Plínio Vicente da Silva ([email protected]), assessor especial da Prefeitura de Boa Vista e agora editor de Internacional/Economia do recém-lançado Jornal de Roraima (ver http://migre.me/g0WU5), volta a colaborar com este espaço. As duas mortes de Tancredo Quando me mudei para Roraima, em abril de 1984, confesso que viajei de volta à infância, nos meus tempos de Guatapará, a pequena vila que vi nascer às margens do Mogi Guaçu, no interior de São Paulo. Lá, a casa da minha família ficava nas barrancas do rio e da janela do meu quarto eu ganhava de presente, todos os dias, muitas vezes o dia todo, as belezas naturais que cercavam o longo estirão que subia, subia, até perder-se da minha vista. Para a felicidade do menino caipira que ainda habita minha alma, aqui minha casa fica entre dois rios, o Branco e o Cauamé. Não dá para vê-los da janela do meu quarto, mas me bastam alguns minutos para estar nas barrancas de um dos dois, que, além de piscosos, são também cercados por belezas que a natureza depositou generosamente neste pedaço do extremo norte do Brasil. Mas junto com o menino caipira veio o jornalista e com o jornalista, a avidez pela notícia. Já nos primeiros dias senti como seria viver isolado do meu antigo mundo, aquele em que eu tinha à disposição, diariamente, meia dúzias dos maiores jornais do País, revistas de grande circulação, emissoras de tevê e de rádio. Já nesse tempo sinais de modernidade anunciavam os primeiros canais via satélite, sintonizados com o auxílio de enormes parabólicas. Aqui em Boa Vista o único canal disponível era o da TV Roraima, pertencente à Rede Amazônica, afiliada da Rede Globo. A recepção, entretanto, era precária e as imagens chegavam bastante comprometidas aos bairros como o meu, mais distantes do centro, onde fica até hoje a sede da emissora. Às vezes, na época do inverno chuvoso, dava até para sintonizar, surpreendentemente, sinais de tevês da Venezuela, Colômbia e até da Costa Rica. Fenômeno que os especialistas chamam de propagação de ondas, provocado pelas correntes elétricas que se interligam nas nuvens, emendando-se umas às outras e permitindo a essas imagens viajarem pelo espaço e chegarem a lugares bem distantes. Boa Vista tem fuso horário de uma hora a menos em relação a Brasília, duas no horário de verão. Quando dava cinco da tarde, era bobagem deixar a televisão ligada. A programação ao vivo era suspensa e até às seis ela só transmitia publicidade, na sua maioria anúncios classificados, tipo “Aluga-se jumento pega para cruzamento. Tratar-se com Zé Maranhão, no Sítio Água Boa”. A partir daí toda a programação ia sendo gravada. A ideia era que a novela das seis passasse às seis, a da sete às sete, o Jornal Nacional às oito e assim por diante. Todavia, como está escrito na Lei de Murphy, “o que pode dar errado acaba dando errado”. No dia 21 de abril de 1985, Antônio Brito anunciou em rede nacional a morte de Tancredo Neves. Nessa altura, a TV Roraima tinha de plantão apenas o operador que cuidava dos gravadores que se revezavam na captação da programação nacional. Sabe-se lá por que razões ele não viu o pronunciamento do porta-voz e passou batido. Assim, em Roraima o ex-presidente morreu duas vezes. Uma lá em São Paulo, anunciada pouco depois das oito da noite, e a outra aqui em Boa Vista, também às oito, mas já nove horas na capital paulista. No dia seguinte, assim que soube da encrenca, Phelippe Daou, o dono da Rede Amazônia, mandou demitir Jadir Correia, diretor da TV Roraima e ordenou que a programação, mesmo com as diferenças de fuso horário, voltasse a ser transmitida ao vivo. Isso criou um problema, aliás muito mais grave no Acre, onde, antes da Lei 11.662, de 24 de abril de 2008, que reduziu para três os fusos horários em território brasileiro, os relógios marcavam duas horas a menos que Brasília, três no horário de verão. Assim, no período de outubro a fevereiro, os telespectadores assistiam à novela das seis às três da tarde; a das sete às quatro, o Jornal Nacional às cinco. A novela das oito, com temas adultos, começava lá pelas cinco e quarenta e cinco, atentando contra a legislação que regula a classificação da programação por faixa etária. Problema que veio ser corrigido depois que a Rede Amazônica passou exibir a novela das sete depois do JN. Só que, por aqui, no Acre e demais estados cobertos por esse fuso, nas noites de 4ª.feira o noticioso e as duas novelas têm edição reduzida para poderem caber no espaço das afiliadas amazônicas, que vai entre 20h30 e 21h50. Ou seja, por aqui a gente continua vendo duas televisões: uma com a programação nacional, pela parabólica, e outra local, UHF, adaptada para atender à lei. Não fossem as duas mortes de Tancredo…