Após mais uma semana de ebulição em todo o País, com multidões seguindo em protestos por ruas e estradas, arrastando atrás de si minorias de vândalos e saqueadores, a imprensa, de um lado, abriu cada vez mais espaços para a cobertura e, de outro procurou entender e explicar as manifestações. Na nossa área de especialização, o jornalismo, muitos profissionais têm-se dedicado nos últimos dias a essa tarefa de tentar desvendar os mistérios das ruas, ocupando espaços como o Observatório da Imprensa, o Diário do Centro do Mundo e o Blog do Nassif, apenas para citar alguns. Se tem sido árdua a tarefa de articulistas e analistas de imprensa, pior ainda é a de repórteres, cinegrafistas e outros profissionais encarregados das coberturas nas ruas, porque fazer jornalismo no Brasil nas últimas semanas tornou-se realmente uma atividade de risco. É sobre esse aspecto das manifestações, antes praticamente restrito a áreas bem conhecidas de banditismo e pistolagem, que J&Cia se debruça esta semana, trazendo como exemplo alguns casos que apuramos e outros noticiados em sites da nossa área, como Coletiva.net, Comunique-se e Portal Imprensa. O grande número deles e a frequência com que têm ocorrido mereceram o repúdio e pedidos de providências às autoridades brasileiras de entidades como Associação Internacional de Radiodifusão, Sociedade Interamericana de Imprensa, Repórteres sem Fronteiras, Fenaj e sindicatos de Jornalistas de todo o País, entre outras. O caso mais emblemático foi certamente o de 130 profissionais de Zero Hora – editores, colunistas, repórteres, fotógrafos, infografistas, administrativos, diagramadores, estudantes de jornalismo e profissionais de vídeo –, que nesta 2ª.feira (24/6) publicaram um inusitado manifesto em que pedem o fim de ameaças, alertam para os riscos do cerceamento à liberdade de imprensa e reafirmam o seu dever de informar. As ameaças partiram, segundo o Grupo RBS, de grupos isolados que pretendiam depredar a sede da empresa em Porto Alegre nas manifestações dos dias 17 e 20 e entraram em confronto com a Brigada Militar. No texto, os funcionários lamentam que em meio aos protestos contra o aumento da tarifa do transporte coletivo seu local de trabalho seja alvo de ameaças de “uma minoria violenta e radical”. “(…) queremos trabalhar, queremos ouvir o público. Queremos cobrir as manifestações da forma mais plural possível. É nosso papel e nossa forma de contribuir para a evolução da sociedade. Mas não podemos aceitar que nossa integridade física esteja ameaçada”. Cirurgia plástica Em Niterói, na noite de 19/6, Vladimir Platonow, trabalhando para a Agência Brasil, ao gravar cenas de manifestantes que se refugiaram no Terminal Rodoviário da cidade, foi impedido por seguranças que tentaram tirar sua câmera e, não conseguindo, o espancaram. O cinegrafista Murilo Azevedo, também da EBC, foi atingido na rua por uma bomba de gás lacrimogêneo disparada pela polícia. No dia seguinte, no Rio, em nota sobre as agressões aos jornalistas, o Sindicato do Município registrou mais baixas: o repórter Pedro Vedova (Foto), da GloboNews, foi ferido na testa por uma bala de borracha (veja relato dele em http://migre.me/fbkTR), o que também aconteceu com Marcelo Piu, fotógrafo de O Globo. Vedova foi levado ao hospital e fez uma operação plástica. Por obra de vândalos que se infiltraram nas manifestações, Mônica Puga foi atingida por uma lixeira e Ernesto Carriço, da Fotografia de O Dia, ferido por uma pedrada na cabeça. Na mesma 5ª feira, um carro do SBT, estacionado próximo à Prefeitura, teve os equipamentos roubados e foi incendiado em seguida. Os profissionais estavam em campo e não foram atingidos. As moções de repúdio foram muitas: da ABI, juntamente com a OAB e a Arquidiocese do Rio, que em nota conjunta defenderam as manifestações, repeliram os atos de violência e pediram serenidade em um momento de ânimos exaltados; dos decanos e diretores da UFRJ, à “violência generalizada e descontrolada”; da Abert, que considerou “um grave atentado ao livre exercício do jornalismo”; e a nota do Conrerp, que fala em “um gap entre governantes e governados”. E as interpretações se sucederam. Esta semana, o Rio de Janeiro voltou à sua “normalidade”: na 2ª.feira (24/6), na favela da Maré, depois da morte de pelo menos dez pessoas, sendo três moradores, um policial do Bope e seis suspeitos de envolvimento com o tráfico, a reportagem viu chegar um carro blindado para garantir a segurança na região. No Leblon, de frente para o mar, ainda há manifestantes acampados, em barracas, diante do prédio, fortemente protegido, em que mora o governador. Na 3ª, já que estavam tão próximos, cerca de mil moradores da favela da Rocinha desceram até o local para um protesto pacífico, sem motivo definido. Revólver na barriga A Esplanada dos Ministérios e o gramado do Congresso Nacional foram palcos da maior marcha realizada na Capital Federal na última 5ª.feira (20/6), que reuniu cerca de 30 mil participantes. Além das bandeiras das anteriores, manifestantes protestaram contra dois projetos votados recentemente pelo Congresso – o do ato médico, aprovado pelo Senado; e o que permite o tratamento da homossexualidade, aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Em um dos momentos mais dramáticos do ato público, segundo relato do Sindicato dos Jornalistas local, mas sem revelar nomes, um repórter-cinematográfico da EBC foi ameaçado de morte com um revólver na barriga para não continuar filmando a movimentação que resultou na invasão do Palácio do Itamaraty. E um repórter foi arrancado do veículo de reportagem, tendo que correr dos manifestantes para evitar agressões. Na mesma linha, uma bandeira contra a Rede Globo foi levantada por manifestantes, que gritavam “mídia fascista, sensacionalista”, para os repórteres de televisão. Um jornalista da Rede TV foi ferido com uma garrafada na cabeça. No mesmo dia, em São Paulo, Fábio Pannunzio, da sucursal Brasília da Band, teve seu microfone arrancado durante a cobertura da manifestação. O repórter declarou que “teve o privilégio de comemorar seu aniversário na Praça da Sé e na Avenida Paulista em meio a uma festa magnífica”. Mas como nem tudo são flores e felicitações, contou também que ouviu, durante as comemorações e o ato, xingamentos e ofensas do tipo “imprensa burguesa”, “imprensa golpista”, “jornalista escroque”, “manipulador fascista” e até “filho da puta”. Indenização de R$ 700 mil Em São Paulo, a direção do Sindicato dos Jornalistas manifestou intenção de entrar com ação coletiva por danos morais contra o Governo do Estado em razão das agressões aos profissionais de imprensa durante as manifestações contra o reajuste das tarifas do transporte público. No dia 20, os jornalistas Fernando Mellis, do Portal R7, Gisele Brito, da Rede Brasil Atual, e Aline Moraes, da TV Brasil, estiveram no Sindicato respondendo à convocação da entidade para analisar as ações judiciais. Também compareceu a esposa de Sérgio Silva, da Futura Press, que foi atingido por uma bala de borracha no olho, apresenta lesões oculares e fraturas de órbita e tem grandes chances de perder a visão. O fotógrafo já decidiu que pedirá R$ 700 mil de indenização ao Estado. Em Campinas, no interior, os atos se repetiram. Ao todo sete profissionais de comunicação foram agredidos, por policiais ou por manifestantes. Outros casos Em Salvador, o repórter Tiago Di Araújo e a equipe do site iBahia conseguiram recuperar as fotos que ele havia sido obrigado a apagar em 22/6, enquanto cobria manifestações na cidade. Segundo o Portal Imprensa, as fotos registravam a prisão de manifestantes por policiais. O repórter foi abordado por alguns deles, que o obrigaram a apagar as imagens. No entanto, o cartão de memória ficou na máquina e com a utilização de programas foi possível recuperar as fotos. Também no dia 22, a repórter Adria Rodrigues, da TV Guará, de São Luís, foi agredida por um grupo que queria impedir que cenas de vandalismo fossem filmadas no centro da cidade. E na 2ª.feira (24), Honório Jacometto, da TV Anhanguera, afiliada da Rede Globo em Goiás, foi agredido durante a manifestação que ocorria no Centro de Goiânia.