* Por Fernando Soares, com colaboração de Mariana Ribeiro e Georgia Aliperti O que se viu nos primeiros dias dos protestos em São Paulo foi uma certa indiferença, carregada de desconfiança, tanto por grande parte da sociedade quanto pela imprensa, que aparentemente via as manifestações como um movimento que em nada se diferenciava de tantos outros já realizados na Cidade. Apenas no terceiro dia do protesto (11/6), quando houve violência de parte a parte, entre manifestantes e polícia, foi que a imprensa abraçou a cobertura com vigor. Ao dar manchetes aos estragos causados por malfeitores travestidos de manifestantes, generalizando as acusações, vários veículos foram alvo de críticas e protestos nas redes sociais. A Folha de S.Paulo foi inicialmente um dos principais alvos, após sua capa do dia seguinte ao protesto (12/6) estampar a manchete Contra tarifa, manifestantes vandalizam centro e Paulista, e também publicar na mesma página a chamada para um texto a respeito das manifestações da Turquia com o título Polícia da Turquia reprime ativistas em praça de Istambul. Essa postura, também adotada por outros veículos, foi tema da crítica publicada no último domingo (16/6) pela ombudsman Suzana Singer. No artigo Faroeste Urbano (http://bit.ly/19FYyck) ela afirma: “De fato, Folha, Estado e Jornal Nacional só tinham olhos para a destruição provocada pela turba. Não há dúvida de que a notícia principal era o ânimo incendiário de parte dos ativistas, mas o erro foi ter generalizado. Não se dimensionou qual era a parcela dos manifestantes que estava ali apenas para depredar nem se deu o devido destaque aos demais”. No artigo Redes sociais, boatos e jornalismo (http://bit.ly/11lf0u8), publicado nesta 3ª.feira (18/6) no Observatório da Imprensa, a professora da Universidade Federal Fluminense e autora do livro Repórter no volante Sylvia Debossan Moretzsohn também corrobora a crítica em relação à postura inicial da imprensa, que segundo ela “forneceu mais um estímulo a quem propõe o abandono da ‘velha mídia’ em nome das redes sociais”. Em seu texto ela afirma: “De fato, os episódios dos últimos dias deixaram claro, mais uma vez, que a grande imprensa elege um lado, distorce os fatos, silencia as vozes dissonantes e, diante das evidências – as cenas de barbárie da quinta-feira (13/6), em São Paulo –, tenta atabalhoadamente correr atrás do prejuízo, sem entretanto conseguir livrar-se do jornalismo meramente reativo e declaratório: não consegue ser crítica às fontes oficiais, apenas reverbera seus discursos, mesmo os mais estapafúrdios, como o que assevera não ter havido excessos na repressão aos protestos no Maracanã, no domingo (16/6), ou o que informa sobre o cadastramento de jornalistas para as próximas manifestações, que usariam coletes de identificação – algo impensável mesmo em tempos pré-internet, quando o número de meios de comunicação era infinitamente menor”. Dois dias depois, a mesma Folha de S.Paulo teve sete de seus repórteres feridos durante a cobertura do quarto dia dos protestos, dois deles, Giuliana Vallone e Fábio Braga, atingidos por balas de borracha na região do rosto. Outro caso grave registrado no mesmo dia foi do repórter fotográfico Sérgio Silva, da Futura Press, que foi atingido também por uma bala de borracha no olho e corre risco de perda de visão. A mudança na postura da publicação foi imediata, mas defendida por Suzana também em seu artigo do último domingo, explicando não ter sido a violência sofrida por seus repórteres que fez o jornal mudar sua postura em relação à cobertura dos eventos: “Essa acusação, de corporativismo, é injusta. A edição refletiu uma passeata diferente das anteriores, na qual os militantes estavam incrivelmente bem-comportados e a polícia, muito mais agressiva”. E foi essa agressividade da polícia registrada na última 5ª.feira que, além de gerar material suficiente para subir índices de audiência para vários veículos, também se transformou no dia mais duro para a atuação da imprensa, que naquele momento já dava mais visibilidade e acompanhava as manifestações em maior número. Antes mesmo de ter início a passeata, que saiu das escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, o repórter da CartaCapital Piero Locatelli foi preso por carregar vinagre em sua mochila. A atitude truculenta da polícia foi filmada pelo próprio repórter e se viralizou (http://bit.ly/1a9HwSE), tanto que essa onda de protestos que mais tarde chegou a várias cidades do Brasil tem sido apelidada ironicamente por alguns internautas como “Revolta do Vinagre”. Abadá da bala Também nesse dia foram registradas algumas imagens de ataques à imprensa, que provocaram impacto e alguma comoção. Em uma delas, policiais miram e atiram contra um grupo formado por jornalistas que cobriam o confronto no cruzamento da avenida Consolação com a rua Maria Antônia (http://bit.ly/1522pJP). Mesmo com os gritos em que os profissionais se identificavam como da imprensa, vários tiros foram disparados contra os repórteres. Com um saldo de 15 profissionais feridos e três detidos, a Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos do Estado de São Paulo, em reunião com associados, decidiu pela distribuição de coletes para o próximo dia de confronto, tendo em vista a segurança de seus profissionais. Horas antes do quinto dia de protesto, nesta 2ª.feira (17/6), cerca de 70 vestes da cor azul foram distribuídas para associados e não associados da entidade, número que acabou sendo pequeno diante da grande quantidade de fotógrafos que compareceram para cobrir a manifestação. “É uma atitude vergonhosa ter que usar colete para diferenciar o profissional, mas foi uma decisão tomada em conjunto com os associados para que os policiais não tenham a desculpa de que não sabiam que éramos profissionais trabalhando. Não sou a favor dessa iniciativa, mas a decisão respeitou a vontade da maioria dos associados”, explicou o presidente da entidade Inácio Teixeira. A mesma sugestão chegou a ser feita pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo aos jornalistas em geral, mas foi prontamente rechaçada. “O Governo do Estado ofereceu coletes mas os jornalistas recusaram, inclusive os apelidando de ‘abadá da bala’, nome que eu acho bastante adequado. Não é possível que jornalista tenha que usar colete para o policial saber em quem ele mira e atira”, comentou o editor da CartaCapital Lino Bocchini. Aos profissionais da TV Record foram oferecidos coletes à prova de bala. “A recomendação de uso foi da nossa Chefia de Reportagem, mas não recebemos nenhuma preparação especial para cobrir essa manifestação”, disse Nathália Cury, repórter do Hoje em Dia. Darlisson Dutra, repórter do SBT, contou que por lá a preparação foi baseada em informações dos próprios colegas jornalistas: “O Ricardo Antunes, nosso cinegrafista, foi atingido por spray de pimenta na última manifestação. A foto dele, inclusive, circulou pela internet, mas ele está bem e pôde continuar seu trabalho normalmente. Então, hoje nós trouxemos máscaras e óculos de proteção para um eventual conflito”. Apesar da preocupação de novos problemas com a polícia, os protestos desta 2ª.feira foram mais tranquilos para a atuação da imprensa. A exceção ficou para as equipes da TV Globo. E, nesse caso, a culpa não foi da polícia. Os próprios manifestantes que se concentravam no Largo da Batata quiseram expulsar o repórter especial Caco Barcellos e a equipe de seu Profissão Repórter do local enquanto eles tentavam entrevistar algumas pessoas. Caco e os repórteres Valéria Almeida, Danielle França, Daniel Paranayba e Newman Costa foram cercados pelos manifestantes que bradavam palavras de ordem contra a emissora carioca. O refrão “o povo não é bobo / abaixo a Rede Globo”, que marcou época com os caras-pintadas de 1992, foi o mais ouvido também agora em 2013. Os gritos, porém, em momento algum foram nominais ao repórter. Após cerca de 20 minutos de confusão, a equipe se dispersou, mas não desistiu da pauta. Um outro repórter da emissora, que não quis se identificar, disse que a reação de manifestantes contra a Globo é comum, mas que nunca havia visto algo tão agressivo. Já Caco afirmou que fazia parte de seu trabalho passar por esse tipo de situação. Em um segundo momento, alguns repórteres da Globo que também cobriam o evento retiraram os cubos de identificação de seus microfones para conseguir produzir suas matérias. Mea culpa No Jornal Nacional desta 2ª.feira, a âncora Patrícia Poeta chegou a comentar as críticas feitas pelos manifestantes à emissora: “A TV Globo vem fazendo reportagem sobre as manifestações desde o seu início e sem nada a esconder. Os excessos da polícia, as reivindicações do Movimento Passe Livre, o caráter pacífico dos protestos e quando houve depredações e destruições de ônibus. É nossa obrigação e dela não nos afastaremos. O direito de protestar e se manifestar pacificamente é um direito dos cidadãos”. Um dos motivos que levou aos protestos contra a emissora foi uma análise veiculada no Jornal da Globo em 12/6, em que o colunista Arnaldo Jabor fez duras críticas aos manifestantes do Movimento Passe Livre, comparando-os ao PCC e chamando-os de ‘filhinhos de papai’ e ‘revoltosos de classe média’ (http://bit.ly/15ZzyIx). Cinco dias mais tarde, o colunista veiculou na CBN a coluna Amigos, eu errei. É muito mais do que 20 centavos (http://glo.bo/14cYBXr), em que faz um mea culpa por sua posição inicial em relação aos protestos. Ainda assim, a postura de Jabor foi criticada por grande parte dos manifestantes e também por alguns profissionais da imprensa. Em post publicado no Diário do Centro do Mundo, Kiko Nogueira comenta o caso. “O colunista Arnaldo Jabor fez um dos mea culpa mais espetaculares na história do jornalismo mundial, notável em dois aspectos: pela convicção e truculência do primeiro comentário, devidamente renegado; e pela velocidade da mudança de ideia”. Mas os protestos não se restringiram à TV Globo. Também foram alvo dos manifestantes a revista Veja, que teve sua conta no twitter e de seu redator-chefe Lauro Jardim hackeadas; e, no caso mais emblemático, o apresentador do Brasil Urgente José Luiz Datena, da Band, criticou duramente a manifestação e fez uma pesquisa ao vivo perguntando se a população era a favor daquele tipo de protesto. Ao notar que a maioria das pessoas que respondiam à enquete se diziam favoráveis, visivelmente desconfortável, o apresentador ainda comentaria ao vivo: “Será que formulamos mal a pergunta: Você é a favor de protesto com baderna?…Faça a pergunta do jeito que eu pedi, por favor”. O resultado foi ainda mais discrepante, com mais que o dobro de pessoas respondendo que sim, em relação aos contrários ao protesto. Na marcha desta 2ª.feira, em São Paulo, foi possível ver manifestantes com placas criticando o apresentador e uma delas desafiava: “Datena, faz mais uma enquete”. Nesta 3ª.feira (18/6) o trabalho voltou a ficar complicado para parte da imprensa, principalmente para as equipes da TV Record, que teve um caminhão link incendiado e alguns de seus profissionais atacados por um grupo exaltado de manifestantes. Minutos após o ataque, a apresentadora e repórter Rita Lisauskas postou na sua conta no twitter a seguinte mensagem: “Jogaram vinagre nos meus olhos, não deixaram eu entrar ao vivo direito e ouço todos os xingamentos possíveis. Fogo no carro da Record. Triste”. Em comunicado emitido poucas horas após o ataque, a emissora informou que todos seus profissionais que ali trabalhavam escaparam ilesos da cobertura dos protestos. “A grande maioria dos manifestantes já tinha deixado o local em passeata. Por isso, a Record tem a certeza de que foi atacada por uma minoria de vândalos. Antes que o carro saísse, um grupo atacou o veículo com pedras e depois colocou fogo nos equipamentos”, informou o comunicado. “Eu me solidarizo aos profissionais da Record. Os repórteres estão sendo agredidos durante as manifestações como se fossem os culpados. Nós é que estamos dando a possiblidade desse movimento aparecer”, comentou Jorge Pontual durante transmissão ao vivo da GloboNews na noite desta 3ª.feira (18/6). Por falta de segurança na região, jornalistas chegaram a se abrigar na Secretaria de Segurança Pública. Sindicato – Por causa das agressões e prisões registradas na cobertura das manifestações em São Paulo, a direção do Sindicato dos Jornalistas está convidando os profissionais agredidos pela Polícia Militar para uma reunião nesta 5ª.feira (20/6), às 11h, na sede da entidade (rua Rego Freitas, 530 – sobreloja). O Sindicato informa estar à disposição para eventuais ações individuais e coletivas solicitando indenização por danos físicos, morais e materiais. Mais informações em 11-3217-6299. Jornalismo colaborativo – Diante da onda de protestos e do desencontro de informações nas redes sociais, um grupo de 30 a 40 repórteres que já vinham se reunindo havia alguns meses aproveitou a oportunidade para dar forma ao projeto Repórter da Internet. Com presença nas principais redes sociais, a iniciativa busca valer-se de todas as facilidades criadas pelas novas tecnologias para fazer uma cobertura confiável e independente dos acontecimentos, a fim de servir de contraponto à boataria que nesses momentos inunda as redes sociais. “Durante os protestos nos dividimos, com alguns profissionais na rua e outros na central, e ali recebíamos as informações e as replicávamos. A intenção era fazer algo diferente da imprensa e ao mesmo tempo mais confiável do que os relatos na internet”, explica um dos integrantes do grupo que, em nome de manter o foco no grupo e no trabalho coletivo que realizam, prefere não se identificar. Em cinco dias, a página do serviço no facebook (facebook.com/ReporterDaInternet) já conta com mais de 2.500 assinantes. A iniciativa também está presente no twitter (@repdainternet), instagram (reporterdainternet) e youtube (/Reporterdainternet).