícia também foi a +Premiada Jornalista do Ano nas edições 2019 e 2020 do Ranking]. Nós pensamos nesse projeto numa época em que vários “muros” e divisões estavam sendo erguidos pelo mundo, o assunto era bem pertinente. Foram viagens incríveis, todas foram únicas. Visitamos zonas de conflito, com muita tensão. Visitamos os muros entre Estados Unidos e México, Quênia e Somália, Sérvia e Hungria, além de muros internos no Peru e Brasil. Passamos então por África, Europa, América e Oriente Médio.

Muro entre México e Estados Unidos, destacando parte do dele dentro d’água, da série Um Mundo de Muros (2017).

Creio que a mais difícil em termos de acesso foi a do muro entre Quênia e Somália. É região tensa, com muito terrorismo. Os terroristas saem da Somália, entram no Quênia e fazem os atentados. E a gente teve que pedir autorizações para vários órgãos do governo do Quênia para conseguir acessar esse local. Qualquer deslocamento que fazíamos, tínhamos escolta armada. E quando fomos no muro, a gente foi num comboio militar, com uns 30 soldados

Nessa viagem foi a primeira vez que eu usei um drone. Foi um projeto supermultimídia, com imagens em 360 graus, e eu tinha acabado de comprar um drone para usar. Quando chegamos na fronteira, tinha um fosso e uma grade gigantesca que cerca esse fosso, com vários soldados em volta, e aquele clima de tensão. Aí tirei a câmera, comecei a fotografar rápido, e eu ia fazer algumas imagens com o drone também. Mas depois de só cinco minutos que chegamos lá, um soldado se aproximou e falou que, por questões de segurança, a gente não poderia ficar muito tempo ali. Ou seja, a gente atravessou meio mundo para no fim ficar só cinco minutos no muro? No fim, nem usei o drone. A gente acabou ficando 20 minutos no máximo. Quer dizer, foi uma canseira, indo atrás de diversas autorizações, muito tempo de viagem, deslocamento, para ficar pouco tempo no muro. Se fiquei 20 minutos registrando o muro foi muito.

Mas foi um projeto incrível e que, no começo, parecia inviável e impossível. Era muita grana para as viagens. Tentamos patrocínio por fora, mas não conseguimos. E no fim, a Folha bancou tudo e esse trabalho acabou sendo um dos trabalhos mais premiados do jornal.

Ranking 2024 – E sobre a série Pantanal em Chamas, o que você sentiu ao ver toda aquela destruição e ao tirar a foto emblemática do macaco carbonizado?

Lalo – Esse trabalho foi muito marcante para mim. Na época, estávamos fazendo um projeto chamado Amazônia sob Bolsonaro. Então, nosso foco estava 100% na Amazônia. Eu estava trabalhando com meu amigo Fabiano Maisonnave, que na época era correspondente em Manaus. E a gente começou a receber notícias de que os focos de incêndio no Pantanal estavam crescendo, lá perto de junho, julho. E aí já tínhamos viagem marcada para Amazônia, mas decidimos ir para o Pantanal antes da Amazônia.

E, sendo sincero com você, estávamos meio desinformados, para falar a verdade, a gente sabia que a situação estava feia, mas não tínhamos noção do quão grave estava. Quando chegamos lá, foi um grande susto. O céu estava lindo e azul, achávamos que não tinha tanto fogo assim, mas conforme fomos chegando perto do Sesc Pantanal, na região de Poconé, que era o lugar onde estavam concentrados os incêndios, de repente surgiu um muro de fumaça, era fogo por todo o lado. Não tínhamos noção do tamanho dos incêndios.

Na Amazônia, o que ocorre normalmente com os incêndios (isso está mudando recentemente por causa do clima) é o seguinte: o pessoal derruba as árvores pois não consegue colocar fogo com elas em pé pois são muito úmidas. Então, primeiro derrubam árvores, esperam a vegetação secar e colocam fogo quando a vegetação já está seca. E nesse processo, nesse meio tempo, os bichos conseguem fugir. Mas no Pantanal, é diferente, o fogo passa devastando tudo rapidamente. E a quantidade de animais mortos que vimos lá foi assustadora, de partir o coração. Foi um susto essa descoberta dos incêndios no Pantanal.

Depois disso tudo, seguimos viagem para a Amazônia, que já estava marcada, para continuar nossa cobertura. Mas admito que fiquei angustiado de deixar o Pantanal. Tentei convencer a Folha a voltar para Pantanal, mas naquele momento não tinha como. Então eu, angustiado, fui para lá por conta própria, com a minha família.

A foto específica do macaco queimado foi feita nessa viagem. Estávamos numa fazenda próxima à Serra do Amolar, na fronteira com a Bolívia, e o fogo tinha passado no dia anterior com uma velocidade gigantesca, um dos incêndios mais fortes que vi. No dia seguinte, percorremos a região por onde o fogo tinha passado. E no meio do cenário apocalíptico, com uma cinza esbranquiçada de tão forte que era o fogo, nos deparamos com essa figura. Quando olhei, até levei um susto, pois parecia quase uma figura humana. Era um macaco bugio, que estava em uma posição como se estivesse rastejando, fugindo das chamas, e é um movimento muito humano, parecia uma pessoa. Foi um choque. E quando olhamos em volta, percebemos que não era só aquele macaco, tinha outros, era um bando. Encontramos outros macacos carbonizados.

Ficamos pensando sobre o quão devastadoras foram as chamas, e o quão rápidas elas foram, pois nem os macacos, que são bichos espertos e rápidos, conseguiram escapar. Encontramos até aves calcinadas nas árvores, que nem conseguiram voar, não deu tempo de voar, ou ficaram perdidas, tamanha a intensidade do fogo. Então, foi um choque tremendo. Estávamos acostumados a ver incêndios na Amazônia, mas no Pantanal, o que pegou de verdade foi a questão dos bichos, dos animais, e não só eles mortos, mas vimos muitos feridos, agonizando, filhotes sem os pais, bichos com a pata queimada, uma verdadeira tragédia.

Foto de um macaco bugio carbonizado para a série Pantanal em Chamas (2020). A posição do macaco lembra uma figura humana.

Ranking 2024 – Pensando em todos esses temas essenciais que você cobriu com suas imagens, qual a importância da fotografia para o jornalismo?

Lalo – Para responder a essa pergunta me vêm à cabeça algumas coisas. Depois de tantos anos cobrindo esses temas socioambientais, a minha percepção é que o interesse das pessoas por esses assuntos ainda é muito pequeno. Então, acho que a imagem, que é uma linguagem muito direta e cria muita empatia com o outro, é um jeito de se comunicar muito eficiente. Acho que as fotografias têm essa capacidade de atrair as pessoas para que se interessem pelas histórias.

Lalo em meio aos incêndios que atingiram o Pantanal em 2020.

Ainda mais hoje, em um mundo onde cada vez menos as palavras são usadas, a questão da imagem está cada vez mais presente, acredito que a fotografia jornalística, feita seguindo os padrões do jornalismo profissional, com credibilidade, critérios, apuração e conceitos, é muito eficiente, e tem capacidade de se comunicar com as pessoas de uma maneira muito imediata, forte e potente. Não adianta nada ficar falando que o Pantanal está queimando, queimou 30% do pantanal − tudo bem, é importante, mas acho que as pessoas conseguem se conectar mais com essa notícia quando veem por exemplo a foto do bugio queimado. Eu acho que a fotografia, nesse sentido, tem uma eficiência enorme.

Então, a fotografia é importante pelo poder de comunicação imediata e direta que ela tem, principalmente nesses assuntos que às vezes as pessoas acham chatos ou não se interessam muito. Você consegue criar uma conexão mais rápida e potente com os leitores.

Ranking 2024 – Qualquer tipo de investigação jornalística tem seus riscos, e com a cobertura da Amazônia e de questões socioambientais não é diferente. O que você tem a dizer sobre a questão da segurança dos jornalistas durante essas coberturas mais arriscadas?

Lalo – No caso da cobertura da Amazônia, especificamente, acredito que precisamos falar sobre alguns pontos que tornam o trabalho mais desafiador e mais perigoso. Grande parte das atividades que acontecem na Amazônia, de alguma forma estão ligadas a atividades ilícitas, garimpo, extração de madeira, drenagem de terra, assuntos recorrentes nas coberturas. Então, o tempo inteiro estamos em contato com esses grupos que praticam atos ilícitos, e às vezes até estão ligados a políticos, que estão cometendo crimes e obviamente não querem se expor. E cada vez mais temos grandes facções criminosas que estão por trás dessas atividades ilícitas, a situação vem se tornando complexa.

Para nós, que cobrimos pautas ligadas à Amazônia, a sensação que eu tenho é que, atrás daquela determinada curva, pode ter alguém te esperando, sabe? É a sensação de que, atrás daquela árvore, tem alguém te esperando, tem uma emboscada. E nós andamos muito nessas coberturas, não ficamos parados, vamos atrás da notícia, e então ficamos expostos a todo o momento, e com pouquíssimos recursos de como pedir socorro. Estamos muito por conta própria.

Outro ponto a se pensar é o seguinte: são regiões tão tensas, com uma tensão constante, que qualquer mal-entendido pode gerar uma tragédia. Trabalhamos sempre num certo nível de tensão. Uma vez, durante uma cobertura, novamente com Fabiano Maisonnave, estávamos num ramal da Transamazônica e paramos para fotografar um jerico, um caminhãozinho muito utilizado por lá, que tinha um adesivo do Bolsonaro. Descemos para tirar uma foto desse jerico, o Fabiano fez uma foto com o celular mesmo, e aí um cara saiu correndo com uma peixeira atrás da gente.

Em outra ocasião, eu estava em Altamira, tomando um guaraná num boteco. E o som estava bem alto, tocando músicas de sofrência, que falavam sobre traição, e tinha um casal já bêbado tomando cerveja do meu lado. Aí falei para o meu amigo e colega Marcelo Leite que estava na cobertura comigo: “Marcelão, você já reparou que aqui só toca música de corno?” E isso eu estava falando para ele, fiz uma piada. Aí o homem do lado ouviu, e ele queria me matar. Ele estava bêbado e disse que ia me matar e esperar a polícia.

Lalo fotografando uma área invadida por grileiros dentro da Terra Indígena Trincheira/Bacajá (PA).

Outro problema é que estamos constantemente em lugares muito remotos, afastados. Então, qualquer emergência de saúde que você tiver, você está perdido. Imagine que você está no meio do Vale do Javari e você toma uma picada de cobra. E aí? Não tem soro, você está há três dias de barco de qualquer lugar… Eu, por exemplo, quase morri em 2023. Foi um milagre não ter morrido. E esse caso diz muito sobre o que é trabalhar na Amazônia.

Estava indo para Oiapoque, saindo do Amapá, para cobrir a exploração de petróleo na região. No meio do caminho, comecei a me sentir mal, sorte que eu estava com meu colega de cobertura e amigo Vinicius Sassine. Fui para o hospital, o médico pediu uns exames, eu comecei a alucinar, cheguei a ficar inconsciente, fiquei muito mal mesmo. Resumindo, eu estava com Meningite Meningocócica. Só que o médico até então achava que eu estava com dengue. Começaram a aparecer manchas no meu corpo, e por sorte o Vinicius Sassine fotografou e mandou para a irmã dele que era médica e estava fazendo residência em Ribeirão Preto (SP). Ela mostrou para um professor, que disse que isso estava com cara de Meningite Meningocócica. Ele falou que eu tinha horas de vida. Aí foi uma correria, eu precisei ser transferido para outro hospital, precisava de um avião UTI, já estava inconsciente, todo o rolo para pagar o preço caríssimo do avião, a saúde foi caindo por causa da demora, mas consegui chegar a São Paulo e me curei. Mas as chances de eu ter sobrevivido eram mínimas e eu deveria ter muitas sequelas, e não tive nada, foi um milagre. Tudo isso que passei foi muito ruim, mas poderia ter sido bem pior se eu estivesse em um local mais remoto.

Então, trabalhar na Amazônia tem esses dois grandes riscos, o risco de você estar lidando constantemente com essas atividades criminosas e ilegais, e é uma tensão constante, e você não sabe quem pode estar te esperando e o que pode acontecer, e qualquer fagulha pode desandar para uma tragédia; e ao mesmo tempo você estar trabalhando em lugares remotos, com pouca comunicação, pouco acesso a qualquer tipo de socorro. É muito desafiador.

Ranking 2024Qual foi o trabalho mais difícil que você já fez?

Lalo – Trabalhos difíceis acho que foram muitas pautas na Amazônia, muitas histórias angustiantes de fazer, tanto pela dificuldade em contar a história, os riscos que essa história envolvia, o quanto nós nos expomos. Mas do ponto de vista pessoal, uma das histórias que mais me tocou como ser humano, como pessoa, que me deixou muito aflito e arrasado mesmo, foi a história do estreito de Darién, que fiz com a Mayara Paixão, no ano passado.

A selva de Darién, entre a Colômbia e o Panamá, é uma rota extremamente perigosa, pela qual passam milhares de pessoas diariamente, consumidas pelo sonho de chegar aos Estados Unidos. É um drama humano terrível, que envolve muitas crianças, passando por essa experiência horrorosa que é fazer essa travessia. Eu saí arrasado dessa cobertura. As crianças sofriam muito, e as famílias faziam a travessia sem recurso nenhum, na cara e na coragem, por esperança, por desespero, um pouco de tudo. E zero recursos. E eles ainda precisavam chegar nos Estados Unidos, e as crianças doentes, com fome, e eram milhares todos os dias. E tudo isso para chegar no muro, pois a parte pior é a parte do México, pois lá tem muita violência, então muitos ainda estão no meio do caminho, é uma situação angustiante. Foi uma das coisas que mais me tocou nesses últimos trabalhos.

Foto da série Darién, a Selva da Morte, publicada em 2024. A imagem mostra a situação de milhares de famílias que fazem esta perigosa travessia diariamente.

Ranking 2024 – O que você gostaria de fotografar mas ainda não fotografou?

Lalo – Acho que gostaria de fotografar mais a América Latina. Sair um pouco do Brasil. Já fotografei um pouco, mas quero fazer mais registros da América Latina, principalmente nos países andinos. Achar histórias nesses lugares interessantes. Quero sim continuar fotografando questões socioambientais, eu me interesso muito por essa relação entre o homem e o ambiente, mas queria sair um pouco dessa zona.

Às vezes é bom sair da sua zona. Estou muito focado na cobertura da Amazônia, por exemplo, e às vezes é muito exaustivo você focar tanto em um só tema, por mais que esse seja um tema superdiverso. É muito importante sair dessa sua zona às vezes, especialmente porque você pode inclusive ver outras perspectivas sobre esse tema que você está cobrindo.

Ranking 2024Você tem alguma marca registrada nas fotos, algo que você sempre faz questão de mostrar nos seus trabalhos?

Lalo – Acredito que não, mas, inconscientemente, acabo sempre mostrando nas minhas fotos essa questão de a paisagem ser muito presente, e o ser humano não ser o sujeito principal. O ser humano acaba virando mais um elemento dessa paisagem, não é o sujeito principal. Meu trabalho mostra muito dessa relação homem-paisagem e homem-ambiente, e às vezes só foto do ambiente sem o personagem, e muitas vezes a foto só do ambiente sem o personagem conta mais do personagem do que se ele estivesse na foto.

Acho que meu trabalho é muito isso. As vezes pessoas acham meio frio, por estar meio distante das pessoas. Mas nem todo trabalho é assim, claro, mas acredito que tenho muito essa questão de destacar o ambiente, de colocá-lo no lugar de sujeito principal.

Foto do trabalho Distopia Amazônica, tirada em Altamira (PA), em 2019. A imagem mostra um menino ribeirinho na comunidade de Paratizão, às margens do Rio Xingu, próximo à represa de Belo Monte.

Ranking 2024Quais são suas referências no fotojornalismo?

Lalo – Acho que não tenho uma ou algumas referências específicas. Creio que é muito mais um processo em que você vai “pescando” uma coisa ou outra de vários colegas, de trabalhos que você vê, tudo vai te fazendo pensar, e você vai criando aquele “caldo” na sua cabeça e aí sai a inspiração, o jeito que você enxerga as coisas. Na verdade, é um conjunto de diversas influências diárias que vou absorvendo e isso que vai me inspirando.

Mas para citar alguns, aqueles que considero os “mestres” da fotografia, trabalhos referências na história, falo sobre Eugene Smith, fotógrafo americano fantástico. Teve seu auge nos anos 1950-1960, tem trabalhos incríveis. E o admiro pela persistência, pela obstinação de tentar contar histórias do melhor jeito possível, a forma como se doava pelas histórias.

Admiro muito também o Sebastião Salgado, não só pelas fotografias, mas como ele conseguiu viabilizar os projetos, é um cara que pensa grande, que pensou fora da caixa e conseguiu fazer trabalhos sobre os grandes temas da humanidade. É um cara que, quando comecei a estudar fotografia, no começo dos anos 1990, ele já estava na história da fotografia. E continuou trabalhando depois de mais 30 anos, produzindo que nem um louco, trabalhos importantes, então admiro também essa longevidade.

Lalo descendo em um garimpo de ouro ilegal dentro da Reserva Nacional do Cobre (Renca), no Pará.

Ranking 2024 – Quais dicas você daria para jornalistas que querem ingressar no fotojornalismo?

Lalo – Acredito que o mais importante é encontrar um tema em que você tenha um interesse genuíno, que você não esteja fotografando só por trabalhar. Que você tenha um interesse real sobre aquilo que está fotografando, isso faz toda a diferença no trabalho final, e você consegue fugir de estereótipos. Dedique-se a temas em que tenha algum interesse, em que acredite, e aí o trabalho acontece naturalmente.

Em termos de carreira, de fato, é uma carreira dura. Eu peguei muitas transições, do preto e branco para o colorido, depois para o digital, depois a chegada da internet e das redes sociais. E eu tentei sempre me adaptar a essas realidades que foram aparecendo.

A indústria do fotojornalismo deu uma derretida. Mas tento ver o lado bom das coisas. Com a internet e os avanços tecnológicos, conseguimos publicar hoje com muito mais qualidade, e temos espaços quase infinitos para expor nossos trabalhos. O grande desafio é viabilizar tudo isso em termos econômicos, mas em relação a possiblidades criativas, vejo muitos caminhos hoje em dia.

Ranking 2024E o que vem de novo por aí? Novos projetos, grandes reportagens multimídia?

Lalo – Eu consegui recentemente uma bolsa incrível da National Geographic Society, um financiamento. Com isso, vou fazer um trabalho sobre os impactos das mudanças climáticas nas populações amazônicas, principalmente indígenas e ribeirinhas. A ideia é falar sobre como as mudanças climáticas mudam os modos de vida dessas populações, que são pessoas que estão muito conectadas aos ciclos naturais, e de repente encontram uma nova realidade climática, e como eles estão se adaptando (ou não) a essas novas realidades.

E tem um outro trabalho, com financiamento de uma fundação norueguesa, em parceria com Vinicius Sassine, sobre grandes obras na Amazônia. É um trabalho que vai sair na Folha, e não posso adiantar muitas coisas. Mas é um projeto que vai durar pelo menos um semestre. Só nesse ano de 2025, tenho pelo menos umas 12 viagens marcadas para a Amazônia.


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