Por Ceila Santos
Imaginar-se na pele de quem lidera a Comunicação Corporativa, neste momento, me fez lembrar a arte da respiração. Refiro-me à arte, não ao esquecimento desse ato que nos mantém vivos. E antes de acionar sua mente para lembrar como funcionam seus pulmões, convido você a ler um verso do precursor da metodologia que utilizo na consultoria de desenvolvimento humano e organizacional: Johann Wolfgang Goethe (1749-1832).
Duas graças há no respirar: inspirar o ar e dele se livrar;
inspirar constrange, expirar liberta. Tão lindo é feita da vida uma mescla. Agradece a Deus quando ele te aperta e agradece, de novo, quando te liberta
Quem já viu um bebê nascer naturalmente conhece o milagre do sopro, quem já passou pela UTI pré-natal reconhece a magnitude do desafio. Partir dos extremos da forma de nascer também contribui para formar a imagem da representatividade desse ato, que eu considero crucial para a liderança da comunicação corporativa, que vive agora a oportunidade de mostrar a que veio no que tange à prática da Reputação e discernir seu papel da essência do marketing.
Sorte a minha de encontrar, justamente neste momento de coronavírus, o trabalho iniciado há cinco anos por Nelson Silveira, diretor de Comunicação Corporativa da GM, junto com Marcos Munhoz, ex-VP, para exemplificar a arte de respirar na prática da liderança colaborativa, que se diferencia das demais lideranças, pelo fato de fazer junto, e não de disputar, trocar, entregar/dar ou pegar do outro (área) para fazer. Para imaginar esse fazer junto convido você a ouvir a experiência da GM a partir de duas analogias: primeiro, trazer a imagem do órgão respiratório na sua memória e, depois, o movimento citado no verso acima: inspirar e expirar.
É comum ler a palavra conflito para designar as diferenças entre Marketing e RP quando olhamos para o futuro da comunicação, o desafio de integrá-la, ou para quem vai levar o mérito da inovação da vez, como é o caso da reputação, mas Nelson conta que nesses 20 anos de trilha corporativa nunca teve essa impressão. Ao contrário, o digital só intensificou a colaboração que sempre existiu entre essas áreas.
Da minha perspectiva, ambas áreas ainda estão aprendendo a ouvir o som da colaboração e, quando isso acontece, associo as duas áreas com o órgão pulmonar, que funciona na parceria, mas são dois pulmões diferentes em tamanho, proporção, divisão e direção. Na GM, segundo Nelson, o time dele trabalha com o de marketing desde o ponto zero para realizar qualquer ação que visa a atingir o propósito, conhecido como 000 – Zero de Emissão, Zero de Acidente e Zero de Congestionamento.
Na analogia com o órgão, isso significa que quem move a parceria dos dois pulmões é o diafragma, ou seja, aquele que dá liga na diferença das áreas, responsável pela pressão do inspirar e expirar e pela arte de lidar com exterior e interior. E, neste caso, considero o diafragma a clareza do porquê trabalhar junto, que pode ser reconhecido como missão ou objetivo da organização. Quem clareou isso na GM foi o Chapter Eleven de 2009, que trouxe o mantra do Foco no Cliente e no Produto como centro da razão da existência da montadora. Ou seja, trabalhar junto é consequência desta clareza. Não é só moda ou vontade pessoal do líder.
Respire e mantenha a vida!
Muita gente compara os pulmões com asas. Mas, para falar de colaboração no século XXI, dentro da comunicação − que vive das ideias, conceitos, análises e mensagens, logo, respira-se muito pouco −, vou transformá-las em montanhas. Motivo? Vamos imaginar, agora, o papel de cada profissional nesta arte de fazer junto.
Independentemente se acredita que o marketing vai incorporar, ou devorar, o RP e até o jornalismo, ou se são áreas aliadas historicamente, o fato é que a separação das áreas existe. Outro fato: o marketing recebe mais dinheiro pela ação comum de contar estórias. E aí, entra o fator humano, no maior desafio que vivemos atualmente: a questão econômica e a relação do indivíduo com o dinheiro.
Uma coisa é sentir dor pela necessidade financeira. Outra, pela inveja ou ganância. É mais profunda e pesada a dor, vira tormenta. Carregar qualquer dor do valor de frente para o inimigo não é simples. Leia-se: inimigo como outro(a). Qualquer um que faça sentir dor, no que existe entre as diferenças dos pulmões, vai se tornar inimigo. Não é uma questão cultural, mas humana e psíquica. O que está no meio deles? Coração.
Por isso, seu diafragma tem que estar muito alinhado com o motivo, que faz funcionar a parceria dos pulmões da organização. Ou seja, seu diafragma alinhado com o diafragma da organização. Se o coração doer com a fala ou a atitude do inimigo, é preciso aprender a mover as montanhas dentro de si, puxando o ar da base do sistema pulmonar e não o da diferença dos pulmões, que representa o tórax, a que estamos acostumados. Ou seja, aprender a respirar com a consciência individual para participar e contribuir com a consciência coletiva.
Isso se faz através de um discurso coerente com o seu coração, que supere a contradição do fora com o dentro e do que sente com o que pensa. A boa notícia é que superar essa contradição internamente e expressar a coerência, de acordo com o diafragma que move a parceria, te liberta do lugar em que você estiver, seja da dor sem sentido, da dor com sentido ou da organização.
Libertar-se da organização, que não te move, assim como das dores do coração, dá medo, mas é importante para o seu desenvolvimento pessoal e para o desenvolvimento das organizações, que impactam o desenvolvimento social.
Não entrei no mérito, com Nelson, sobre o quanto a mudança de processo do fazer junto exige de desenvolvimento humano para impactar o desenvolvimento organizacional e fazer da GM uma montadora que saia da pauta comum do setor gerada pela crise: medo, emprego e lay-off.
Sem o desenvolvimento individual de cada membro do time do Nelson, e da área de marketing, para superar as contradições culturais das áreas no seu próprio discurso, responsabilizando pelas dores emocionais que cada decisão tomada em prol do objetivo comum representa no coração de cada um, não haverá desenvolvimento organizacional. E isso significa que não mudamos o mundo.
A GM muda quando todos profissionais mudam e, isso não é mérito da montadora, vale para todas as organizações que se despertaram para consciência do desenvolvimento organizacional. Por isso, respirem! E, lembrem-se: entre o inspirar e expirar, existe uma pausa. Pra não pirar, dê a você mesmo essa pausa.
Nelson Silveira
GM – General Motors
Líder: Vanguarda e Paixão
Insight: Tudo acontece no entre
Filosofia: Harvard Business School
Referência: Winston Churchill
Tempo da Jornada
Jornalismo: 11 anos
Destaque: JB, Folha e Diário ABC
RP: não atuou em agências
Corporativo: 19 anos
Destaque: GM
Formação: Ciências Sociais e Mestrado em Antropologia
Do interior de São Paulo, Nelson sabia que ia fazer UNICAMP, mas na instituição não tinha jornalismo, então, decidiu por ciências sociais seguido de mestrado em antropologia e aprendeu a olhar o mundo com a ótica de Deleuze, o pai do conceito rizoma, que iluminou nossa percepção orgânica para compreender as relações na forma de rede, além do pensamento linear moderno, entendendo que as coisas não acontecem no ponto A ou B, e sim entre eles. Quando chegou a hora de ir à Sorbonne (doutorado), Nelson agarrou a chance da Folha São Paulo para tornar-se jornalista. Cresceu até chegar às áreas nobres − Política e Economia − e ser reconhecido por José Carlos Pinheiro Neto, na época presidente da Anfavea e VP da GM, como o homem que poderia inovar as relações institucionais da indústria automobilística e, assim, ele dá o primeiro passo na GM. Duas oportunidades são cruciais para a sua liderança: fechar uma fábrica em Portugal e viver o projeto de redes sociais (customizado) com Tony Cervone e Julie Hamp, na Suíça. Ele aprende gestão de crise na pele ao fechar mais de uma fábrica no nosso país colonizador, e desperta sua visão digital na experiência em Zurique para fazer acontecer, em 2015, aqui no Brasil, quando reestrutura a área, eliminando as hierarquias do seu time de 10 colaboradores e ganha o Prêmio Comunicador do Ano Aberje em 2016 e 2018.