Costábile Nicoletta, que hoje atua com sua própria empresa no desenvolvimento de produção e edição de conteúdo sob encomenda, e o filho Gustavo Nicoletta

Quando meu filho Gustavo Sterza Nicoletta decidiu ser jornalista, senti uma pontinha de orgulho. Não tive interferência em sua escolha, mas o caminho pelo qual optou me leva a crer que minha conduta profissional lhe tenha sido uma boa referência.

Ele ingressou na Cásper Líbero, em 2005, com uma das melhores colocações no vestibular. Em 2006, começou um estágio na Editora Lumière (revistas sobre iluminação e o setor de eletricidade). No fim desse ano, transferiu-se, também como estagiário, para a Ketchum, a fim de fazer assessoria de imprensa para a Viacom.

Nessa mesma época, eu trabalhava como editor adjunto do semanário Meio & Mensagem. Ele nunca me contou, mas fiquei sabendo por meio de uma profissional da Ketchum à época que Gustavo lhe pedira para não participar de pautas que eventualmente envolvessem um contato comigo, pois a Viacom atua na área de mídia, um dos assuntos de interesse do Meio & Mensagem.

Senti outra pontinha de orgulho. Mesmo nos primeiros passos da profissão, Gustavo demonstrou um cuidado ético do qual muitas vezes até alguns colegas veteranos parecem se esquecer. Sua passagem pelo mundo da comunicação corporativa, no entanto, foi efêmera. Pouquíssimo tempo depois de entrar na Ketchum, foi para a Reuters, onde tinha prestado um concurso e o chamaram para um estágio na editoria de commodities.

Ficou lá até meados de 2008, quando passou a trabalhar na mesa de notícias internacionais da Agência Estado, que publica informação em tempo real sobre economia, política e mercado financeiro. Em 2012, transferiu-se para a Agência CMA, também de notícias em tempo real para o mercado financeiro, primeiro como editor de notícias internacionais e depois como editor-chefe, cargo que exerceu até o final do ano passado, quando se mudou para a Agência TradeMap, divisão de notícias da plataforma de investimentos TradeMap, como coordenador de jornalismo. Aos 36 anos de idade, ele compartilha a seguir seus anseios e aflições sobre a profissão.

Por que você se decidiu pelo jornalismo?

Primeiro para satisfazer minha curiosidade. Eu queria entender como as coisas funcionavam e por que algumas delas funcionavam tão mal. Poderia ter feito isso em outras profissões, mas no jornalismo achei que teria ferramentas melhores para encontrar respostas e para divulgá-las. Vale lembrar que tomei essa decisão 20 anos atrás, quando a internet e as redes sociais eram muito menos presentes na vida das pessoas. Hoje talvez não seguisse o mesmo caminho. O outro motivo foi porque queria participar dos acontecimentos relevantes que viriam à frente − ainda que fosse apenas narrando.

Quais foram as suas principais referências no jornalismo?

Você e praticamente todas as pessoas com quem eu trabalhei, além do Jamil Chade, que sempre li, mas nunca conheci.

Quais as principais diferenças entre o jornalismo que você idealizava ao entrar na faculdade, ao dar os primeiros passos na profissão depois de formado e atualmente?

Quando comecei a faculdade, esperava o jornalismo que via nos filmes e vivenciava indiretamente ouvindo o que você me contava. Esse jornalismo era feito de movimento. Repórteres indo até as fontes, indo até os fatos. Ele ainda existe em algumas áreas e para alguns profissionais, mas na maioria das redações, hoje, o que se vê é o processo inverso: as fontes e os fatos vão até os jornalistas. Um jornalismo feito de inércia.

O resultado disso é que a profissão pode ser bem menos empolgante do que se imagina, principalmente para quem está começando. Vira um trabalho de escritório. Nenhum jornalista que conheci, seja na faculdade, seja nas redações, entrou nessa achando que ficaria oito horas olhando para a tela de um computador.

Qual sua avaliação acerca das transformações pelas quais a profissão vem passando nos últimos anos?

Eu estou do lado dos pessimistas. Jornalismo bem-feito é algo precioso, porque expõe o bom, o mau e o feio da sociedade de forma tão clara que provoca mudanças positivas. Tudo que é precioso, porém, tem um preço, e nem todo mundo consegue pagar. Num país como o Brasil, onde cerca de metade da população ganha pouco mais de um salário mínimo, notícia é um serviço caro.

Há assinaturas digitais com preço baixo − algumas a R$ 10 por mês, por exemplo −, mas isso implica que o leitor precisa ter um dispositivo eletrônico (como um celular) e acesso à internet, e que está disposto a gastar sua franquia de dados para consumir o trabalho dos jornalistas. Isso sem considerar questões financeiras, como o fato de que a maioria das pessoas de baixa renda está endividada e precisa contar com qualquer dinheiro que seja para sair desta situação.

Isso restringe o público do jornalismo às grandes capitais e às famílias de alta renda, e, consequentemente, descola o que é produzido pelos grandes veículos da realidade de boa parte da população. Quem não tem condição de pagar e não encontra algo útil nos jornais procura em outros lugares.

Há muitas empresas e organizações interessadas em aproveitar esse vácuo deixado pelo jornalismo para falar diretamente com o público. As eleições passam cada vez menos por debates eleitorais − onde em geral há intermediação de jornalistas − e cada vez mais por redes sociais, por exemplo. A imprensa sofre diretamente os efeitos disso: redações com menos jornalistas, troca de profissionais mais experientes por outros mais jovens, com salários menores.

Como você procura adaptar-se a essas transformações?

Tento entender como as coisas estão evoluindo e pensar no jornalismo como uma coisa maior do que apurar e publicar uma história. Hoje há vários meios de divulgar uma notícia, e há informações que interessam a muita gente, mas recebem pouca atenção. Tento encontrar esses caminhos. Sem público não tem jornalismo.

Que legado considera ter recebido da geração que atuava no jornalismo quando você começou na profissão e qual legado imagina deixar para a próxima geração?

A geração que já estava nas redações quando eu cheguei era muito técnica. Acho até hoje que tinham um texto melhor e mais bem acabado, e se esforçavam muito para não deixar o leitor na mão. A premissa era de que nosso trabalho era entregar respostas, e não dúvidas.

Esses valores são muito importantes até hoje, mas neste momento o que espero deixar de legado é o compromisso com os fatos. Isto é mais importante que qualquer outra coisa na profissão.

Qual a importância do jornalismo para a sociedade nos dias de hoje?

A de sempre. Separar o joio do trigo e entregar isso de bandeja para os leitores. Mas há cada vez menos gente para separar, e cada vez mais dúvida sobre o que é o joio.

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