Este é o 250º texto publicado pelo Jornalistas&Cia na seção Memórias da Redação, que, pelas manifestações dos leitores, há quase quatro anos é uma das mais lidas. Queremos aproveitar a marca para agradecer de público a todos os que com ela colaboraram nesse período e em especial a Ignácio de Loyola Brandão ([email protected]), que gentilmente atendeu ao nosso convite para escrever algo sobre os tempos em que trabalhou em redações. Escritor e colunista do Estadão, Ignácio lançou há quase um ano seu livro mais recente, Solidão no fundo da agulha, quase memórias. É dele, pois, esse presente aos leitores de Jornalistas&Cia e deste Portal. A mulher proibida de escrever Trabalhei seis anos na revista Claudia. Tinha saído de um jornal diário, fechamento diário, pressões e entrei numa mensal, com outro ritmo. Pela primeira vez em anos e anos – fiquei nove na Ultima Hora – eu sabia o que era final de semana livre, ocioso. Certa vez, recebi um pacotão de cartas de leitores. Thomaz Souto Corrêa, o diretor, tinha por lema responder a cada leitor. Era divertido, curioso, chato, vez ou outra. Recebi um conto de uma leitora. Havia uma boa ideia, escrevi a ela, sugerindo onde mexer, o que cortar, mudar. Meses depois, outra carta com o conto reescrito. Faltavam pequenos ajustes, escrevi de novo. Meses depois veio o conto finalizado, decidimos publicar. Naquela época, vejam só, as revistas publicavam ficção, o que desapareceu da mídia. Quando comuniquei à leitora a boa notícia, recebi uma carta desesperada. Ela pedia, suplicante, que trocássemos o nome. Se a historia saísse com seu nome real, o marido a mataria. Ele odiava que ela escrevesse, tinha proibido, vigiava, sufocava. Daí as demoras na ida e volta da correspondência. As cartas iam para a casa de uma amiga, quando dava certo, ela buscava, lia, respondia, a amiga colocava no correio. Para escrever, todas as noites, ela esperava o marido dormir e quando tinha certeza de que ele estava num sono firme, ia para a cozinha, colocava um cobertor sobre a mesa, entrava debaixo com uma lanterna e escrevia a mão, ouvido alerta a qualquer ruído na casa. Certas noites, ela dormia antes do marido, cansada. Pagamos o conto por intermédio da amiga e recebemos uma carta da pessoa mais feliz do mundo. Passaram 30 anos, atravessei várias redações, de Setenta, Realidade, Planeta, Ciência e Vida, Lui e finalmente Vogue. A partir de 1993 passei a fazer uma crônica semanal no jornal O Estado de S. Paulo. Um dia, poucos anos atrás, recebi uma carta dessa mulher. Morava em Mauá, no Itatiaia, o marido morrera, ela descobrira o mundo da gastronomia, tinha publicado um livro. Estava feliz, realizada, era outra pessoa. Fiz uma crônica, claro!