(Ancelmo Gois, colunista de O Globo, e o filho, Antonio Gois*)
Ser filho de jornalista me fez guardar com mais intensidade algumas memórias de criança relacionadas a fatos históricos. Por exemplo, tinha apenas dez anos de idade, mas lembro relativamente bem do dia da morte de Tancredo Neves, em 21 de abril de 1985, quando o telefone tocou em casa e meu pai teve que voltar à redação num domingo à noite. Em 1º de janeiro de 1989, estávamos em férias, na primeira viagem internacional da família. A principal preocupação de meu pai, porém, não era nos guiar pelos brinquedos da Disney, mas, sim, achar um telefone público para entrar em contato com a redação do JB e saber como estava a cobertura do naufrágio do Bateau Mouche.
Relatos como esses, tão comuns entre aqueles que têm pais ou mães na profissão, poderiam gerar desencanto com um ofício que interfere tanto em momentos de descanso ou lazer em família. No meu caso, o efeito foi oposto. Apesar de ele nunca me ter sugerido que escolhesse o jornalismo, acabei contaminado pelo seu entusiasmo.
Comecei a trabalhar em 1996, mas sou dos poucos de minha geração que frequentou redações nos tempos das máquinas de escrever. Por vários domingos, ao final dos 1980 e início dos 1990, o programa mais comum era acompanhar meu pai em plantões do Informe JB. As horas eram preenchidas por visitas à Fotografia (o momento mais aguardado era a chegada das primeiras fotos dos jogos de futebol), aos estúdios de rádio e à lanchonete do sétimo andar do edifício da Avenida Brasil, 500.
De tanto frequentar redações, meu pai conta que, certa vez, um colega advertiu-o de que eu acabaria virando jornalista, e melhor seria me levar ao aeroporto para, quem sabe, ser piloto da Varig no futuro. Era tarde demais. Mesmo tendo vivenciado inúmeras crises na profissão, em nada me arrependo. Sem contar que a Varig foi à falência.
Contrário ao discurso saudosista de que não se faz mais bom jornalismo como antigamente, nas inúmeras trocas que tivemos ao longo do tempo sobre a profissão, um dos argumentos que meu pai mais repete, até hoje, é o de que as novas gerações chegam às redações mais bem preparadas. Não apenas sigo concordando, como acrescento que os jovens que hoje se formam nas faculdades de Jornalismo trazem uma vantagem que nem a geração de meu pai, nem a minha, teve: maior diversidade de olhares e trajetórias de vida, fruto do processo – ainda inconcluso – de democratização do acesso ao ensino superior nas duas últimas décadas.
Fazer jornalismo em tempos de desinformação e crise dos meios tradicionais de comunicação traz desafios novos. A curiosidade e a persistência na busca de informações seguem sendo as características mais importantes de um bom jornalista. Mas a elas soma-se também a capacidade de entender mais sobre o assunto que cobre. Isso exige ampliação de repertório, de modo a conhecer a história, as estatísticas e a literatura acadêmica de sua área de especialização. As boas histórias, de preferência exclusivas, seguem sendo o principal atrativo, mas é ainda mais essencial nos dias de hoje a responsabilidade em contextualizá-las devidamente num mundo em que todos têm acesso fácil à informação de baixa qualidade.
No entanto, o conselho profissional mais válido que recebi de meu pai é o de que todos − do porteiro ao presidente, da secretária ao executivo, do faxineiro à juíza – têm uma história relevante para contar, e é importante saber ouvi-la. Pensando bem, é também uma lição de vida.
(*) Antônio Gois é colunista de educação de O Globo e fundador e primeiro presidente da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação). Cobre o tema desde 1996. É autor dos livros Quatro Décadas de Gestão Educacional no Brasil, com depoimentos de ex-ministros da Educação desde o governo Figueiredo, e Líderes na Escola: o que fazem bons diretores e diretoras, e como os melhores sistemas educacionais do mundo os selecionam, formam e apoiam. Foi bolsista dos programas Knight Wallace Fellows, na Universidade de Michigan, e da Spencer Education Journalism Fellowship, na Universidade de Columbia. É vencedor dos prêmios Esso, Embratel, Folha, Undime e Andifes, sempre com reportagens sobre educação. Trabalhou nos veículos O Dia, Folha de S.Paulo, O Globo, CBN e Canal Futura.