A partir desta semana, publicaremos neste espaço, em sequência, quatro textos de Nora Gonzalez sobre Matías Molina, extraídos, com a permissão dela, do livro Matías M. ? O ofício da informação . Ex-editor-chefe da Gazeta Mercantil, Molina completou 75 anos no final de julho e, para homenageá-lo, seu filho caçula e também jornalista Maurício Martínez fez as vezes de editor e convidou no ano passado 28 profissionais que conviveram com o pai em algum momento de sua vida a escrever um capítulo sobre como era o chefe. Nora ([email protected]), PR Manager Latin America da Fico, foi um desses autores. Para essa republicação, ela fez algumas contextualizações. Os títulos são de J&Cia. O placar virou uma vez Quando fui convidada a participar do livro em homenagem aos 75 anos de Matías Molina, não pensei duas vezes. Na verdade, não pensei nem uma e disse sim de imediato. Era um dia muito feliz para mim. Acabara de completar um ano num novo emprego e recebera flores do meu chefe, que mora na Inglaterra, com um lindo cartão pela ocasião. Justamente ele, sempre ultraocupado, lembrou-se disso. Nem eu sabia o motivo das flores, mas no cruel mundo corporativo em que vivemos pequenos gestos como esse valem pelas horas extras que dedicamos ao trabalho. Assim, o convite para falar sobre o Molina só fez meu dia ainda mais feliz. Mas depois de uma jornada de mundo real, problemas, trabalho, enfim, como todos, à noite caiu a ficha. O que dizer sobre o Molina? As bases me foram claramente explicadas: não é para lembrar apenas das coisas boas. Realismo era um ponto de honra desta incumbência. Bom, isto posto, como fazer isso? Logo eu, que sempre fui definida pelo Klaus Kleber como ?molinete?. Se ele, que fora diretor da Gazeta Mercantil durante tantos anos e com quem tive o prazer de trabalhar durante 12 anos, via isso, como não transparecer isso? Ou seja, para que fique bem claro, sou ?molinete?, sim, defensora do Molina e cria dele. Afinal, fui trabalhar para a Gazeta com uns quatro anos de formada e devo grande parte do que sou a ele, que foi meu chefe direto durante minha primeira passagem de sete anos pelo jornal e no meu retorno, mesmo que indiretamente, por mais cinco. E a quem nunca deixei de pedir conselhos e dicas. Mas ser ?molinete? também tinha lá seus inconvenientes, da mesma forma que para todos os outros. O fato de eu sentir orgulho de trabalhar com ele não representava nenhuma benesse, a não ser para meu ego e, como percebi com o passar dos anos, para meu currículo. Mas ele nunca aliviou para ninguém. Ao contrário. Nos primeiros anos lá na Major Quedinho, minha mesa era próxima da sala dele e depois passou a ser quase na porta, entre a sala dele e o banheiro. Cansei de ver gente saindo da sala dele e entrando diretamente no banheiro para chorar. Eu mesma fiz isso uma vez, mas me orgulho em dizer que não chorei na frente dele. Não, isso seria demais para mim. Meu orgulho não permitia, mas desabei logo depois. Justo eu, que sou uma rocha para esse tipo de coisa. Mas as cobranças eram duras ? porém justas. Assim, ficava mais difícil não engolir em seco. Era pedir desculpas, jurar que nunca mais aconteceria, e ir direto ao banheiro chorar na frente do espelho. Honestamente, até hoje tenho a lembrança de sentimentos misturados em relação às broncas. Se por um lado sempre tive dificuldades em aceitar que todos cometemos erros, por outro a sensação de ?p…, não é que ele tem razão??, se misturava. Como ele via essas coisas e eu deixava passar? Duas vezes me armei de coragem e contestei alegações dele. Numa, ele acabou com meus argumentos com outros absolutamente corretos que eu ignorava e cujas implicações e motivos ocultos não havia visto. Na outra, ele me deu razão. Aleluia! O placar virava de 570 a 1. Vitória de Pirro, porém vitória para mim. E ele não se deixa convencer facilmente. Você precisava batalhar e argumentar duramente para isso. Não adianta usar táticas de cansar o adversário, confundir, driblar, nada. É apenas lógica e conhecimento. Até hoje lembro dos detalhes. Claro, foi a única vez que meus argumentos o demoveram da sua ideia. Já do outro lado, quantas vezes tive de refazer um título ou uma frase! Fazia eu um trabalho de conclusão de curso que a Gazeta havia promovido sobre Economia para Jornalistas que durou praticamente um ano. Meu orientador começou sendo o Sidney Basile e, por motivos de viagem, passou a ser o Molina. Insisti na minha complicada tese sobre a crise do petróleo de 1973 e seus efeitos nos balanços de pagamento sobre três ou quatro países e … ganhei! Tema espinhoso, complicado, envolvia política internacional, boa memória e, para azar meu, o Molina também entende pra caramba de petróleo. Se tivesse pensado melhor, ou se tivesse imaginado que ele acabaria sendo meu orientador, teria escolhido outro assunto. Porque não algo como ?A influência de Chapeuzinho Vermelho na segurança dos parques públicos?? Mas não, eu tinha de complicar as coisas. É obvio que me lembro de somente essa vitória porque não houve outras. As demais tive de reconhecer que ele tinha razão e reescrever textos ou títulos que, invariavelmente, após as considerações dele, ficavam melhores. Em minha defesa, quero esclarecer que não foram tantos assim, mas em compensação o aprendizado era constante.