Por Luciana Gurgel
O ano mal começou, mas três primeiros-ministros que entraram em 2022 enredados em crises devem estar torcendo para que ele acabe.
Dois estão no cargo: Scott Morrison, da Austrália, e Boris Johnson, do Reino Unido.
O terceiro é Tony Blair, que liderou a Grã-Bretanha de 1997 a 2007 e desfrutava de prestígio até ganhar um presente de grego: uma indicação de Elizabeth II para receber a Ordem do Império Britânico, que virou onda de reprovação por sua conduta na Guerra do Iraque.
Uma petição contra o futuro “Sir Tony” bateu 1 milhão de assinaturas, colocando em questão se não teria sido melhor abrir mão da honra logo que a bola de neve começou a crescer.
A bem da verdade, Blair e Scott Morrison entraram nas crises involuntariamente, engolfados por situações que não criaram − mas que talvez pudessem ter administrado melhor para mitigar os danos potenciais.
Não foi o caso de Boris Johnson, que abusou da sorte com atos de alto risco de má percepção em uma floresta hostil, habitada por desafetos políticos e por uma imprensa astuta, cujas bombas são amplificadas pelas redes sociais.
A bola fora de Scott Morrison
O primeiro-ministro australiano foi alvejado pelo tenista número 1 do mundo ao endurecer o jogo bloqueando a entrada do antivacina Novak Djokovic no país.
A decisão de comprar a briga não deve ter ido fácil para os assessores.
Se Morrison não enfrentasse o adversário, seria devorado pelos australianos revoltados com regras frouxas para uma celebridade depois de terem vivido um dos piores lockdowns da pandemia.
Tendo resolvido enfrentar, anunciando pessoalmente no Twitter o cancelamento do visto, saiu chamuscado pela derrota inicial no tribunal, quando um juiz reverteu a ordem por considerar válidos os documentos provando que ele tinha testado positivo para a Covid e por isso estaria imunizado.
A situação que pode até mudar, depois de o tenista admitir (na quarta-feira) que não informou à imigração que tinha viajado a outros países antes de seguir para a Austrália.
Ganhando ou perdendo a batalha nos tribunais, o imbroglio deixará sequelas.em um momento sensível, pois a Austrália vai às urnas ainda neste primeiro semestre.
Scott Morrison tenta a reeleição com a popularidade − conquistada no início da pandemia − em queda livre.
Ela havia dobrado em um ano − de 29% para 54%, em meados de 2020. A pesquisa mais recente do Ipsos, de novembro, registrou declínio de 12 pontos percentuais.
As próximas pesquisas − ou as urnas − mostrarão o efeito Djokovic.
Boris, atingido por quatro letras: BYOB
Já Boris Johnson não foi surpreendido por um antivacina que desembarcou em seu território.
A imagem do ex-jornalista que virou político − e sabe como funcionam as coisas ali − vem sendo corroída há semanas por notícias sobre doações mal explicadas para obras em sua residência oficial e encontros proibidos em Downing Street 10 durante o lockdown.
Tudo vinha sendo justificado como encontros de trabalho, sem que o primeiro-ministro tivesse participado de nada que não fosse profissional.
Até que veio a famigerada sigla: BOYB, de Bring Your Own Booze (traga sua própria bebida), a cereja do bolo do “Partygate”.
Ela estava em um e-mail enviado a mais de 100 destinatários por Martin Reynolds, seu secretário pessoal, e revelado pela ITV.
Era um convite para um encontro aproveitando o “lovely weather” em 20 de maio de 2020, quando o país chorava por internados, mortos e prejuízos de uma pandemia descontrolada.
Não tem como ser tratado como trabalho nem pelo mais cara de pau dos assessores. Pior: o primeiro-ministro e a mulher estariam lá.
O tamanho da corrosão de Johnson foi medido por uma pesquisa do Instituto YouGov para a Sky News. Pela primeira vez em sua gestão, mais da metade da população (56%) acha que ele deve renunciar e 17% não têm certeza, restando apenas 27% ainda confiantes em sua liderança.
Nesse dia, todas as capas dos principais jornais britânicos estamparam o mesmo assunto.
Na quarta-feira (12/1), ele enfureceu mais ainda o país e seu próprio partido ao dar desculpas esfarrapadas no Parlamento, como a de que não tinha se dado conta de que o encontro com queijos e vinhos no qual foi fotografado era uma atividade social proibida. Elevou à estratosfera as pressões por renúncia.
Novak, o no-vaxx
Mas se há um ganhador entre os perdedores da semana ele se chama Novak Djokovic, mesmo que a Austrália acabe cassando o seu visto.
Além de herói dos anti-Morrison e dos sérvios − que se reuniram em Melbourne com bandeiras do país e bandas de música folclórica −, Djokovic entrou de vez para o panteão dos heróis antivacina, dando uma ajudinha providencial aos que insistem em desafiar a ciência.
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