Por Luciana Gurgel
As grandes redes sociais passaram 2021 apanhando por problemas como critérios de moderação, denúncias sobre males causados a jovens e descontrole sobre as fake news, principalmente no ano crítico das vacinas contra a Covid.
Enquanto isso, serviços de mensagem como WhatsApp e Telegram e plataformas de games e de áudio foram mencionados aqui e ali em alguns relatórios como ambiente de desinformação, mas conseguiram escapar dos holofotes.
Em 2022 a história começou diferente.
A crise do Spotify depois da confusão armada por Neil Young em protesto contra o podcast do comediante Joe Rogan tem o potencial de chamar a atenção para o que poucos estão observando.
Ao tirar canções gigante de áudio, abrindo mão de dinheiro e visibilidade, Young foi na contramão de outro astro, Eric Clapton.
Em 2021, o guitarrista virou objeto de críticas ao lançar uma canção antivacina e anunciar que não faria shows em locais que exigissem passaporte de imunização.
Não teve muito apoio no mundo artístico, ao contrário do que aconteceu com Young, logo seguido por seus companheiros de banda, David Crosby, Stephen Stills e Graham Nash, e por Joni Mitchel.
Liberdade de expressão?
Nesse debate, as redes sociais apoiam-se na tese da liberdade de expressão, invocada regularmente por Facebook eTwitter para justificar decisões polêmicas de moderação.
Só tem um problema: a tese não se sustenta. O podcast de Rogan, comprado por uma fortuna pelo próprio Spotify, não expressa opinião, assim como outros similares que habitam a plataforma. Ele afronta o consenso cientifico validado por estudos das maiores universidades do mundo e pela OMS.
O reality check da BBC destacou quatro barbaridades sustentadas por Rogan e seus convidados que ajudam a explicar a recusa de muita gente em tomar a vacina. A audiência do programa é estimada em 11 milhões de pessoas.
Ao deixar Neil Young sair em vez de remover Rogan, o Spotify arriscou sua reputação, dando elementos aos que atribuem a decisão ao interesse comercial, sem responsabilidade perante a sociedade.
Talvez o episódio jogue mais luz sobre a necessidade de controle sobre o que se alastra discretamente em mídias digitais menos visadas, como áudio, serviços de mensagem e games.
Um estudo publicado semana passada pela Royal Society de Londres salienta esse ponto. O trabalho diz que a solução para a desinformação científica não está apenas em derrubar postagens com fake news, e sim em expor internautas a fatos para neutralizar teorias conspiratórias. E afirma que o perigo maior mora no submundo dos aplicativos de mensagens.
Games, porta de entrada no radicalismo
Outro flanco são os jogos. Em 2021 o ISD (Institute for Strategic Dialogue), do Reino Unido, mapeou o uso de plataformas de games pela extrema direita para propagar neonazismo e discriminação de muçulmanos, por meio das comunidades de jogadores.
Por ali também circulam fake news distantes do radar de quem apenas olha para Instagram, Facebook, Twitter e TikTok.
E com alcance poderoso: o ISD afirma que a indústria de games supera a da música e do cinema, com mais de 2,8 bilhões de jogadores no mundo.
O Substack é mais um canal que vem despertando atenção de organizações preocupadas com fake news.
A ONG britânica Center for Countering Digital Hate lançou na semana passada uma campanha denunciando lucro de pelo menos 2,5 milhões com apenas cinco newsletters de figuras carimbadas do negacionismo, como Joe Mercola e o ex-repórter do New York Times Alex Berenson, enxotado do Twitter em 2021.
O Substack fica com 10% e os autores garantem 90%, todos enriquecendo com a desinformação.
Por enquanto, o movimento contra o Substack é restrito, e ele não tem a popularidade do Spotify para ganhar manchetes pelo mundo.
Já o streaming de áudio está mais exposto, por suas dimensões planetárias. A plataforma pode não perder receita significativa se deixar alguns talentos partirem, mas pode perder em reputação.
E reputação vale dinheiro, o que é atestado pela queda no valor das ações do Spotify depois do episódio. Investidor não gosta de confusão.
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