(Ricardo Kotscho, colunista de política do UOL e titular do blog Balaio do Kotscho, e a filha, Mariana Kotscho)
Entrevistar filha jornalista multimídia 24 horas não é fácil. O maior problema foi ela encontrar um espaço na agenda.
Minha ideia era fazer um bate-papo, trocando ideias sobre a nossa profissão, mas só foi possível fazer esta entrevista por e-mail, um pingue-pongue, bem no dia do aniversário dela (1°/4), em cima do laço do deadline.
Meu bebezão já é uma jovem senhora: 49 anos, 30 de profissão. Nunca tive uma filha tão velha…
Ao ler as respostas, tive a certeza de que Mariana é mesmo uma prova da evolução da espécie.
Como ela consegue fazer tantas coisas ao mesmo tempo e ainda cuidar de três filhos adolescentes, Laura, Bebel e André?
Nas horas vagas, cuida também do pai e do marido, o doutor Rodrigo, jornalista e professor.
Mariana não parece ser uma só, mas são várias, em diferentes papéis, sem perder a ternura e a profunda consciência de cidadania.
Claro que sou suspeito pra falar, mas leiam a entrevista e vejam se não tenho razão de sentir muito orgulho desta minha primogênita.
Vida que segue. (R.K.)
Ricardo Kotscho − Como, quando e por quais motivos você decidiu ser jornalista? Em algum momento da carreira você se arrependeu da escolha?
Mariana Kotscho − Eu acho que sempre quis ser jornalista, desde criança. Convivia não só com você, mas com todos os seus amigos e amigas e ficava encantada com tantas histórias que eles contavam. Eu pensava que ser adulto e jornalista era algo muito bom, você conhecia pessoas, lugares, tinha muitas histórias para contar. Além disso, cresci nas redações dos jornais, nos corredores do sindicato. Me sinto jornalista desde criança, para mim era algo natural. Mas sempre quis trabalhar em televisão, até porque já tinha um pai com um nome muito forte, que tinha passado pelas redações dos principais impressos e eu precisava trilhar meu próprio caminho. E eu sentia que redação de jornal eu já conhecia – afinal, desde criança, para quantos plantões você me levou? −, então eu precisava de algo novo. Nunca me arrependi da escolha e nunca pensei em fazer outra coisa. Pior que essa paixão de família pela profissão já influenciou a nova geração e sua neta mais velha, minha filha Laura, segue agora pelo mesmo caminho. Sabemos que ser jornalista não é escolher uma profissão, é uma opção de vida.
Ricardo − Em mais de 30 anos de profissão, qual foi a decisão mais difícil que você tomou?
Mariana − Foram várias. Mas a mais difícil foi pedir demissão da Globo, no auge da minha carreira de repórter. Afinal, eu tinha três filhos bebês, os três nasceram em menos de quatro anos e a rotina de repórter de rua tornou-se incompatível com a de uma mãe de crianças pequenas. Vivi um dilema porque eu queria ser repórter e queria ser mãe. Mas, no fim, acabei juntando as duas coisas e criando o Papo de Mãe, programa de TV independente que ficou 12 anos no ar em TV aberta (TV Brasil e TV Cultura). E agora, com os filhos já adolescentes, voltei para a Globo, como jornalista especialista em relações familiares e questões de gênero. A prova de que o mundo dá voltas. Especializar-me no que dei o nome de “jornalismo materno” me abriu muitas portas e hoje sou também mentora de um curso da Universidade de Columbia para jornalistas da América Latina com o tema da cobertura da primeira infância.
Ricardo − Nesse meio tempo, qual foi a maior mudança que você notou na missão social do jornalista?
Mariana − Eu sempre acreditei no jornalismo com uma missão social: a de informar para ajudar a população, ou para denunciar, ou para ser a ponte para lutar por direitos. Não podemos nos calar e não podem nos calar. Sabemos que sem uma imprensa livre não existe democracia. Claro que, como em todas as profissões, há todos os tipos de profissionais. Mas procuro estar perto daqueles que pensam como eu, que amam esta profissão e acreditam que é possível fazer a diferença − nem que seja para melhorar a vida de uma única pessoa. Hoje, nossa maior missão é lutar contra fake news e pela liberdade de imprensa.
Ricardo − Se tivesse que começar de novo, você faria tudo igual? O que mudaria?
Mariana − Esta é sempre uma pergunta difícil. Porque, na verdade, nem tudo é a gente que faz, algumas coisas simplesmente acontecem. Por exemplo, eu nunca pensei em ser repórter da Globo no Ceará e quando veio o convite da emissora, aceitei na hora. Foi uma das experiências mais importantes da minha vida, não só profissionalmente, mas também pessoalmente. Ter a oportunidade de conhecer o sertão, de fazer todas aquelas reportagens, conhecer tanta gente que se tornou parte da minha vida foi um presente para mim. Na época, eu tinha também um convite de outra emissora para ir para Nova York e não me arrependo de ter escolhido o Ceará. Então, eu não mudaria nada não, tudo se torna experiência e aprendizado.
Ricardo − O que você sentiu quando tua filha Laura te falou que queria fazer Jornalismo? Orgulho, medo, alegria ou preocupação com o futuro dela?
Mariana − Laura é do tipo que também já nasceu jornalista. Sempre comunicativa, interessada, falante, contadora de histórias. Foi totalmente natural. E ela praticamente cresceu num estúdio de TV, pois no Papo de Mãe tinha um espaço para as crianças no cenário, então quem trabalhava na equipe ou ia participar do programa podia levar os filhos e eu sempre levei os meus. Os outros dois filhos, Isabel e André, também passaram a infância num estúdio, mas não se animam a fazer jornalismo. Acho que no caso da Laura deve ter também alguma questão genética, tá no DNA dela. Ia pro Papo de Mãe e já saía entrevistando as outras crianças. Então, sinto isso junto: orgulho, porque ela é talentosa; medo, porque nossa profissão está num momento difícil, sendo muito atacada e com um mercado de trabalho complicado; alegria, em ver o entusiasmo dela. E preocupação, sempre, porque isso faz parte do ser mãe.
Ricardo − Você começou em jornal de bairro, foi rádio-escuta, estagiária: esse ainda é o melhor caminho para se começar na profissão?
Mariana − Na verdade, na minha época não tinha estágio para jornalismo. Comecei aos 17 anos num jornal de bairro que na verdade nem me queria e me dispensou; mas teve uma enchente grande no meu bairro e eu fiz a matéria, fui lá “vender” para eles, gostaram e me contrataram. Durou três meses e o jornal faliu. Daí fui atrás do sonho de trabalhar em TV e uma amiga da faculdade estava no SBT. Ela me apresentou lá, pedi para acompanhar uns dias os profissionais e tinha uma vaga na rádio-escuta. Então, comecei na escuta, que para mim foi uma grande escola. Precisa começar sabendo que temos muito o que aprender. É melhor virar repórter já com alguma base.
Ricardo − Qual é o segredo para fazer uma boa entrevista? E para fazer entradas ao vivo?
Mariana − Para fazer uma boa entrevista, se você souber com antecedência com quem vai falar, é sempre bom pesquisar sobre a pessoa, ler sobre ela. Pensar em perguntas curtas que vão fazer a pessoa falar, afinal quem tem que aparecer é o entrevistado e não quem pergunta. Eu particularmente não gosto nada de conversar com o entrevistado antes de fazer a entrevista (ainda mais se for gravar para a TV), porque acho que perde toda a emoção da hora da entrevista. Sempre expliquei isso aos meus entrevistados no Papo de Mãe, porque eu só os conhecia no estúdio, na hora de começar a gravação. Se eu conversasse antes, perderia a graça, a espontaneidade, a emoção do momento. Para entrar ao vivo tem que ter um pouco de cara de pau mesmo, treino, respirar fundo e ir. Estar absolutamente por dentro do assunto, com informações, ajuda a ter segurança. Quando está ao vivo não dá para parar e pensar muito. Claro que na primeira vez que entrei ao vivo após uma vinheta de plantão da Globo meu coração deu uma disparada. Mas, tendo segurança do que você vai falar e sem parar para pensar que milhões estão te vendo, dá tudo certo, a voz sai e a mão não treme.
Ricardo − Como foi a experiência de trabalhar na TV Verdes Mares, afiliada da Globo no Ceará?
Mariana − Uma das melhores da minha vida. Eram as pautas mais interessantes, era conhecer o Brasil de verdade, o brasileiro de verdade. Além disso, a equipe da TV me recebeu com muito carinho e profissionalismo e tenho saudades até hoje daquela época. Aprendi muito sobre a vida e a profissão. Aprendi a pegar o carro de reportagem com a equipe e ir pro sertão com uma única pauta e voltar com várias matérias. Tive a honra de entrevistar Rachel de Queiroz na fazenda Não me Deixes, em Quixadá, os sertanejos que encaram a seca e a fome, os devotos do Padre Cícero e tantas outras reportagens. Era muito bom poder mostrar esse pedaço do Brasil em rede nacional.
Ricardo − Sente saudades do tempo em que produzia e apresentava o programa Papo de Mãe na TV?
Mariana − Sinto e vou sentir sempre. Sinto saudades de tudo o que já passou, mas quem me conhece sabe que estou sempre animada e empolgada com o presente e esperançosa pelo futuro. O que eu mais gostava do Papo de Mãe na TV era receber as famílias, ouvir suas histórias, entrevistar as crianças. Mas eu ainda posso fazer isso hoje no site Papo de Mãe, que é parceiro do UOL, e nas minhas participações no Bem Estar da TV Globo.
Ricardo − O que o advento das redes sociais mudou no teu trabalho?
Mariana − Tudo. No meu e no de todos os jornalistas, inclusive no seu, pai, que lá atrás virou blogueiro com o Balaio do Kotscho e hoje é um dos colunistas da internet de maior audiência do País. Não basta ser jornalista ou ter um programa de TV independente, é preciso estar nas redes. Mas eu ainda me sinto das “antigas” e prefiro estar sempre como jornalista do que como influencer. Não sou influencer e na verdade nem entendo muito bem disso. Sou uma jornalista, que está nas redes para também divulgar seu trabalho, opiniões, posições. Porque o jornalista pode ser neutro nas suas reportagens e ouvir todos os lados, mas ele precisa se posicionar sempre. Eu me posiciono contra o machismo, o racismo, a homofobia. Eu me posiciono no combate à violência doméstica. E não só me posiciono como jornalista, mas como ser humano. Rede social para mim também é trabalho e fonte de inspiração para escrever minhas reportagens no Papo de Mãe, minha coluna em Universa/UOL, meu quadro na TV ou minhas palestras. E eu criei uma rede muito interessante com as famílias e com especialistas que me mandam sugestões de pauta. Além disso, criei no Facebook um grupo que acolhe e orienta vítimas de violência doméstica que já atendeu quase seis mil mulheres. Então tem muita coisa positiva também nas redes sociais. Depende de como a gente usa.
Ricardo − Qual a importância da equipe no trabalho de um repórter de TV?
Mariana − Fundamental. Na TV, o trabalho só é realizado graças a um conjunto de pessoas e quem já trabalhou comigo sabe o quanto eu valorizo esse trabalho em equipe. E não só em TV, hoje tenho a equipe do Papo de Mãe na internet também. Equipe de TV é quem sai pra rua com você e também quem está nos bastidores na redação. Em TV são vários braços e cabeças trabalhando juntos, você nunca está sozinho.
Ricardo − Como conciliar a criação de três filhos com o teu atual trabalho de multimídia 24 horas?
Mariana − É colocando os filhos para trabalhar junto… (risos). Brincadeira, eu não exploro trabalho infantil, mas sempre fiz meus filhos estarem comigo e fazerem parte da minha vida profissional. Na verdade, as redes sociais, o WhatsApp, o home-office ajudaram muito no meu caso (não sei se ajudaram todas as mães). Mas, trabalhando assim eu posso estar muito presente na vida dos meus filhos, foi essa a opção que fiz lá atrás quando começou o Papo de Mãe: conciliar carreira e maternidade, podendo fazer meus horários e podendo ao mesmo tempo levar à escola, almoçar com eles, participar da rotina. Não que seja fácil. Muitas vezes meu horário de trabalho acabou sendo de madrugada, quando todos já estavam dormindo. Era quando eu conseguia olhar algum material, escrever um roteiro. Mas agora estão maiores, está mais fácil. Às vezes eles reclamam que não saio do computador, mas entendem.
Ricardo − Como você arruma tempo para fazer tantas coisas no trabalho e ainda ser uma atuante líder em defesa das mulheres?
Mariana − Tudo acontece junto, simultaneamente. Então, também com o meu trabalho eu tento ajudar as mulheres. Nem que seja com uma reportagem, uma entrevista, uma denúncia, a divulgação de uma manifestação. É tudo junto e misturado. Recebo muitos pedidos de ajuda e o meu jeito de ajudar pode ser divulgando uma situação, como quando chegou até mim o vídeo de um juiz que tinha humilhado numa audiência uma vítima de violência doméstica.
Ricardo − Qual foi o momento em que você se sentiu mais realizada no trabalho? E o momento mais difícil?
Mariana − Os momentos mais difíceis sempre foram as coberturas de tragédias, como acidentes de avião, desabamentos, explosões. Entrevistar mães que perderam seus filhos também é muito difícil e dói na alma da gente. Ser agredida fazendo reportagem ou ver colegas sendo agredidos ou jornalistas sendo desrespeitados também é muito cruel. Posso parecer Poliana, mas sempre estive realizada com o meu trabalho, o que não quer dizer que tenha sido sempre fácil. Há altos e baixos na carreira, mas eu sempre quis ser repórter de TV e alcancei esse objetivo aos 21 anos, quando fui efetivada, na época na Record. Aos 23 fui a primeira repórter contratada da GloboNews em SP, quando a emissora nem tinha entrado no ar ainda. Amo trabalhar em TV e mesmo com todas essas novidades acredito que a TV nunca vá deixar de existir. São 30 anos de TV, o tempo realmente passa…
Ricardo − Se não fosse jornalista, o que você gostaria de ser?
Mariana − Fiquei pensando, pensando, pensando e não achei uma resposta. Talvez psicanalista, para continuar ouvindo as pessoas.