Por Luciana Gurgel
Manter as mudanças climáticas na pauta da mídia não deveria ser tão difícil, diante de catástrofes atribuídas ao aquecimento global cada vez mais frequentes e recordes de calor no mundo − mas as TVs americanas parecem discordar.
É o que sugere uma pesquisa feita pela Media Matters For America, organização que pesquisa desinformação na mídia e analisou o noticiário de 2023.
No ano mais quente já registrado na história, as principais redes de televisão dos EUA − ABC, CBS, NBC e Fox News − reduziram sua cobertura climática em 25%, depois de avanços em 2021 e 2022.
A queda reduz o que já era pouco. Mesmo nos bons tempos, as mudanças climáticas representavam apenas 1% do total da cobertura televisiva. Em 2023, o total foi inferior a 1%.
Os resultados são impressionantes no segundo maior emissor de gases de efeito estufa. E que assumiu o compromisso de reduzir pela metade suas emissões até 2030, meta que deveria estar sendo cobrada pela imprensa. Pelo menos nas TVs, não é o que está acontecendo.
E não é por falta de oportunidade. A possibilidade da volta de Donald Trump à Casa Branca pode mudar os rumos da política ambiental. Analistas apontam o risco de que ele desfaça o que Joe Biden tentou consertar depois de seu primeiro mandato, voltando a apoiar combustíveis fósseis e a flexibilizar regulamentações que reduzem as emissões.
Mas esse ângulo da disputa eleitoral não entrou no radar das TVs americanas em 2023, quando a campanha de Trump já estava na rua.
O volume de cobertura de mudanças climáticas nos noticiários matinais e noturnos e nos programas políticos dominicais recuou 25% entre 2022 e 2023, de quase 23 horas para pouco mais de 17, distribuídas por 435 segmentos (reportagens, entrevistas ou comentários).
Combustíveis fósseis fora da pauta
Apenas 12% deles (52) mencionaram o termo “combustíveis fósseis”. Houve aumento em relação a 2022. No entanto, é preocupante que o tema principal das negociações da COP28, realizada em Dubai em dezembro de 2023, tenha aparecido tão pouco na televisão dos EUA, que influenciará o voto de boa parte dos eleitores.
Quem se informa pelos telejornais noturnos da ABC, CBS e NBC ficou ainda mais desinformado do que a média. Nelas, a atenção às mudanças climáticas recuou 36% em relação a 2022. Os produtores da manhã são os menos interessados no tema: nesse horário, o clima foi mencionado em 23% das matérias.
Pelo terceiro ano seguido, segundo a Media Matters, a CBS ultrapassou as concorrentes na cobertura da crise ambiental, respondendo por 42% do noticiário sobre o assunto. A ABC foi a que menos cobriu o tema. A NBC foi a que mais se afastou dele em relação a 2022.
O estudo comprova ainda que o clima entra na pauta das TVs impulsionado por grandes acontecimentos, e não por ser considerado um tema de relevância que deve ser abordado de forma regular.
Eventos climáticos extremos pautaram 37% da cobertura. Entre junho e setembro, quando foram mais severos nos EUA, representaram 54% da cobertura total, com pico em julho, o mês mais quente já registrado no país.
Impactos da mudanças climáticas não relacionados aos eventos extremos em áreas como agricultura, natureza e economia foram tratados em somente 29% das reportagens.
Outra revelação é que o jornalismo de soluções, visto como tábua de salvação para reverter a fadiga de notícias e a ansiedade climática − que indiretamente ajuda a afastar o público do jornalismo −, não foi incorporado às TVs americanas. A pesquisa encontrou 22% do conteúdo apresentando ações para combater a crise.
E quem é mais credenciado para falar sobre o clima? Para as TVs americanas, são os homens brancos. Eles foram personagens em 52% do conteúdo, como entrevistados ou debatedores. Mulheres brancas foram 36%, e as não-brancas apenas 10%.
Se esse quadro não mudar em 2024, o público médio americano, que ainda tem a TV como importante fonte de notícias e confia nela mais do que em redes sociais, terá pouca informação sobre o que pode acontecer com a política climática de seu país e os efeitos sobre os cidadãos comuns na hora de definir seu voto para presidente da república. E o fará sob a perspectiva de pessoas que não representam o conjunto da população mais afetada.
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