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terça-feira, novembro 26, 2024

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Fred Carvalho e o desafio de transformar ?vilões? em ?mocinhos?

Quando assumiu a Diretoria de Relações Institucionais da Anfavea, em abril passado, Fred Carvalho prometeu dar uma entrevista mais aprofundada ao Portal dos Jornalistas sobre os novos desafios que enfrentaria em seu novo posto. O único pedido foi para que essa conversa ocorresse após um período no cargo, “uns seis meses”, que segundo ele seriam necessários para analisar as necessidades da entidade e do setor, e colocar em prática as primeiras iniciativas da nova gestão. Coincidências à parte, e após algumas mudanças na data combinada, ele nos recebeu em 23/10, exatamente o dia em que completou seu sexto mês no cargo, para uma conversa sobre, entre outros assuntos, os desafios de acabar com o rótulo de vilão que os automóveis e a indústria automobilística recebem no Brasil e suas motivações para mudar de ares após 21 anos à frente da AutoData, onde além de sócio era diretor e editor. Portal dos Jornalistas – Qual foi sua principal motivação para aceitar este novo desafio? Fred Carvalho – Meu “namoro” com o presidente Luiz Moan para assumir esse posto começou uns quatro meses antes da posse da nova diretoria, em abril passado. Foram várias reuniões e conversas em que ele mostrou tudo o que queria implantar em sua gestão. Não era uma decisão fácil, até porque eu estava em um negócio consolidado e com minha rotina estabelecida, mas aceitei porque achei um desafio muito importante. Hoje trabalho muito mais do que na AutoData, nunca tenho horário para chegar em casa, mas sei que é por algo em que acredito e que deverá trazer ótimos resultados para o setor. É o tipo de desafio que você só aceita quando é muito jovem e pode arriscar, ou é muito velho e já está com sua vida definida, filhos criados e contas em dia. Portal dos Jornalistas – Quais desafios lhe foram colocados? Fred – Acho que nossa principal luta é a de tirar do automóvel a imagem de vilão que ele ganhou nos últimos anos. Hoje ele é injustamente acusado pelas mortes no trânsito, pelos problemas de mobilidade nas grandes cidades, pela poluição que gera, mas o que as pessoas precisam entender é que não é ele o grande culpado. Se o camarada bebe, corre, é imprudente, bate e morre, o culpado não é o carro, o culpado é quem dirige. Ou então, se um cara atropela e mata nove, como aconteceu recentemente, a primeira coisa que é citada é a marca e o modelo do automóvel. O automóvel está evoluindo muito e ficando cada vez mais moderno e seguro; então, o que precisamos agora é fazer evoluir a cabeça das pessoas para que elas entendam que esse produto não é um brinquedo. É, sim. um objeto de desejo e de paixão, mas que deve ser usado com responsabilidade. Outra crítica recorrente é em relação à mobilidade. Mas hoje a média no Brasil é de 5,7 habitantes por automóvel, e em São Paulo, que sofre muito com problemas de congestionamento, esse número é de 1,9. Já na Europa, onde a fluidez no tráfego é infinitamente melhor, esse índice cai para 1,6. E por que isso? Lá, a maioria das cidades foi planejada para que o morador possa utilizar seu carro num curto trajeto, até uma estação onde ele tem vaga para estacionar, e então pegar um trem, um ônibus, um metrô. Isso quase não existe aqui. Além do mais, sempre faltou investimento nos transportes públicos. Então, o automóvel acaba pagando a conta de um planejamento que não foi adequado para as metrópoles nas últimas décadas. Portal dos Jornalistas – Qual o papel da imprensa nessa transformação? Fred – Muitos jornalistas precisam ter mais consciência do peso das notícias que publicam. Infelizmente, tem gente que acha que jornalismo é dar notícia negativa. Ao informar que a produção nacional está subindo 12% ou 13%, o camarada prefere ressaltar que isso representou uma queda de 0,1% em relação ao ano anterior – que, por acaso, foi recorde. Infelizmente, o leitor não entende essa diferença, e fica com a notícia ruim na mente. Quando tenho uma realidade com uma diferença tão grande como essa nos dados, desculpe, mas a grande notícia é o crescimento. Não são números nem próximos, mas parece que às vezes o jornalista tem medo de sair com a notícia positiva e ser chamado de “Xuxa”, de só ver o mundo cor de rosa. Portal dos Jornalistas – Quais iniciativas vocês pretendem adotar para mudar essa imagem? Fred – O presidente Luiz Moan vem sistematicamente, em cada uma das coletivas, mostrando aspectos diferentes dos habituais. Ressaltando pontos que possam de alguma forma contribuir para a criação de uma nova visão, como, por exemplo, falando sobre Mobilidade Urbana Inteligente, incentivando debates sobre quais os melhores modelos para aprimorar aspectos ligados à indústria automotiva. Esse tipo de iniciativa, mesmo que indiretamente, ajuda a reduzir a imagem do automóvel como grande vilão. É uma questão de ter consciência de que existem soluções e a Anfavea vai trabalhar em cima disso, mostrando gradativamente para os formadores de opinião quais ações podem ser benéficas para o setor. Então a estratégia mais importante que estamos adotando nesse momento é a conversa, o contato direto com os jornalistas. O presidente tem ido às principais redações, está visitando rádios, tevês, revistas, jornais, e recebendo jornalistas aqui na sede da entidade para bate-papos informais, onde podemos explicar coisas que muitas vezes eles desconhecem e mostrar novos pontos de vista. A ideia básica é simples: esclarecer. Não queremos que o crítico mude de opinião. Ele pode continuar sendo crítico, mas queremos que pelo menos entenda como as coisas funcionam e que o automóvel não é necessariamente esse vilão todo que estão criando. O melhor brinde que um jornalista pode ganhar é a boa informação, e é isso que queremos passar para ele. Com isso, ao mesmo tempo em que construímos uma imagem nova, desconstruímos uma antiga que não está adequada. É como consertar o avião em pleno voo. Portal dos Jornalistas – E como tem sido essa aproximação? Como é lidar com tantos veículos independentes que têm surgido no mercado? Fred – Lidar com a mídia tradicional, como revistas, jornais e televisão, é mais tranquilo. Por mais que sejam veículos diferentes, com características próprias, o comportamento é padrão. É claro que existem profissionais que dão diferentes ênfases às reportagens, mas em geral são comportamentos parecidos e que seguem um modelo. Infelizmente, muitas vezes, essa não é a abordagem das novas mídias eletrônicas, em que muitos não são jornalistas, não têm formação, mas têm lá um site ou blog que movimenta milhões de pessoas, frequentemente sem a menor consciência da confusão que armam com uma notícia que publicam e que nem sempre é correta. Como eles não têm experiência no trato da informação, sem respeitar todos seus processos apuração, acabam publicando fatos que não são verdadeiros, como o do rato dentro da garrafa da Coca-Cola. Em geral, são mais radicais, mais explosivos e mais taxativos, com reações desproporcionais. E quando a gente tenta corrigir alguma coisa, não raro é como se declarássemos guerra, porque contrariamos posturas e a verdade de cada um. É um nível de agressão absurdo, que em geral não ocorre, ou não deveria ocorrer, entre jornalistas, até porque a maior parte sabe do impacto que uma notícia errada tem sobre o público. Ao mesmo tempo em que preciso lidar com a imprensa tradicional, que conheço há 44 anos, tenho que encontrar a melhor forma de falar também com esses novos veículos. Saber contornar tudo isso é um desafio extremamente delicado, mas profundamente instigante, revolucionário, mas ao mesmo tempo superficial, porque tudo é muito curto e muito rápido. Portal dos Jornalistas – Nesses seis primeiros meses já foi possível perceber algum resultado? Fred – Sim, já temos resultados bem palpáveis. Podemos perceber que de alguma forma a maneira dos profissionais enxergarem o setor está começando a mudar. Novas pautas têm surgido e os profissionais têm-se preocupado mais com questões como renovação de frota, conscientização do condutor, melhores formas de utilizar o automóvel. Portal dos Jornalistas – Recentemente Marcus Brier (Peugeot) e Marcos Brito (MAN) foram nomeados, respectivamente, coordenador e a vice-coordenador de Comunicação Social da Anfavea. Qual a importância dessa escolha para o seu trabalho? Fred – A escolha de um representante da área de automóveis e um de caminhões foi proposital para auxiliar na comunicação com esses dois setores. Infelizmente, a área de maquinário agrícola não tem tanta representação, apesar de ser um mercado riquíssimo, em que o Brasil é muito avançado. Mas o principal papel deles é para que as ideias e iniciativas girem mais rápido entre as associadas e que surjam novas iniciativas, sem se limitarem às organizações dos pools de imprensa e de feiras. Essa área é extremamente importante para discutir estratégias e descobrir formas de corrigir alguns problemas do setor. É papel dessa comissão definir também quais veículos participam ou não dos pools. Portal dos Jornalistas – E como fazer essa distinção sem criar problemas com determinados veículos? Fred – É simples: quem atua apenas na reprodução de releases não é convidado, até porque isso não é jornalismo. Para as mídias tradicionais a seleção é mais simples; já para as digitais, geralmente é convidado quem integra um grande portal. São iniciativas caras e as empresas precisam de um retorno, a matemática é simples. Portal dos Jornalistas – Uma reclamação constante entre jornalistas que nos escrevem é sobre a falta de uma agenda mais organizada de lançamentos. Há alguma solução para esse tipo de problema? Fred – Infelizmente, não. E veja que nós temos uma agenda anual aqui; inclusive, a de 2014 já está sendo preparada, mas é impossível seguir à risca. Temos 28 marcas associadas, a grande maioria de automóveis e caminhões. Em automóveis temos um volume de marcas e modelos fantástico, com 75% das que produzem no mundo representadas no Brasil, e até o final do ano que vem provavelmente chegaremos ao patamar de 82%. É assustador, em nenhum outro país existe tamanha competitividade. Talvez apenas na China, porque o regime é totalmente diferente. Mas nos países com processos e regimes mais conhecidos, o Brasil é recordista em número de marcas e modelos. Temos hoje 2.069 modelos e versões comercializadas no mercado brasileiro, de 62 marcas. Então não é fácil cumprir a agenda, e aqui na Anfavea nós ficamos malucos. Temos um registro para todos incluírem suas datas de lançamento, mas é óbvio que só dos associados da entidade temos como conseguir o respeito a essa agenda. Não podemos cobrar respeito pelo importador independente. Tentamos controlar, mas com 28 marcas é praticamente impossível. Ainda assim, é bem melhor do que poderia ser se não existisse nosso calendário. Resumindo, não há como cobrir tudo e isso é inerente a uma indústria que a todo momento está montando fábrica, lançando modelos, trazendo novas marcas. Você tem marca que lançou nove modelos em dois anos. Nunca foi tão corrido trabalhar nesse segmento. Nunca houve tanta novidade ao mesmo tempo e o jornalista desse segmento tem trabalho 24 horas por dia se quiser. Aqui trabalhamos a média de 12 a 13 horas por dia. O que ajuda é que quem auta nessa área é extremamente apaixonado. Portal dos Jornalistas – Mas essa paixão também pode não ser benéfica para o setor de alguma forma? Fred – Sim. Hoje há muita gente que desde criança é apaixonada por carro, por corrida, que diz que quer ser piloto quando crescer. Aí cresce, vê que não tem pai rico, começa a pensar em outras formas de trabalhar e estar perto desse segmento. Vai fazer jornalismo, monta um blog, e de repente consegue estar perto desse monte de carros. Isso por um lado é bom, porque temos uma imprensa extremamente apaixonada por automóvel, mas, em compensação, quem é que vai escrever sobre caminhão, sobre transporte urbano, sobre ônibus, sobre maquinário agrícola? Não aparece ninguém e os jornalistas mais antigos não estão desaparecendo apenas porque morrem, mas também porque essa área vem perdendo profissionais. O camarada vai trabalhar numa assessoria de imprensa, muda de área, abre um boteco, e quando você olha para baixo não encontra molecada nova com “diesel nas veias”. Portal dos Jornalistas – Há alguma iniciativa prevista para esse pessoal mais novo? Fred – Precisamos reforçar o treinamento. Não como uma nova formação, apenas fazer com que eles participem de um ciclo de conhecimento em que tenham a oportunidade de receber informações sobre o setor, que muitas vezes não têm. É importante explicar os novos projetos que estão surgindo, seus impactos na indústria, falar sobre transporte, mecanização agrícola, aspectos de sustentabilidade, impostos. Informações que eles muitas vezes não sabem que são importantes para o segmento automotivo. Portal dos Jornalistas – E para o pessoal que foi pioneiro no setor, alguma iniciativa prevista? Fred – Estamos conversando, sim, sobre um projeto, sobre o qual ainda não posso dar muitos detalhes, mas em que de alguma forma poríamos os jornalistas mais experientes para contar as histórias do setor. Isso dá uma baita repercussão. É só tomar como base o lançamento do livro do Eduardo Pincigher. Mas nossa preocupação não é com a repercussão que isso daria, e sim pegar essas pessoas que saíram lá do “fusquinha” e chegaram até esses produtos mais avançados como os de hoje, e falem sobre sua relação com o automóvel. Estamos perdendo muita coisa boa, um material muito rico com a visão de profissionais que acompanharam a evolução da indústria automotiva brasileira. Da mesma maneira, seria importante recuperar a imagem dos principais líderes que este setor teve, e alguns até já foram embora e não registramos. O tempo é cruel, ele mata mesmo, e a gente precisa começar a correr para recuperar essa história. Portal dos Jornalistas – Para finalizar, poderia citar algumas estratégias que deverão ser adotadas nos próximos meses? Fred – Além da equipe que já estava aqui, e dos reforços do Vinícius Romero e da Raquel Mozardo, pretendemos trazer mais duas pessoas para formar um grupo de processamento de informações e atendimento à imprensa bastante competente. Precisamos que os jornalistas tenham sempre em tempo real as informações de que necessitam, e não apenas para os da área automotiva, mas da imprensa em geral. A indústria automotiva é muito forte, emprega muita gente e arrecada muitos impostos. Por isso e por outros aspectos, como a paixão que boa parte dos brasileiros ainda tem por carro, nosso segmento é um grande gerador de notícias. Se você falar que fechou uma fábrica de monitores de televisão em São José dos Campos, em que foram demitidas mais de 2,5 mil pessoas – e esse fato é real –, dá rodapé de página em jornal; mas se você falar que uma montadora demitiu 150, sai no Jornal Nacional. A gente precisa estar aqui 24 horas por dia com uma equipe muito bem preparada para atender, porque toda hora temos demanda. Dólar subiu, dólar caiu, aumento de impostos, preço do combustível, etc., tudo tem reflexo na indústria automotiva. É um negócio que dá paixão, que dá Ibope. Mexeu com esse segmento, todo mundo presta atenção e cada vez mais precisarei ter uma equipe bem treinada, especializada e transparente para passar para a imprensa essas informações. Nossa função básica será sempre a de resgatar os valores da relação do setor automotivo com a sociedade, e do cidadão com o seu veículo.

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