Por Luciana Gurgel
A semana em que o MediaTalks se torna parceiro do UOL, ampliando a conversa sobre jornalismo, informação e desinformação, não poderia ser mais oportuna.
O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, comemorado em 3 de maio, motivou debates e divulgação de pesquisas ao redor do mundo tratando da intensificação de ameaças ao jornalismo e à livre expressão.
Muitas continuam vindo de governos autoritários, que lançam mão de recursos como o sufocamento financeiro da mídia e ataques diretos ou por via jurídica a jornalistas. Alguns resistem, mas há um impacto sobre o jornalismo investigativo, vital para a democracia.
O exemplo mais assustador no momento é o de Mianmar, governado por uma junta militar desde o golpe de fevereiro. Esta semana, um jornalista japonês foi indiciado criminalmente por propagar fake news. E o governo passou a veicular diariamente em jornais e TVs uma lista de profissionais “procurados” por infração ao código penal.
Aos riscos históricos somaram-se outros: a pandemia e a violência online, direcionada sobretudo a mulheres jornalistas. Pesquisa divulgada pela Unesco revelou que nunca tantas delas foram vítimas de ataques pelas redes, incluindo ameaças de violência sexual e física. Uma em cada dez abandonou o cargo, o emprego ou a profissão, prejudicando não apenas suas carreiras mas também o jornalismo crítico e a diversidade de gênero nas redações, como apontou a Unesco.
O efeito pandemia também tem sido severo para a mídia, mas não pelas razões temidas no início. Não houve quebradeira.
O fechamento de títulos e a transformação de impressos em online era um processo em curso, acelerado pela Covid em alguns casos. Em outros, as restrições ao movimento fortaleceram as edições digitais. E a necessidade de informação confiável virou oportunidade para conquista de audiência e assinantes.
No Reino Unido, várias empresas de mídia que receberam fundos do governo para manter funcionários em licença devolveram dinheiro porque os resultados de 2020 foram positivos − e certamente não ficaram infelizes ao fazê-lo.
Mas o maior efeito da pandemia sobre a mídia foi outro: ela serviu − e continua servindo − para justificar bloqueios no acesso a informações, leis restritivas ao trabalho da imprensa e iniciativas destinadas a calar opositores nas redes sociais, mesmo em democracias.
As empresas globais de mídia digital vivem entre o céu e o inferno. Em alguns países, são recriminadas por não fazerem o suficiente para combater discurso de ódio em suas plataformas.
O boicote de quatro dias convocado pelo futebol inglês contra o racismo online − que acabou se espalhando por outros esportes e se tornou questão nacional no Reino Unido com a nova regulamentação prevista para ser destacada no discurso anual da rainha Elizabeth II − é o exemplo mais notório de como o tema se tornou relevante social e politicamente.
Em outros países, no entanto, redes e serviços de mensagem são vistos como salvação para a mídia independente, ativistas e jornalistas cidadãos continuaram a vociferar contra irregularidades.
A fórmula perfeita para equilibrar os dois lados ainda não apareceu. Mas há um caminho que merece mais atenção de empresas jornalísticas, governos, ONGs e setor corporativo: a educação midiática.
Um manifesto da organização britânica Article 19 divulgado na segunda-feira (3/5) reforça essa necessidade. Ele lembra que o conhecimento dos cidadãos sobre as diferentes formas de mídia aumenta a confiança na imprensa.
Reconhece que combater a desinformação é necessário. Mas alerta para a importância de se definir o que é desinformação, pois lidar com problemas apenas por meio de leis pode colocar em risco a liberdade de expressão.
Em outras palavras, o risco é o remédio transformar-se em veneno se for usado em altas doses por quem está mais interessado em matar o mensageiro.
Regulamentação das redes parece um caminho sem volta. Mas esse caminho não exclui − ao contrário − a responsabilidade coletiva de fornecer à sociedade os instrumentos para saber em quem confiar quando se trata de informação.
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