A história desta semana é novamente uma colaboração de Milton Saldanha, que edita o jornal mensal Dance, dedicado à dança de salão, e mantém um blog de crônicas sobre assuntos variados. Dilemas de um chefe de Redação De longe, em relação a qualquer outra coisa, a pior experiência da minha vida foi a prisão política no DOI-Codi, em São Paulo, em 1970. Era editor no Diário do Grande ABC. Depois disso, guardadas a devida distância e proporções, foi ter que demitir algumas pessoas em redações que me foram confiadas a chefiar. Os piores momentos foram ter que dispensar dois amigos, caras de quem eu gostava muito, mas que eram incompetentes profissionalmente. Nos dois casos protelei, tentei ajudar, diria até que forcei a barra refazendo suas matérias inteiras, mas não teve jeito. O jornal era grande e exigente, e eu não poderia ficar encobrindo indefinidamente as deficiências deles em apuração e texto simplesmente porque eram meus amigos, ou simplesmente por afeto. Muito menos pela covardia de tomar uma decisão tão drástica. Numa equipe você precisa tratar a todos com isonomia e ser justo ao extremo, tanto para cobrar resultados como na hora de distribuir elogios. Nada disso pode ser vulgarizado. Se a equipe percebe que você protege alguém suas autoridade e respeito vão para o ralo. Só se faz distinção entre os repórteres na hora de distribuir as tarefas. As melhores pautas, claro, vão sempre para os mais capazes e brilhantes. Certa vez, chefiando reportagem na TV Globo paulista, levei bronca do meu diretor por ter dado uma oportunidade a um repórter de menor brilho no grupo. Reconheci o erro, o cara não foi capaz de sair da sua mediocridade. Funciona assim, e não há como ser diferente. Por isso, jovens, estudem, adotem como obrigatório ler bastante e de tudo, sejam bem informados e articulados. Não preciso dizer que minha decisão acabou com as amizades. Eles não aceitavam, o que é normal, ninguém admite a própria incompetência. Depois de consumadas as demissões, que tive que encarar com muita coragem e objetividade profissional, fiquei muito abalado. Disfarçava para a equipe não perceber. Até hoje, passados 40 anos, essas lembranças me incomodam. Eu próprio já tinha sido atingido por demissões em empregos anteriores, sabia o peso disso na autoestima e depois no bolso, com contas a pagar e responsabilidades familiares. Mas a vida é assim. Aprendi a separar o sentimento pessoal do senso profissional desde o dia em que, ao assumir o comando de uma redação, de cara, ela fracassou na cobertura de um acontecimento importante. Como eu tinha acabado de chegar, fui preservado, mas com um recado bem claro do chefe a quem me reportava: “De agora em diante, serão eles, ou será você”. No mesmo dia comecei a mudar a equipe. E juntei um grupo de feras, capazes de encarar qualquer desafio.