Texto publicado originalmente em 11/9/2022 pela IJNet

Por Raul Galhardi

Desde o início do governo de Jair Bolsonaro o trabalho da imprensa tornou-se ainda mais difícil devido ao clima de hostilidade contra os profissionais do meio estimulado pelo próprio presidente. Ameaças e agressões, tanto físicas quanto verbais, tornaram-se rotina de parte dos jornalistas, principalmente daqueles responsáveis pela cobertura política.

Um desses ataques ocorreu com o veículo Congresso em Foco no dia quatro de junho deste ano. O site publicou reportagem mostrando a organização no 1500chan, o maior fórum anônimo da internet brasileira, de um esquema de produção de fake news cujo objetivo era favorecer a reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

Ao ser publicada a matéria, começaram a ser postadas, no mesmo fórum, ameaças de morte contra o seu autor, o repórter Lucas Neiva. Em seguida, ameaças ainda mais violentas foram feitas, no 1500chan e por e-mail, contra a editora Vanessa Lippelt que, dias antes, havia relatado em reportagem as atividades de uma escola paramilitar destinada a crianças a partir de cinco anos de idade. Outras ameaças se seguiram, estendendo-se a familiares dos jornalistas. Além disso, o veículo sofreu sucessivos ataques hackers que chegaram a torná-lo inacessível.

“Isso tudo nos obrigou a tomar uma série de providências. Fomos atrás de especialistas em segurança digital e advogados, entramos com uma queixa crime na polícia civil e alguns parlamentares encaminharam ofício relatando o fato para o STF”, relata Sylvio Costa, fundador do Congresso em Foco. Em face desses acontecimentos, foi criada a campanha “SOS Congresso em Foco”, que pretende arrecadar recursos para arcar com os custos da assessoria jurídica e garantir a saúde mental e a segurança física, digital e patrimonial da equipe.

Mentira tem preço

A jornalista Thais Lazzeri, fundadora da FALA – histórias para não esquecer, produtora de conteúdo em direitos humanos, meio ambiente e democracia, também tem sido alvo de ataques motivados por razões políticas e ideológicas. “As agressões já vinham ocorrendo há três anos, mas se intensificaram em 2021 com o início do projeto ‘Amazonas: mentira tem preço’”. A iniciativa, criada em parceria com o InfoAmazonia,realiza investigações jornalísticas a partir do mapeamento e monitoramento de redes de desinformação no Brasil com recortes socioambientais.

Lazzeri conta que tem sido sistematicamente exposta em grupos e redes sociais tanto por perfis aparentemente reais quanto por anônimos e inclusive por pessoas públicas, como políticos e influenciadores digitais. De um ano para cá, ela percebeu que as agressões têm se intensificado com ameaças, veladas ou diretas.

“A primeira onda de ataques procurava desqualificar nosso trabalho jornalístico. A segunda escalada de violência já teve palavrões, principalmente direcionados às mulheres da equipe. Em 2021 começaram os ataques mais pesados com ameaças veladas, processos e fotomontagens. Falaram em um deles que eu deveria contratar um ‘segurança pessoal’”.

Medidas de segurança

Para se protegerem, as equipes dos veículos adotaram uma série de medidas de segurança. Consultas a advogados; a adoção de dupla confirmação no acesso a e-mails e redes sociais, bem como a mudança constante das suas senhas; o uso de e-mails criptografados, como o ProtonMail; e cancelamento de postagens pessoais em canais públicos são algumas das ações adotadas.

“Uma das recomendações que tivemos foi de dar visibilidade aos fatos porque isso, além de servir para a nossa proteção, contribui para o esclarecimento deles. Iniciamos também um programa de saúde mental para a nossa equipe porque as pessoas ficaram muito tensas, preocupadas e assustadas”, diz Costa.

“Em 2021, contratamos seguro para toda a equipe e adotamos uma série de recomendações de segurança, entre elas o uso de apps para gerar senhas e a criptografia de discos rígidos dos computadores com o uso do FileVault (recurso de segurança presente no Mac OS X)”, afirma Lazzeri.

2018 e 2022

Em relação ao clima político das eleições deste ano, os jornalistas não são otimistas. ”Eu acho que está muito pior agora do que em 2018. Você tem o presidente da República e vários setores falando claramente em desrespeito ao processo eleitoral. Houve várias manifestações de Bolsonaro e de seus seguidores contra a ordem constitucional e pedindo o fechamento do Congresso, do STF, a prisão de jornalistas e o cancelamento de concessões de rádio e TVs que não fazem o que eles querem”, analisa o fundador do Congresso em Foco.

Costa lembra ainda das mortes ocorridas por motivos políticos, como a de Marcelo Aloizio de Arruda, guarda municipal e tesoureiro do PT de Foz de Iguaçu, e do capoeirista Romualdo Rosário da Costa, conhecido como Moa do Katendê, na Bahia. “Vivemos um estado de violência política implantado pela facção política que está no poder, que tem uma intenção declarada de romper o pacto constitucional de 88 e implantar um regime autoritário no Brasil”.

Para Lazzeri, as hostilidades contra jornalistas continuarão neste período eleitoral e após as eleições. “O que estamos vivendo neste segundo semestre é um clima muito hostil para os profissionais de imprensa, já que o presidente constantemente questiona o trabalho jornalístico. Independentemente do resultado das eleições, porém, a imprensa continuará como alvo. Será um processo longo até que isso mude”.

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