Morreu em 15/5, aos 79 anos, Humberto Kinjô. Formado em Jornalismo em 1961, teve seus primeiros anos de carreira ligados às organizações estudantis, chegando inclusive a participar do lançamento do jornal Movimento, da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Com o Golpe Militar de 1964, a publicação teve sua curta vida interrompida e Kinjô passou nos anos seguintes por algumas importantes redações da capital paulista, entre elas Folha de S.Paulo, como copidesque e editor, e Última Hora, também como editor.
Em 1967 foi preso pela ditadura, permanecendo sob o poder dos militares de 24 de agosto a 7 de novembro. Após conseguir um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, voltou à liberdade, mas foi julgado e condenado à revelia dois anos mais tarde, quando se viu obrigado a fugir do Brasil para não ser preso novamente.
Em janeiro de 1970 iniciava um período de 11 anos vivendo longe do Brasil, como exilado político. Seu primeiro destino foi Santiago, no Chile, primeiro país na América do Sul a eleger um socialista para sua presidência. Mas em 1973 Kinjô sentiria novamente o peso de viver sob um regime ditatorial.
Após um golpe militar em 11 de setembro daquele ano contra o presidente eleito Salvador Allende, que culminou com a sua morte e a ascensão do general Augusto Pinochet à presidência, Humberto viu-se na condição de procurado pelas forças da ditadura chilena.
Com a ajuda de um padre, ele e sua então namorada, a colombiana Marina, refugiaram-se inicialmente em um mosteiro na capital chilena, onde se casariam onze dias após o golpe. Treze dias mais tarde, foram transferidos clandestinamente para a Embaixada de Honduras, onde uma curiosa história envolvendo um “carabinero”, uma pretensa camisa do Rivellino (que na verdade era do Zé Maria) e um esquema para salvar a vida de cinco procurados pela ditadura chilena marcou para sempre a história de Humberto Kinjô.
Uma camisa que salvou vidas
Durante as primeiras semanas do Golpe Militar chileno, a sede da Embaixada de Honduras, no luxuoso bairro de Las Condes, serviu de abrigo para mais de uma centena de apoiadores do governo de Allende ou opositores ao golpe de Pinochet. Mesmo com o espaço praticamente todo ocupado, mais cinco hóspedes precisavam ser acomodados com urgência, caso contrário seriam presos, torturados e talvez até mortos pelos militares.
O problema é que, diferentemente dos primeiros dias de ocupação, quando muitos conseguiram entrar na residência sem chamar a atenção, agora a segurança no entorno da Embaixada era reforçada, já que os vizinhos que apoiavam o golpe denunciaram o caso ao governo. Cerca de dez soldados, segundo relatos, se revezavam na frente das grades da casa e passaram a fazer rondas pelas ruas próximas.
Humberto passou então a frequentar a entrada da casa e tentar, muitas vezes sem sucesso, conversar com os soldados. Após alguns dias de tentativas infrutíferas, ele conheceu um “carabinero”, como são conhecidos os membros da polícia ostensiva do Chile, que era apaixonado pelo futebol brasileiro, em especial por Rivellino, que na época era jogador do Corinthians.
Kinjô, que vinha de uma família de apaixonados pelo clube do Parque São Jorge, havia recebido menos um ano antes de seu irmão, o também jornalista Celso Kinjô, uma camisa que o lateral direito Zé Maria havia usado em uma partida contra o Palmeiras. Em conversa com o fã chileno, ele disse que a camisa, na verdade, havia sido utilizada por Rivellino, que precisou substituir Zé Maria, machucado, e por isso tinha usado o número 2 e não o 11, pelo qual ficou eternizado.
O policial acreditou na história e aceitou as condições impostas por Humberto Kinjô. No dia 21 de outubro de 1973, um domingo, a camisa cotinthiana serviu então como moeda de troca pela vida dos cinco chilenos perseguidos.
Um longo caminho de volta pra casa
Por ser colombiana, Marina conseguiu salvo-condutos para ela e Humberto voltarem ao seu país, um dos poucos lugares livres de uma ditadura na América do Sul naquele período. Por lá, ele passou a trabalhar para o Centro Interamericano de Jornalismo Científico, órgão ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA). Também atuou eventualmente como freelance para a Editora Abril.
Mas foi só em 1981, durante o período final e mais brando da ditadura no Brasil, que Humberto pôde finalmente voltar ao País. De lá para cá, passou por Editora Abril, Círculo do Livro e foi professor na Universidade de Guarulhos até se aposentar há alguns anos.
A história detalhada d’O elástico de Rivellino em Augusto Pinochet, registrada por Roberto Jardim, está disponível no site Puntero Izquierdo.