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sábado, novembro 23, 2024

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Mídia vs. redes sociais: pau que bate em Chico não bate em Francisco?

Icke (dir.) na entrevista ao programa London Real

Por Luciana Gurgel, especial para o J&Cia

Luciana Gurgel

Os riscos à saúde pública advindos das fake news relacionadas à pandemia têm elevado as pressões sobre as redes sociais, acusadas de não as coibir com a severidade necessária. Na semana passada, representantes das principais plataformas foram chamadas ao Parlamento britânico para responder sobre suas providências, em uma audiência do comitê que investiga desinformação e conteúdo perigoso.

Mas até a mídia tradicional tem sido questionada no Reino Unido por suas práticas, sobretudo ao abordar uma das mais populares notícias falsas sobre a Covid-19 a circular pelo país: a de que a radiação emitida pelas torres de telefonia 5G reduziria a imunidade e aceleraria o contágio. O boato cresceu a ponto de levar à destruição de mais de 50 torres por vândalos.

Um dos episódios mais emblemáticos a esse respeito envolveu a London Live. Ela foi alvo de um processo no órgão regulador das TVs, o Ofcom, em consequência de uma polêmica entrevista com David Icke, célebre criador de teorias conspiratórias que virou um dos principais porta-vozes dos ataques à 5G.

A emissora faz parte do grupo que é dono do popular jornal Evening Standard e também do Independent. No dia 8 de abril, dedicou 80 minutos no programa London Real a uma conversa com Icke, comunicador hábil que já foi jornalista esportivo da BBC, dando a ele um palanque para discorrer sobre os supostos riscos da 5G.

Duas semanas depois o Ofcom anunciou sanção ao canal com base no Broadcasting Code, documento que normatiza a atuação das emissoras. Mas esta semana publicou o veredito final. Decidiu não aplicar multa,  já que a London Live desculpou-se e veiculou com destaque um sumário do relatório do órgão.

Mesmo sem punição grave, o caso coloca em pauta um tema complexo: é legítimo abrir espaço para um entrevistado dar a sua opinião, mesmo sabendo-se que é inconsistente? Ou cabe ao veículo − sobretudo no caso do coronavírus − filtrar os convidados e não colocar no ar pessoas que expressem visões desprovidas de comprovação científica que possam levar o público a atos de risco?

O entendimento do Ofcom exposto no relatório foi de que o canal tinha o direito de exibir uma visão controversa, sob a ótica da liberdade de expressão. Mas pecou ao não contextualizar nem confrontar o entrevistado o suficiente durante a conversa.

Como não há evidências científicas de que a telefonia 5G tenha relação com o coronavírus, teria sido fácil dar ao público um contraponto, em vez de deixar o entrevistado falar livremente sem muita contestação.

A história da 5G também valeu reprimenda à ITV. O Ofcom julgou “ambíguo” o comentário de um apresentador do programa This Morning, capaz de levar o público a conclusões equivocadas. Sobrou ainda para um canal religioso, o Loveworld, punido por abordar a questão de forma considerada inadequada.

É interessante lembrar que o Ofcom também regula a telefonia no país. Por isso, está mais atento ao que se refere à 5G. E os ataques às torres tornaram essa teoria perigosa não apenas para a saúde. Técnicos foram agredidos por manifestantes. E há os danos materiais.

Redes sociais sem controle − Ainda que as decisões do Ofcom tenham repercutido fortemente nos meios jornalísticos, não há comparação entre os pecados da mídia tradicional e a montanha de loucuras encontradas nas redes sociais.

Durante a audiência da semana passada, a respeitada parlamentar Yvette Cooper questionou duramente a representante do YouTube. Ela usou como exemplo justamente o conteúdo sobre David Icke e suas teorias, ainda disponível na plataforma, embora o canal dele tenha sido removido.

Paradoxos assim, em que emissoras são repreendidas enquanto nas redes sociais fake news continuam no ar,  fortalecem os argumentos dos que defendem no Reino Unido controles sobre as plataformas digitais semelhantes aos que valem para a mídia tradicional. Não se sabe ainda como vai ser, mas não deve errar quem aposta em algum tipo de controle vindo por aí.

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