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sexta-feira, novembro 22, 2024

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Memórias da Redação ? Chapéu no dr. Ruy

Temos esta semana um estreante no espaço: Paulo Camargos ([email protected]), que gerencia o atendimento a clientes do setor público pela FSB de Belo Horizonte, onde está desde 2006, e assessora o ex-ministro Walfrido Mares Guia. Formado pela UFMG, integrou a equipe do Jornal dos Bairros e foi um dos fundadores dos Cadernos do CET, de educação popular. Colaborou com o jornal Em Tempo e trabalhou nas sucursais de Folha de S.Paulo, Estadão e O Globo em BH. Também foi repórter e pauteiro do Hoje em Dia, editor de Primeira Página e de Política de O Tempo e prestou serviços às agências Setembro e DNA. Participou das campanhas eleitorais de Aécio Neves (1992), Amilcar Martins (1996), do ex-presidente Lula (2006), de Itamar Franco (2010) e coordenou a assessoria de imprensa da campanha do prefeito Marcio Lacerda em 2012. Diz ele: “Resolvi rabiscar um ‘causo’ de redação que não vivi pessoalmente, mas que me foi relatado por um colega já falecido. A explicação está no final do texto e faz parte dele”. Chapéu no dr. Ruy (*) Na década de 1970, alguns jornalistas do Jornal da Tarde tinham o hábito de fazer uma rodinha na redação da rua Major Quedinho para bater bola depois do fechamento. A esfera era feita com as laudas de papel que ficavam espalhadas pelo chão. A brincadeira acontecia num corredor largo, delimitado pelas mesas repletas de Remingtons e Olivettis. Redação antiga era barulhenta e enfumaçada. Muitos coleguinhas não conseguiam produzir um texto razoável sem dar umas tragadas enquanto escreviam. Alguns, inclusive, costumavam tomar uns tragos nos bares da vizinhança, para dar mais inspiração. Os cinzeiros ficavam repletos de guimbas e o ar, naturalmente, era denso e fedorento. Naquele horário em que os repórteres escreviam e os editores fechavam, a conversa corria solta e os chefes tinham que gritar para serem ouvidos. As principais vítimas eram os diagramadores, profissionais que encontravam soluções gráficas na ponta do lápis, desenhando página por página. Quando o repórter começava a escrever, o lide tinha que estar claro na cabeça. Se cometesse algum erro ou decidisse mudar uma frase, o jeito era embolar a lauda e começar de novo. Se já estivesse lá pela 15ª linha, o melhor era fazer uma emenda em outra lauda e colar por cima com goma arábica. Ou rabiscar o texto para fazer a correção. Tudo era muito difícil. Não existia Google para sanar dúvida de última hora. A alternativa era recorrer ao arquivo para procurar um dado histórico nas edições mais antigas ou mesmo na Barsa. Os arquivos fotográficos eram físicos. Se o editor quisesse uma fotografia de um ex-ministro, por exemplo, precisava da boa vontade do arquivista para procurar nas prateleiras (mal) organizadas por ordem alfabética. Fotografia, só existia uma cópia de cada, impressa em papel e marcada a lápis-cera vermelho para os cortes dos usos anteriores. Assessor de imprensa tinha que ir de redação em redação para levar o release e a fotografia, anexados por clip de arame. Transmissão de texto ou foto era um caso a parte. O fotógrafo carregava uma mala gigantesca com o equipamento de telefoto da AP e um minilaboratório de revelação. Depois da cobertura, espalhava o equipamento no banheiro do hotel, fazia a revelação no escuro, copiava, secava e, finalmente, transmitia. O equipamento barulhento ficava rodando por um tempo que parecia interminável, enquanto o chefe de Fotografia, na redação, ficava cobrando rapidez pelo telefone analógico. As imagens coloridas chegavam em três vias (magenta, amarelo e cyan) e, juntas, formavam o resultado final. Se elas não fossem cuidadosamente sobrepostas, a impressão saía de registro e todo o trabalho ia por água abaixo. Já o texto do repórter, depois de copidescado, resultando num emaranhado de marcações, setas e inversões, ia para o operador de telex, que também era digitador. Rapidamente, ele produzia uma fita amarela cheia de furos que seria a matriz da transmissão. O texto chegava do outro lado num formato de telegrama que muito se assemelha à linguagem das redes sociais ou de SMS: a craseado virava aa, o é ia escrito como eh e assim por diante. Depois de novo copidesque, ia para a diagramação e a composição, até o jornal sair da gráfica, lá pelas 3 da madrugada. Era muito complicado, mas também muito divertido. Trabalho concluído, era hora da happy hour de jornalista, que se estendia até 6 ou 7 da manhã. Mas, voltando à pelada na redação do JT, a turma estava lá, batendo sua bolinha. O mineiro descendente de espanhóis Ramón García y García era tido como um cara bom de bola. Tinha bom controle e, nas peladas regulares, costumava marcar seus golzinhos. Era um dos primeiros do par ou ímpar. A roda estava animada, quando a bola procurou o craque. Ramón levantou a pelota com a ponta do pé direito e começou a fazer embaixadinhas. De repente, os colegas começaram a acenar discretamente, apontando para trás. Alguns saíram da roda e foram para suas mesas. Sem medo de ser feliz, Ramón fez três embaixadas e, quando a bola subiu, quase fugindo do controle, deu um lençol sobre si mesmo, girou 180° graus e ficou frente a frente com ninguém menos que o dr. Ruy Mesquita, o todo-poderoso do JT. Sem perder a fleuma, dr. Ruy balançou a cabeça, deu dois tapinhas no ombro de Ramón e comentou: “Muito bem, meu rapaz”. Quando a porta se fechou, a turma deitou no chão para rir. Naquela noite, a roda de cerveja teve um tema principal: o chapéu de Ramón no dr. Ruy. (*) Esse caso me foi contado pelo próprio Ramón, muitos anos depois, quando trabalhávamos no Hoje em Dia, em Belo Horizonte. Eu, um jovem foca de Polícia; Ramón, editor de Opinião, já apoiado numa bengala por causa de lesão no colo do fêmur. Passei pela sucursal do Estadão em Belo Horizonte, mas não trabalhei no JT nem conheço a redação onde funcionou. Portanto, o texto certamente contém dados ilustrativos que soarão estranhos para aqueles que passaram por lá. Não sei se usavam Remington, Olivetti ou as duas. Mas acho essa história tão boa que decidi passá-la para a frente. É, muito mais, uma homenagem póstuma ao saudoso Ramón, uma figura humana sensacional, de sangue basco efervescente.

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