Pelo menos cinco importantes publicações de âmbito nacional sofreram nas últimas semanas uma série de processos judiciais com o objetivo de impetrar censura em seus conteúdos.
Essa escalada ganhou um novo contorno na semana passada, quando o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL) iniciou uma cruzada contra veículos de imprensa que noticiaram as recentes denúncias de corrupção envolvendo seu nome e de violência contra sua ex-mulher Jullyene Lins.
Até o momento, são alvos do deputado alagoano o programa ICL Notícias, produzido pelo Instituto Conhecimento Liberta, a Agência Pública e o site Congresso em Foco; este, por causa de uma liminar provisória concedida pela Justiça do Distrito Federal, foi o único dos três de fato obrigado a retirar do ar uma reportagem em que a ex-mulher do deputado o acusa de ter cometido violência sexual contra ela em 2006.
A decisão, datada de 3 de julho, é do juiz Jayder Ramos de Araújo, da 10ª Vara Cível de Brasília. O caso está sob sigilo e o mérito ainda será julgado. Além da remoção do conteúdo, a ação por danos morais pede indenização de R$ 100 mil e tem como partes Jullyene e o portal UOL, onde o Congresso em Foco está hospedado e mantém relação comercial com independência editorial.
No caso da Agência Pública, o parlamentar entrou com ação na 14ª Vara Cível de Brasília contra a publicação, e também sua ex-esposa. O pedido de tutela de urgência apresentado por Lira na ação foi indeferido pelo juiz Luiz Carlos de Miranda. O magistrado entendeu que a reportagem é de interesse público e visa a informar os leitores. “Não é demais lembrar que o autor, por ser figura pública e política de inegável importância no cenário brasileiro, desperta legítimo interesse quanto aos seus atos de governo, mas também quanto à sua vida pessoal”, declarou o magistrado.
Lira também havia solicitado que o processo corresse em segredo de justiça, o que também foi indeferido pelo juiz da ação. Neste caso, assim como no do Congresso em Foco, além da retirada do conteúdo, foi pedida indenização por danos morais no valor de R$ 100 mil. A Pública declarou que entrou em contato com Lira para esclarecimentos e abriu espaço para ouvir e publicar a versão do deputado, que optou por não responder aos questionamentos.
Já no caso contra o ICL Notícias, o deputado pediu a remoção de reportagens, entrevistas e comentários produzidos pelo programa. Além das denúncias feitas pela ex-mulher do deputado, neste caso a ação também mira comentários feitos durante o programa sobre o arquivamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de uma investigação por corrupção passiva, envolvendo aquisição superfaturada de kits de robótica para escolas de Alagoas.
Desta vez, o Lira entrou com ação na 24ª Vara Cível de Brasília para a retirada de ao menos 43 vídeos do ICL Notícias, e pediu indenização de R$ 300 mil por dano moral. O deputado pediu em caráter de urgência que todos os links do programa, incluindo trechos publicados pelos participantes, fossem retirados das redes sociais. Mas o juiz Gustavo Fernandes Sales também negou a tutela de urgência, afirmando que a retirada do conteúdo do ar sem que passasse pelo trâmite normal do processo de danos morais poderia “impor verdadeira censura à liberdade de imprensa”.
Justiça manda recolher piauí das bancas
Em outro caso, este sem relação com Arthur Lira, o juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, da 21ª Vara Cível do Distrito Federal, expediu uma liminar determinando a remoção de um trecho da reportagem O cupinzeiro, produzida pelo repórter Breno Pires, para o site e revista piauí de junho.
A reportagem mostra como o governo Bolsonaro desidratou o programa Mais Médicos e colocou no lugar uma agência que se transformou num ninho de falcatruas, com casos de nepotismo, irregularidades administrativas, denúncias de assédio moral e mau uso de verba pública. A decisão atendeu ao pedido de um casal citado na reportagem, ambos contratados pelo governo Bolsonaro.
Na decisão, o juiz Raposo Filho entendeu que o pedido de censura prévia era excessivo, mas ordenou que a piauí suprimisse a menção dos nomes dos requerente nas versões online e impressa da publicação. Como a edição já havia sido distribuída no início de junho, e o juiz estava informado disso, a consequência inevitável de sua decisão era o recolhimento da edição das bancas.
Intercept consegue liberação parcial
A Justiça do Rio de Janeiro liberou nesta semana a veiculação de parte do conteúdo que integra a série de reportagens Em nome dos pais, do site The Intercept Brazil. O material, que estava sob censura há mais de um mês, foi produzido pela repórter Nayara Felizardo, que em mais de um ano de investigação meticulosa apontou diversas decisões judiciais que inocentaram acusados de estupro de vulnerável ou de violência doméstica, muitas vezes tirando os filhos das mulheres e entregando-os a quem elas denunciaram.
Apesar do parecer favorável, a liberação não reverte totalmente a decisão inicial da juíza Flávia Gonçalves Moraes Bruno, da 14ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro. A alegação da magistrada é que a série fere a privacidade das crianças. “Mas estes meninos e meninas nunca foram nomeados, nem identificados de qualquer forma nas reportagens”, explica Nayara. “As pessoas nomeadas foram os juízes, desembargadores e a psicóloga do Tribunal de Justiça do Rio, Glícia Brazil, implicados pela rigorosa investigação que levou quase um ano para ser feita”.
Com isso, a justiça liberou a republicação de quatro matérias, mas segue impedindo que o documentário produzido sobre o assunto seja veiculado.