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sábado, novembro 23, 2024

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Especial Dia do Jornalista: Um quase ídolo do futebol

Um quase ídolo do futebol O jogo avançava com o saldo de 3 X 0 para o time adversário até os dez minutos finais do segundo tempo. Tudo indicava que o placar estava definido, mas a equipe de Caco Barcellos arrancou um empate relâmpago e fulminante no campo do Clube Atlético São Paulo: 3 a 3. Não havia torcida na arquibancada, mas o clima era de final de Copa do Mundo. Eis que no limite do tempo regulamentar, Caco recebeu uma bola inacreditável na cara do gol. Era ele, o goleiro e a glória. Foi então que o cansaço e a noite mal dormida depois de mais uma longa viagem a trabalho falaram mais alto. “Foi a lesão mais grave da minha vida. Aquele chute estourou minha perna. E não foi gol”. Era o fim do dia de uma 4ª.feira na redação do programa Profissão: Repórter, na sede paulista da Globo, quando o criador da atração recebeu o Jornalistas&Cia em sua modesta mesa – sem paredes ou divisórias – localizada em um canto da sala. Enquanto conversávamos, um editor cuidava dos últimos detalhes do primeiro programa depois da entressafra, rumo à nova temporada. Pano rápido. Caco conta que fizera havia pouco mais uma sessão de fisioterapia. Aparenta estar exausto, mas não olha para o relógio em nenhum momento. Ele se mostra animado com a perspectiva de voltar aos gramados em breve, depois de meses longe do campo do clube SPAC. E com esse gancho conta meio sem querer que por pouco não foi jogador profissional de futebol. Poderia muito bem ter sido um ídolo e sonhava com isso. Entre os oito e os 15 anos, quando morava na Vila São José do Murialdo, na periferia de Porto Alegre, Cláudio Barcelos de Barcellos jogava em um time chamado Partenon, que era frequentado por olheiros dos grandes times do estado (leia-se Inter e Grêmio). O garoto, que jogava no ataque, era rápido e hábil, porém franzino demais para os padrões locais. “Os treinadores do Sul naquela época selecionavam mais pelo físico do que pelo talento”, conta. Ao lado do atacante Cláudio Barcelos no Partenon jogaram alguns nomes que fazem parte da história do futebol brasileiro. Entre outros, ele cita Flávio Minuano, que foi centroavante do Internacional de Porto Alegre, e Jorge Guaraci, que fez história na Portuguesa depois que deixou o Rio Grande do Sul. Já Caco acabou desistindo quando percebeu que só os grandalhões eram promovidos nas peneiras gaúchas. Bem mais tarde, percebeu que estava errado em sua avaliação ao acompanhar as carreiras de sucesso de Zico, Romário, Djalminha e Zinho, todos franzinos como ele. Anos depois de desistir da carreira nos gramados, Cláudio Barcelos de Barcellos virou apenas Caco Barcellos quando assinou sua primeira grande reportagem. Trabalhava então no jornal Folha da Manhã e se dividia entre a redação e um táxi que pilotava por Porto Alegre para pagar o curso de jornalismo na PUC-RS. “Era um fusca sem o banco da frente do passageiro e sem cinto de segurança, que não existia naquela época. Acabei pegando um cacoete que tenho até hoje: sempre que o carro freia, eu estico o braço”. Um belo dia foi “flagrado” dentro do veículo por um dos editores do jornal. Tinha a fantasia de que aquilo pegaria mal, já que redação era lugar de intelectual. Tanto que achou que perderia o emprego, mas estava enganado. Ao saber que um dos seus repórteres era taxista, o editor encomendou na hora uma reportagem especial sobre a rotina da profissão. O foca voltou à redação excitadíssimo, mas foi informado por colegas veteranos gaiatos de que não poderia usar uma máquina de escrever já que era estagiário. Não teve dúvida. Sacou as anotações do bolso, escreveu tudo a mão e levou o material para o secretário de Redação, que avisou sobre a pegadinha. Foi então apresentado à máquina de escrever, da qual só se separou quando surgiram os computadores. Ao saber que deveria assinar o texto, pegou a caneta e escreveu como se assinasse um cheque: “Cláudio Barcelos de Barcellos”. O editor então tratou de cortar o “Cláudio” e um dos “Barcelos”, reduzindo o nome para Caco Barcellos de modo que coubesse no pequeno espaço reservado ao crédito. “Essa matéria me abriu a cabeça para a importância de estar mergulhado em uma história antes de escrever”, conta. De Porto Alegre foi para São Paulo em 1976 e ajudou a criar o mitológico e alternativo jornal  Versus, então dirigido por Marcos Faerman. “Versus foi a única redação da qual fui demitido em minha vida”, lembra Caco, ao contar que a publicação funcionava como uma assembleia permanente. “Um dia chegamos e tinha uma turma querendo que nossas reportagens obedecessem à cartilha de um grupo que não lembro qual era. Achei que aquilo não fazia sentido, mas disseram que precisávamos ter compromisso com a causa operária. Votaram e nos demitiram. Naquela redação ninguém trabalhava. Passavam o tempo todo fazendo assembleia”. De São Paulo, Caco caiu literalmente no mundo. Foi perambular pela América Latina quase sem dinheiro no bolso. Desembarcava onde estava a notícia e tratava de negociar suas histórias por telefone com as redações da grande imprensa e/ou dos veículos alternativos. “Cheguei à Nicarágua completamente duro. Tinha 200 dólares. Isso não dava para uma diária do hotel onde estavam os jornalistas. O que pagavam pelas matérias era ridículo, não cobria meu custo”. Caco começou sua carreira em televisão em 1981, na Rede Globo, depois de passar por IstoÉ e Veja. E já foi direto para o Jornal Nacional. Chegou com a cabeça de repórter de revista e teve dificuldade em se adaptar ao novo formato: “Não entendiam minha preocupação com o texto. Eu ficava dez horas numa frase. Diziam que texto é texto. Tinha vergonha de usar palavras inadequadas. Queria a palavra exata, mas fui me acostumando. Eu queria explicar as coisas e não contar o que todo mundo estava vendo”. Antes de entrar de vez no time do Jornal Nacional, porém, foi submetido a um “teste”: acompanhar a equipe do também jovem repórter Ernesto Paglia: “Era uma passeata do Lula. O pau quebrou, como sempre. Tinha pedra para todo o lado e eu lá no meio gravando”. Trinta e cinco anos depois de começar na Rede Globo, em 2006 Caco Barcellos tomou coragem e apresentou à cúpula da emissora o projeto de um programa, o Profissão: Repórter: “Todos os anos a Globo recebe no mínimo 50 projetos novos. A grade é muito disputada, mas a emissora é aberta. Aliás, é um dos lugares mais abertos do mundo. Entrei nessa barca”. Profissão: Repórter começou como um quadro do Fantástico, até ganhar vida própria, em 2008. O desafio é contar a história de uma reportagem em todos os ângulos e com a produção de jovens repórteres. Ao incluir na edição os momentos difíceis, os dilemas e os bastidores da notícia, o programa caiu nas graças do público. Numa reportagem sobre a reintegração de posse de uma ocupação do movimento Sem-Teto, uma repórter ficou abalada durante a madrugada. Caco estava com a tropa de choque da PM, outro repórter com a imprensa e ela com o grupo dentro do prédio. “No momento decisivo, ela entrou em crise ao ver as crianças no colo das mães. Achou que haveria um ato de extrema violência e começamos uma discussão maravilhosa. A convencemos de que precisava estar ali e que a única coisa que podíamos fazer era uma boa reportagem”. Pai de dois filhos e uma filha, Caco frustra o entrevistador ao dizer que não cultiva hábitos excêntricos fora da redação. Depois de afirmar que divide seu escasso tempo livre com os três filhos (dois ainda moram com ele no apartamento de Higienópolis), livros e o futebol (hoje joga como ala), define sua vida pessoal como “um tédio” e diz – modesto – que sua história particular jamais renderia um filme. Mas um livro, quem sabe…? Apesar da rotina alucinante do Profissão: Repórter – que exige manter a mala sempre pronta –, revela que está “muito lentamente” escrevendo um romance de não-ficção, onde pretende contar um pouco da carreira: “Será sobre um repórter alinhavando histórias, mas ainda falta muita apuração, especialmente no Rio Grande do Sul e em países europeus. Não sei dizer quando isso vai ficar pronto. Estou muito tomado pelo Profissão: Repórter”. O jeito, afirma, será usar as horas ociosas em aviões e hotéis para consolidar o material. Mas se confessa um consumidor voraz de livros de não-ficção. Está lendo atualmente John dos Passos – Brasil em movimento, obra do romancista que veio ao Brasil fazer matérias para a revista Life e que narra as incursões dele pelo País entre 1958 e 1962. Antes, leu 1961, o golpe derrotado – Luzes e sombras do Movimento da Legalidade, de Flávio Tavares. Ele não gosta de fazer balanços de carreira. Diz apenas que sempre foi ao limite, embora muitas vezes este fosse curto e imposto pelas circunstâncias: “Nunca planejei literalmente nada do que fiz. Não sei o que vou fazer amanhã. Aliás, nem agora, aqui, eu sei o que vou fazer. Estou na entressafra (do programa). Produzimos muito de janeiro até aqui e agora estamos editando”. Sua agenda, porém, conta há dois anos com um espaço cativo dedicado à fisioterapia, processo que começou depois da fatídica lesão relatada no começo deste texto. “E cuido da alimentação religiosamente. Estou treinando os músculos para continuar jogando.” Na hora da despedida, voltamos ao tema de sua não-carreira no futebol. “O futebol mundial perdeu um ídolo”, diz, antes de cair na risada.

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