Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

O confronto entre a Rússia e a Ucrânia deve deixar muitas sequelas. Entre as “vítimas” podem estar cidadãos e empresas russas que nada têm a ver com a guerra e nem sequer a apoiam.

Animosidade em relação a populações inteiras faz parte da história dos conflitos ou de situações negativas envolvendo um país. Exemplo recente é o dos asiáticos, rejeitados e até agredidos no auge da pandemia.

A situação da Rússia é mais grave, pois há uma mobilização planetária contra a nação, composta por sanções econômicas, políticas e uma cascata de “cancelamentos” de russos da vida esportiva e cultural.

Isso não aconteceu na Covid, e mesmo assim chineses foram discriminados.

Em algumas nações, a distinção entre cidadãos russos e governo russo pode ser ainda mais difícil. É o caso do Reino Unido, pois o sentimento contrário a pessoas do país vem de longe.

A “invasão” de Londres nas duas últimas décadas por oligarcas russos acusados de corrupção, tolerada pelo governo apesar de críticas, é algo que muitos britânicos não engolem. Um das razões é o Brexit. Vários empresários ligados a Putin investiram formalmente na campanha a favor da saída da União Europeia, enfurecendo os que eram contrários. E o país foi acusado de realizar uma operação de desinformação que pode ter afetado a opinião pública a votar pela separação, bandeira do primeiro-ministro Boris Johnson.

Outro desconforto foi a entrada fácil de dinheiro para comprar propriedades, clubes de futebol, empresas e até organizações de mídia. Um dos principais jornais do país, o Evening Standard, é de propriedade de Evgeny Lebedev, filho de um ex-oficial da KGB. Ele também é dono do The Independent e da emissora London Live.

Imagem desgastada da Rússia pode provocar discriminação contra russos inocentes
Evgeny Lebedev

Em 2020, o primeiro-ministro Boris Johnson foi recriminado por nomeá-lo para a Câmara dos Lordes, cargo vitalício concedido a figuras eminentes da vida britânica.

O empresário não é tão conhecido como seu conterrâneo Roman Abramovich, dono do Chelsea, um alvo mais fácil.

Tão logo começou o conflito ele anunciou a transferência do comando do clube para a fundação beneficente… do próprio clube, o que não muda muita coisa.

Nessa terça-feira (1°/3), um parlamentar denunciou no plenário que Abramovich estaria tentando se livrar dos ativos em solo britânico − incluindo uma mansão avaliada em £ 150 milhões e o próprio Chelsea − antes de ser vítima de sanções.

Imagem desgastada da Rússia pode provocar discriminação contra russos inocentes
Roman Abramovich

Ele foi mais um a criticar o governo de Boris Johnson pela relutância em impor sanções a alguns dos grandes oligarcas, como a União Europeia já fez.

Essa demora trouxe ainda mais desgaste para a imagem do primeiro-ministro, que já vem administrando diversas crises.

Uma cena exaustivamente repetida em TVs e redes sociais foi a de uma ativista ucraniana que desafiou Boris Johnson em uma coletiva de imprensa na Polônia nessa terça-feira. Emocionada, Daria Kaleniuk questionou um atônito Johnson sobre o motivo pelo qual Abramovich não tinha sofrido sanções ainda.

Imagem desgastada da Rússia pode provocar discriminação contra russos inocentes
Daria Kaleniuk interpela Boris Johnson na coletiva

Ela não é a única a querer sanções. Esse sentimento é maior no Reino Unido do que em países vizinhos.

Uma pesquisa do Instituto YouGov realizada na semana passada apurou que os britânicos eram mais favoráveis a penalidades econômicas adicionais contra a Rússia (77%) do que os vizinhos. O percentual era bem menor na Alemanha (65%), na França (60%) e na Itália (59%).

Outra enquete do mesmo instituto divulgada na terça-feira apurou que o apoio a sanções subiu para 83%. E que 64% dos britânicos veem agora a Rússia como ameaça ao país, contra 34% em setembro.

Nem todos os russos que vivem no Reino Unido são oligarcas montados em dinheiro sujo, sujeitos a essas penalidades. Contudo, as pesquisas revelam ânimos exaltados contra a Rússia, o que pode alimentar uma discriminação generalizada, assim como ocorreu com os asiáticos na Covid.

Depois que tudo isso acabar, empresas e cidadãos russos “do bem” precisarão de uma eficiente campanha de relações públicas para dissociá-los dos atos condenáveis de alguns de seus conterrâneos.


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