Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Com a invasão da Ucrânia perto de completar seu primeiro aniversário, seria natural que o presidente do país invadido contasse com mais simpatia do que Vladimir Putin, um líder cuja reputação que já não era boa só fez piorar em um ano de guerra.

Mas o ex-ator e produtor artístico Volodymyr Zelensky foi além da simpatia, consolidando-se como um verdadeiro ídolo pop em escala global.

Ao manejar com perfeição as armas da guerra de relações públicas, ele encantou líderes globais, engajou celebridades, adotou símbolos como a camisa verde remetendo a trajes militares e criou uma plataforma de doações ancorada em sua própria figura.

Nesta quarta-feira (8/2) ele parou a política do Reino Unido com uma visita-surpresa, recebido na porta do avião pelo primeiro-ministro Rishi Sunak, aplaudido de pé no Parlamento e visitando o rei Charles no Palácio de Buckingham.

Na semana passada, o ator Mark Hamill, que interpreta o herói Luke Skywalker em Star Wars, anunciou que vai leiloar cartazes de Star Wars autografados para ajudar a comprar mais drones para a Ucrânia.

Os equipamentos servem para monitorar a atividade do exército russo e para ataques, no melhor estilo guerra nas estrelas, só que no mundo real.

Convidar o ator para o “papel” é mais um lance inteligente de um plano de comunicação bem organizado.

Hamill já estava ao lado de Zelensky desde 2022, quando se tornou embaixador do programa Exército de Drones e emprestou a voz para a versão em inglês do aplicativo da plataforma de doações United24.

Angariar doações é necessário em um país com cidades devastadas. Mas a forma como a plataforma foi estruturada revela a estratégia de utilizar Zelensky como elemento central no programa de comunicação ucraniano.

Ao entrar no site, o visitante encontra uma foto do presidente com roupa militar e a frase “a iniciativa do presidente da Ucrânia”. Não há destaque para imagens de pessoas atingidas pela guerra ou de cidades destruídas. É Zelensky na veia.

Em um balanço dos nove meses completados esta semana, a United24 diz ter arrecadado US$ 278 milhões para ajuda médica, reconstrução e defesa.

Uma página lista os itens adquiridos com as doações, a maioria para equipar o exército. A coluna da reconstrução está vazia, com uma nota informando que foram coletados US$ 14 mil e que os trabalhos começarão “em breve”.

Talvez para neutralizar críticas sobre a destinação dos fundos, o site exibe uma declaração do historiador e professor de Yale Timothy Synder, embaixador do programa de drones Shared Hunter, autor de livros e cursos sobre a Ucrânia. Ele diz ser sua intenção futura colaborar para restaurar escolas, universidades e bibliotecas, mas neste momento é preciso fazer o mais urgente: angariar recursos para “ajudar a Ucrânia a se defender dos drones assassinos”, uma narrativa em linha com o discurso de Zelensky.

O profissionalismo na gestão das marcas Ucrânia e Zelensky não parece acaso.

Em 2003 ele fundou com amigos a produtora Kvartal 95 e construiu uma carreira respeitada como diretor artístico de programas de entretenimento. Uma das produções foi Servant of the People, que o ajudou a chegar à Presidência com 73% dos votos em 2019.

A mulher, Olena, era roteirista da produtora. O casal entende de narrativa. Ela também anda pelo mundo participando de eventos para garantir apoio à Ucrânia invadida.

O resultado se traduz em números. Uma pesquisa do Instituto de Sociologia de Kiev revelou em dezembro que 84% dos ucranianos confiam em Zelensky, três vezes mais do que no ano anterior.

Também em dezembro, a empresa de pesquisas britânica YouGov listou o presidente da Ucrânia como o segundo político estrangeiro mais admirado no país, com 62% de aprovação, perdendo apenas para Barack Obama.

Zelensky tem obstáculos a contornar. O recente escândalo de corrupção no exército, que culminou com afastamento de chefes militares, é uma preocupação para quem se elegeu com discurso anticorrupção.

Sua nova lei de mídia irritou organizações de defesa da liberdade de imprensa, que viram risco de censura a jornalistas e veículos críticos.

Por enquanto, nada disso “grudou” nele. O capital de imagem acumulado no primeiro ano da guerra será valioso para neutralizar os atuais e futuros problemas.


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