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sábado, novembro 23, 2024

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O dia em que Zé Wilker parou a Editora Globo

* Por José Maria dos Santos

 

Se alguém decidir escrever um livro relatando a história da Editora Globo deverá reservar um capítulo, ou pelo menos uma página, para descrever o dia em que o ator José Wilker foi visitá-la. A empresa ficou literalmente paralisada durante as três horas ou mais em que ele percorreu as redações distribuindo autógrafos, tirando fotos e, principalmente, organizando rápidas esquetes nas quais exibia o seu talento para o pessoal.

Foi numa tarde de 1996, no pequeno prédio – três andares, se não me falha a memória – erguido no Jardim Santo Elias, em Pirituba, periferia de São Paulo, algo modesto se comparado com o atual edifício no bairro do Jaguaré, que se tornou sua nova casa em função do lançamento de Época, em 1998. Na verdade, a visita de Wilker começou a nascer em 1994, quando ele foi convidado a escrever sobre cinema – na esteira da programação da Rede Telecine – no Guia NET de Programação, hoje revista Monet –, do qual eu era diretor de Redação.

A escolha fora inspirada no seu notório saber de cinéfilo, associada à sua competência em juntar palavras para formar frases bem feitas, comprovada em vários textos dramatúrgicos. A certa altura ele mostrou o desejo de conhecer as entranhas do Guia para o qual escrevia e se convidou num telefonema. Veio do Rio especialmente.

Vamos enumerar as redações que visitou: Globo Rural, Pequenas Empresas Grandes Negócios, Globo Ciência (que ainda não fora rebatizada como Galileu), Marie Claire, Criativa, Faça Fácil, Moda/Moldes, Speak Up, divisão de quadrinhos (Turma da Mônica, Tex Willer) e divisão de livros, que reunia o precioso acervo da gaúcha Editora O Globo, então adquirida pelo plim-plim.

Não me lembro como estava o tempo naquela tarde. Mas, se choveu, com certeza foi obra de Wilker. Ele fez de tudo que um bom ídolo popular deve fazer, alimentado pelas qualidades humanas, leia-se honestidade de propósitos, que regiam seus procedimentos, como vim a descobrir ao longo da convivência. Por exemplo: sua compassividade naquele dia foi infinitamente maior do que a de Papai Noel em shopping center ou de padre ouvindo confissão de beata idosa.

Tirou incontáveis fotografias numa época em que não havia câmeras digitais e nem celular; a cada passo era soterrado pelos funcionários, inclusive os jornalistas, já despidos da sua estudada circunspecção dedicada às celebridades.

A certa altura eu sussurrei ao Wilker: “Está difícil. Quer ir para uma sala isolada?” e ele: “Olha, eu procurei isso a vida inteira. Porque vou fugir justo na hora que encontro?”. Além das atenções, a intervalos ele abria espaço para interpretar aos presentes características dos personagens que consagrou: Tiradentes, Tenório Cavalcanti, Vadinho, Roque Santeiro, o coronel Belarmino (“É justo. Muito justo. Justíssimo…”), cuja novela estava no ar, e por ai afora.

O burburinho foi de tal ordem que o saudoso Ricardo Fischer, presidente da editora, Flávio de Barros Pinto, seu braço direito, e José Roberto Nassar, diretor Editorial, se juntaram ao séquito. Por volta das seis da tarde, Wilker foi embora. Levava uma caixa contendo os 13 volumes da Comédia Humana, de Honoré de Balzac, publicada pela editora. Foi um presente praticamente imposto por ele, quando lhe foi feito o oferecimento de levar produtos da casa. – Vocês não editam a Comédia, do Balzac?, perguntara distraidamente. 

 

* José Maria dos Santos é editor e colunista no Jornal do Comércio, de São Paulo.

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