* Por Cristina Vaz de Carvalho, editora de Jornalistas&Cia no Rio de Janeiro
O cartunista, escritor e jornalista Ziraldo Alves Pinto morreu na tarde de sábado (6/4), em casa, no bairro da Lagoa, no Rio de Janeiro. Tinha 91 anos e a causa da morte foi falência múltipla dos órgãos. Depois de sofrer AVC por três vezes, estava acamado e não levava vida pública por recomendação médica. O velório foi na manhã de domingo (7/4) no Museu de Arte Moderna, e o sepultamento, à tarde, no Cemitério São João Batista. Deixa viúva sua segunda esposa e três filhos do primeiro casamento.
Mineiro de Caratinga, a família se mudou para Belo Horizonte por iniciativa da mãe, sob o argumento de que “o céu de Caratinga era muito baixo”. Em entrevista, Ziraldo comentou que ela intuía o “baixo astral”. Formou-se em Direito, mas desde sempre demonstrou a inclinação para o desenho. Filiado ao PCB, mais tarde optou pelo PSol.
Nos anos 1950, passou a colaborar com o jornal Folha de Minas. Daí, passou às revistas A Cigarra e O Cruzeiro, dos Diários Associados. Na década seguinte, já no Rio, trabalhou no Jornal do Brasil, com charges políticas e cartuns. Dessa época são os personagens para adultos Jeremias, o Bom, Supermãe e Mineirinho. Em 1960, lançou A Turma do Pererê, primeira revista em quadrinhos brasileira de um único autor. Tinha a selva como cenário, e o mitológico Saci Pererê liderando um grupo com crianças indígenas e animais de nosso folclore. A revista foi publicada até 1964.
É de 1969 o início da publicação do semanário O Pasquim. Com foco na contracultura e na oposição ao regime militar, teve entre seus fundadores e diretores a chamada “turma do Pasquim”.
Além de Ziraldo, nela estavam Jaguar, Tarso de Castro e Sérgio Cabral, Millôr e Luiz Carlos Maciel, Henfil, Paulo Francis, Ivan Lessa e Ruy Castro, além de outros notáveis do jornalismo nacional. Maior fenômeno editorial do País, começou com modestos (para a época) 20 mil exemplares e, em seis meses, atingiu mais de 250 mil.
A decretação do AI-5, no mesmo ano, e a consequente instauração do período mais sombrio da ditadura, levou à prisão a maior parte da redação do Pasquim. Ziraldo foi preso em casa e levado para o Forte de Copacabana. A expectativa de que o jornal deixasse de circular não se concretizou. O remanescente da redação recrutou novos colaboradores entre intelectuais brasileiros, e a circulação cresceu. O Pasquim vendia em bancas mais do que as revistas Veja e Manchete somadas. Por suas críticas ao regime, Ziraldo foi preso três vezes.
Como autor de livros – histórias aparentemente para crianças, que cativavam também os adultos –, Ziraldo começou com O menino maluquinho, de 1980. Inicialmente uma revista em quadrinhos, logo se tornou um livro de grande repercussão: vendeu quatro milhões de exemplares, foi adaptado para o cinema e a TV. A este seguiram-se Flicts, um clássico; O bichinho da maçã (na série, Cada um mora onde pode) e mais de 20 livros, alguns títulos desdobrados em séries. Deles, Menina Nina: duas razões para não chorar foi escrito e ilustrado para sua neta, após a morte da avó.
Versátil, continuou a colaborar com diversas publicações, criou cartazes e marcas publicitárias, descritos por Márcio Ehrlich. Em 1999, lançou a revista Bundas, uma sátira ao mundo das celebridades exposto na revista Caras.
Premiado com o Jabuti de Literatura, ganhou ainda o Internacional do Humor no Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas, Bélgica; o italiano Andersen − Il mondo dell’infanzia; o Ibero-americano de Humor Gráfico Quevedos, do governo espanhol. Suas ilustrações figuraram em publicações internacionais como as revistas Private Eye, da Inglaterra; Plexus, da França, e Mad, dos Estados Unidos. Em mais de seis décadas de carreira, teve os livros traduzidos para vários idiomas.
Nelson Motta assim definiu o homem de múltiplos talentos – jornalista, cartunista, chargista, escritor, pintor: “um patrimônio cultural brasileiro”.