Por Luciana Gurgel, especial para o J&Cia
Com a pauta da imprensa dominada pelo coronavírus, coisas importantes vão ficando em segundo plano, incluindo as comemorações pelo Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março. Aproveitando a data, o Instituto Reuters da Universidade de Oxford publicou um trabalho sobre desigualdade de gênero nas redações. Vale fazer uma pausa na leitura sobre a pandemia e observar os resultados.
O estudo chama-se Women and Leadership in the News Media. Foram pesquisados 200 veículos online e off line (TVs, rádios e impressos ) selecionados entre os de maior audiência em dez países, dentre eles o Brasil. Concluiu que mulheres representam 40% da força de trabalho no jornalismo, mas ocupam apenas 23% dos cargos equivalentes a editor-chefe.
O Instituto destaca o Brasil como país em que o número de mulheres nas redações ultrapassa o de homens, mas ainda assim eles detém a maioria das posições de liderança editorial. Ficamos em sexto lugar entre os dez pesquisados.
Podia ser pior. No Japão, nenhum dos veículos avaliados tem uma mulher em cargo de chefia. Já na África do Sul o percentual é de 47%, com oito mulheres como editoras. Nenhum dos países analisados tem mais mulheres do que homens no comando.
Organizações offline, geralmente mais antigas e tradicionais, são as que contam com mais homens na liderança − apenas 14% são mulheres. Já nos veículos online o quadro se inverte. A presença delas é duas vezes e meia maior, chegando a 37%.
O que acontece nas redações não espelha necessariamente a situação do país em igualdade de gênero. A pesquisa descobriu que países como Alemanha e Coreia do Sul, que figuram bem no ranking das Nações Unidas, têm poucas mulheres como editoras.
Os autores observam que o jornalismo tem sua própria dinâmica interna em relação a progressão de carreira.
Refletindo experiências pessoais − E faz diferença se o profissional que edita é homem ou mulher? Para muitos especialistas, sim. O Instituto Reuters cita outros estudos tratando desse aspecto e defende a tese de que há uma importância simbólica e também de ordem prática.
Segundo o relatório, editores tomam decisões relevantes diariamente, que são influenciadas pelas suas experiências pessoais. Uma cobertura com olhar feminino seria capaz de espelhar melhor a sociedade em questões relativas às mulheres.
O tema da participação das mulheres no jornalismo não é novo e vem sendo observado no Reino Unido há anos. Um dos mais abrangentes estudos foi feito por pesquisadores da Universidade de Stirling em 2016. Women, men and news: it’s life, Jim, but not as we know it, mostra a disparidade de gênero nas redações britânicas e nas páginas dos jornais.
Assim como no Brasil, as escolas de jornalismo do país, segundo essa pesquisa, formam mais mulheres do que homens. Mas barreiras diversas impedem que elas avancem na carreira como os colegas.
A questão do uso de mulheres como fontes também tem sido alvo de atenção no Reino Unido. Em setores como finanças e política a tendência sempre foi ouvir profissionais homens.
Vários veículos implantaram programas para equalizar opiniões femininas e masculinas. A iniciativa representa uma oportunidade para mulheres ganharem visibilidade e também aumenta a empatia com as leitoras.
Mudanças à vista − Esforços para equilibrar a presença masculina e feminina no comando de organizações de mídia começam a gerar frutos. Dois notáveis exemplos recentes vieram do Financial Times e do The Times.
Desde janeiro o comando do periódico de finanças está nas mãos de Roula Khalaf. É a primeira mulher a ocupar o cargo.
Também em janeiro, Emma Tucker assumiu a chefia do The Sunday Times. Mas ao contrário da colega, não é pioneira. Entre 1893 e 1901 Rachel Beer, nascida na India, liderou a edição dominical do jornal. Demorou mais de 100 anos, mas finalmente chegou de novo a vez de uma jornalista.
Em tempos tão sombrios, pelo menos uma boa notícia.