Recém-empossada presidente do Conselho Deliberativo da Aberje, em mandato próprio, Malu Weber é a terceira mulher a conduzir os destinos da mais importante entidade de comunicação empresarial da América Latina, cargo que ocupa em paralelo com o de sua atuação principal: diretora executiva de Comunicação Corporativa do Grupo Bayer, onde também é membro do board de Negócios Brasil e do time de Liderança Global de Comunicação.

Nesta entrevista a J&Cia ela fala dos desafios de liderar o Conselho dessa entidade de referência, com mais de meio século de vida e hoje uma referência internacional. Também revela seu olhar sobre o atual estágio da comunicação corporativa no Brasil e dos desafios que estão no radar. E abre seu coração sobre como foi encarar um difícil ano pessoal, em que perdeu o esposo, tendo de passar praticamente 300 dias num quarto de UTI.

Jornalistas&Cia – Sua primeira declaração, ao ser confirmada presidente do Conselho Deliberativo da Aberje, agora em mandato próprio, foi de que iniciava a nova jornada com muito mais perguntas que respostas. Para onde crê que os ventos sopram hoje na comunicação corporativa e quais os planos e ações para esse futuro próximo?

Malu Weber – Sem dúvida, a gente já viveu a era das respostas, em que era esperado das áreas de comunicação, de seus profissionais e das companhias, apontar os caminhos e as direções a serem seguidas; agora, estamos vivendo a era das perguntas. Em tempos de IA generativa, big data e análise preditiva, saber fazer as perguntas corretas é o único meio de encontrar as respostas. Além disso, eu acredito muito no poder da escuta ativa. Minha carreira me ensinou lições valiosas ao longo do tempo. Iniciar algo novo com a prontidão de ouvir, acolher sugestões e colaborar no desenvolvimento conjunto é um caminho muito mais seguro, porque trilhar caminhos solitários quase sempre nos leva ao fracasso. É importante entender o que é valor para o outro: seja ele o associado, a sociedade ou a própria Aberje. A partir dessa compreensão, podemos, de forma coletiva, elaborar um planejamento que agregue valor, assumindo papéis de liderança e responsabilidade compartilhada. Outro ponto de partida fundamental é a identificação das necessidades e expectativas de nossos públicos, sendo este um primeiro passo para continuarmos evoluindo e trazendo relevância para a nossa associação e para todos que fazem parte dela.

J&Cia – Numa atividade em que há nítido protagonismo e predomínio feminino, você é, em 57 anos de existência da Aberje, apenas a terceira mulher a ocupar a Presidência do Conselho. Antes foram a pioneira Elisa Vannuccini, nos anos 1970 e 1980, e mais recentemente Gislaine Rossetti. Curiosamente, a primeira diretoria da entidade, no período 1967-1970 tinha 12 integrantes e nenhuma mulher. Na segunda, já havia uma, Eliana Neves Athayde; e na terceira, três, as duas mais Elisa Vannuccini. Olhando hoje, a comunicação corporativa tem muito mais mulheres no andar de cima das organizações, na liderança. Você considera que, na nossa atividade, a questão de gênero já seria uma coisa resolvida, na comparação com outros setores da atividade econômica?

Malu – Não está resolvido. Estamos em uma jornada evolutiva em busca da diversidade e ainda temos muito a caminhar nesse sentido. Isso é muito maior do que apenas a nossa atividade econômica. Não basta estar em uma posição de relevância; é necessário ser relevante. Isso requer o estabelecimento de uma voz respeitada e ouvida, com a mesma influência e consideração. Esse processo é construído ao longo do tempo, estabelecendo relações de confiança e cultivando aliadas e aliados em nossa trajetória. Requer também uma determinação inabalável diante das derrotas, e é por isso que gosto tanto do esporte – que me fez (e continua fazendo) entender, por mais doído que seja, que as derrotas fazem parte do aprendizado. Um dia desses li que é muito melhor nos arrependermos do que fizemos do que daquilo que não fizemos. Se o resultado não foi bom, que a gente aprenda com ele. E o que ainda não fizemos, que façamos, com coragem, determinação e nos perdoando mais rapidamente, evitando autocríticas excessivas quando cometemos erros. Ainda nesse tema de equidade de gênero, entendo que uma das frentes que precisamos avançar é na sororidade entre as mulheres. Ainda vejo muita competição feminina e isso precisa acabar de vez. Precisamos ter um pacto real de uma subir e puxar a outra. Não se trata de excluirmos os homens, ao contrário. Eles precisam ser nossos aliados nessa evolução. Trata-se de sermos mais generosas umas com as outras.

J&Cia – Você assumiu a Presidência temporária, para cumprir o restante do mandato de Nelson Silveira, vivendo um problema pessoal terrível de saúde em família, que culminou com o falecimento de seu esposo. Como foi enfrentar essa imensa carga de emoções e que legados ela deixa na pessoa e na executiva?

Malu – Vivemos uma montanha-russa de emoções durante 300 dias, morando num quarto de UTI, de 17 de agosto de 2022, quando Celestino teve um AVC hemorrágico, até 29 de junho de 2023, quando um fungo agressivo abateu um corpo já fragilizado (candidemia), e ele não resistiu. Tivemos o privilégio de poder nos cercar dos melhores médicos e de uma equipe formada por tantos especialistas, que não só cuidaram do meu marido, mas também de mim e da nossa família. A começar pelo meu irmão, psiquiatra, que esteve comigo em todos os momentos mais dramáticos dessa jornada, e minhas cunhadas Vania e Bernardete, que revezavam comigo e com o Pedro (nosso filho) no hospital.

Tudo se tornou mais leve com um time empoderado na Bayer, que tinha autonomia e competência de entregar resultados excepcionais durante a minha ausência; aos colegas e amigos que estavam sempre a postos para nos socorrer; e à própria Bayer, que me apoiou (e me apoia) incondicionalmente em todos os sentidos, tanto os colegas do RH quanto meus líderes, Michael Preuss e Malu Nachreiner, que me mostraram na prática os valores inegociáveis da companhia e o cuidado com a sua gente.

O maior legado que fica, do momento mais dramático e doloroso pelo qual passei até aqui, é esse mesmo: a importância do cuidar, de estabelecer relações genuínas, de viver o hoje com entusiasmo, de ter ao seu lado pessoas que são competentes e verdadeiramente humanas. Ver o ser “efetivo e afetivo”, de que tanto temos falado, fazendo sentido de forma tão plena em minha vida. Sem falar na gratidão pelos 35 anos de convivência com a pessoa mais generosa e cuidadora que já conheci, e pelo legado que ele nos deixou e que vamos continuar colocando em prática, vivenciando o luto a cada dia, sem fazer de conta que já está tudo bem.

J&Cia – J&Cia, em sua edição de aniversário de 28 anos, abriu suas páginas para mostrar a influência marcante do jornalismo e dos jornalistas na atividade da comunicação corporativa no Brasil. E o fez, quase que na forma de um editorial, mostrando que essa influência − que se vê em quase todas as ações de empresas e agências sob o império do conteúdo, da ética, da transparência, da linguagem etc. − tornou a nossa escola única no mundo, diferenciada, amalgamada efetivamente com o jornalismo, cada qual, claro, cumprindo seu papel. Qual a sua avaliação e o que pensa do tema?

Malu – Entendo esse amadurecimento do papel da nossa área como o resultado de um conjunto de fatores, a começar pela preparação de quem ocupa hoje a área de comunicação. Estamos também mudando o conceito de sucesso da área. Deixamos de ser meros produtores de conteúdo de um jornal interno no passado para ocupar uma posição estratégica de conselheiros, facilitadores e conectores, ajudando na construção de relacionamentos de valor, conhecendo o que é relevante para o negócio, para a sociedade e para os públicos com os quais interagimos.

Eu me lembro que tinha apenas 12 dias de Bayer quando a empresa lançou a primeira edição do programa de trainees exclusivo para negros no Brasil, e fomos acusados de “racismo reverso” por parte da sociedade. Nosso papel foi de ouvir nossas diversas áreas, entender as acusações infundadas, influenciar a organização de que deveríamos nos posicionar de forma contundente para dentro e para fora (trazendo todos os argumentos que endossavam nossa orientação) e construir a estratégia de comunicação a várias mãos, certificando-nos de que estávamos seguros com a recomendação que estávamos fazendo. É o protagonismo e a responsabilidade compartilhados em que tanto acredito. Nesse cenário, a nossa relação com os jornalistas continua e sempre continuará sendo muito relevante. Vejo que hoje existe uma troca muito melhor, mais ampla e colaborativa nesse ecossistema. Muitos paradigmas foram quebrados ao longo dos anos. A ética de todos os profissionais envolvidos, mais do que nunca, tem sido a grande balizadora dessas relações. E a disposição para contribuir e colaborar dos dois lados. É um ambiente muito mais saudável e de muito potencial.

J&Cia – Como você e a Aberje pensam o futuro próximo desse grande ecossistema de comunicação, que envolve as áreas internas de comunicação das empresas, o setor público em toda a extensão dos Três Poderes e das esferas federal, estaduais e municipais, mais as agências, o marketing digital, a publicidade e as áreas afins internas, como compliance, RH, Jurídico?

Malu – É um ecossistema realmente muito poderoso e potente, que precisa ser pautado pela ética nas relações e por uma governança eficiente, fluida e transparente. Não podemos ser ingênuos ao falar de um ecossistema tão amplo. Existem interesses específicos de todas as partes. Às vezes convergentes e outras, divergentes. Essa é a realidade das relações. Mas o que vejo para o futuro é um ambiente de contínua colaboração, principalmente diante dos temas divergentes. Nas diferenças é preciso uma abordagem também colaborativa e de escuta para que todas as partes ataquem os desafios, e não umas às outras. A comunicação é fundamental nessas relações e no estabelecimento dessas práticas de mais abertura e troca. Além disso, a tecnologia está cada vez mais em nossas mãos, para que possamos facilitar que isso ocorra de modo mais fluido e com menos entraves.

E, claro, precisamos acompanhar tendências de mercado e buscar maneiras de trazer cada vez mais valor para a organização. E isso significa estimular a provocação, o questionamento e a construção de um ambiente produtivo e de escuta ativa, onde todas as pessoas sejam valorizadas, sem distinção de cargos, mas respeitando a diversidade de opiniões, vivências e saberes. Independentemente de hierarquias, desde o estagiário até o diretor, todos devem sentir-se acolhidos e confiantes para expressar ideias, provocar debates, questionar, discordar quando necessário e liderar. É essencial mantermos a flexibilidade e estarmos dispostos a adotar mudanças saudáveis, que contribuam para o progresso e a evolução contínua das organizações. Estou muito animada diante das possibilidades que estamos contemplando para o futuro próximo.

J&Cia – Como vê o papel das organizações e da comunicação corporativa no combate ao discurso de ódio, no fortalecimento da democracia, no arrefecimento da tão nefasta polarização política? Temos um caminho por aí?

Malu Precisamos ter esse caminho. Mais do que nunca, é preciso utilizar esse lugar de influência da comunicação corporativa para criarmos uma comunicação que seja verdadeiramente inclusiva. Ser inclusivo significa explicar o que ainda não foi plenamente entendido, trazer abordagens mais humanas e quebrar silos com respeito e com a intenção de educar. Hoje, principalmente nas redes sociais, existem fórmulas prontas para você ganhar relevância digital rapidamente, mas muitas vezes elas incluem escolher um lado da polarização e crescer a partir dele. Não é nisso que eu acredito e não é isso que nenhum comunicador responsável deveria fazer. A comunicação tem um papel de esclarecimento e de conciliação. Precisamos construir pontes em vez de atear fogo.

O papel da comunicação no combate a qualquer tipo de atitude que fere a democracia é de extrema importância. Embora não exista uma solução única, as organizações podem contribuir para a criação de um ambiente mais saudável, promovendo valores democráticos e com responsabilidade em suas práticas e comunicações. Os gestores devem liderar pelo exemplo e fortalecer uma cultura de respeito e acolhimento. A empresa deve priorizar a transparência e a ética nos negócios, respeitando as leis e normas que constituem uma sociedade civil democrática e confiável, além de promover valores fundamentais, como diversidade, equidade e inclusão, garantindo que diferentes perspectivas sejam consideradas e que a tomada de decisões seja mais representativa da sociedade.

J&Cia – Para finalizar, onde você acha que a comunicação corporativa está indo muito bem e onde ela precisa avançar e vencer desafios?

Malu – Estamos indo superbem em estabelecer um posicionamento cada vez mais arrojado e consultivo dentro das organizações. Essa evolução da nossa área tem sido muito proeminente, possibilitando que estejamos nas conversas e envolvidos nos planejamentos estratégicos que estão guiando as companhias e os mercados em novas direções. A integração das áreas e disciplinas também é um ponto de destaque, uma vez que a gente vê obstáculos e muros cada vez menores. A tal comunicação integrada, que é falada há tantas décadas de modo teórico, finalmente tem acontecido pra valer. É maravilhoso vermos isso acontecendo. A participação ativa dos colaboradores na comunicação também tem sido cada vez mais valorizada, permitindo que suas vozes contribuam para contar a história da empresa e promover sua cultura.

No que precisamos avançar, entendo que temos muita oportunidade em realmente nos estabelecermos como early adopters de novas tecnologias e tendências. Ainda há resistência para uso de novas tecnologias, embora, na realidade, elas sejam projetadas para nos ajudar naquilo que são melhores, assim como as pessoas devem focar nas ações mais humanas e estratégicas. Percebo que muitas vezes somos porta-vozes dessas novidades dentro das organizações e nos fóruns em que participamos, mas investimos muito tempo em discussões teóricas e muito pouco em adoção. Precisamos ser mais ágeis nesse sentido, com menos certezas e mais provocações, estimulando ambientes de experimentação em que liderança é muito mais uma questão de atitude do que de cargo. Também precisamos estar mais abertos a aprender, desaprender e reaprender de novo. Repensar nossa forma de trabalhar à luz da evolução das empresas e da sociedade. Sem esquecer do básico e da nossa essência, que é sermos humanos. Aliás, sempre acreditei no poder impulsionador que existe na combinação de comunicação afetiva, efetiva e cada vez mais tecnológica. É o que o futuro espera de nós – a começar já.

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