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terça-feira, novembro 26, 2024

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No final da tarde, eufórico, diretor do Estadão vendia jornais no meio da rua

Luiz Carlos Mesquita (Crédito: Estadão)

Por Luiz Roberto de Souza Queiroz

Numa memorável tarde de domingo em 1964 ou 1965, não me lembro bem, Luiz Carlos Mesquita, o Carlão, experimentou a profissão de jornaleiro. Na praça Jules Rimet, na frente do Pacaembu, ele vendeu algumas dúzias de exemplares do Estadão e complicou-se com o troco. É que, neófito na profissão, não tinha previsto que precisaria de um estoque de moedas para atender à clientela.

A lembrança me vem à mente agora, no cinquentenário da morte do Carlão, um diretor do jornal tão afável que era mais um companheiro que patrão. E a história com o lide acima começou na redação da Edição de Esportes, efêmera publicação que foi uma espécie de avant première do que viria a ser o Jornal da Tarde, lançado logo depois e que absorveu a Edição de Esportes.

Naquela tarde era decidido um título importante no Pacaembu e quando o jogo mostrou-se decidido, Carlão desafiou a redação a colocar a Edição de Esportes na rua ao mesmo tempo em que a partida se encerrava. Era preciso fazer apenas a primeira página, pois o restante do jornal estava pronto, inclusive a parte de noticiário geral, não esportivo, da qual eu era o editor.

O jornal ficou pronto em tempo e enquanto a torcida comemorava – se bem me lembro, foi uma vitória do Santos −, Carlão pegou-me pelo braço, passou na rampa de saída dos caminhões do jornal, jogou dois pacotes com 50 exemplares cada dentro do meu jipe mambembe, que tinha já quase dez anos bem rodados, e me mandou voar para o Pacaembu.

A torcida vencedora começava a sair do estádio, comemorando, mas Carlão comemorava mais, pois, como dizia, dera um banho na Gazeta Esportiva, que era o grande rival da Edição de Esportes do Estadão. E, entusiasmado, começou a gritar anunciando o jornal, que trazia na capa a incrível fotografia de um gol marcado menos de uma hora antes. Meio envergonhado, também acabei vendendo um ou outro exemplar, mas como jornaleiro eu não era páreo para o Carlão.

Bebemoramos o feito no bar do Hotel Jaraguá e a história devia acabar por aí, mas o Carlão queria porque queria vencer a Gazeta Esportiva, e todo domingo havia uma corrida com concorrente único, para que a Edição de Esportes saísse antes da Esportiva. É que eu sabia, pois na época estudava no QG do “inimigo”, a Cásper Líbero: a Esportiva tinha tanta tradição, tiragem tão grande, que não se tocava com a concorrência da Edição de Esportes.

Um mês depois, e com muito esforço, a Edição de Esportes ficou pronta mais cedo, nem me lembro por quê, e, entusiasmado, o Carlão entrou na redação, disse que a Esportiva ainda não tinha rodado e me pediu para leva-lo à sede da Gazeta.

Confesso que não me senti à vontade. Na São Paulo de então os jornaleiros amontoavam-se diante da doca seca, quase na esquina da avenida Cásper Líbero. Eles compravam pacotes de jornal que vendiam ao cair da noite na avenida Paulista, na Ipiranga e na rua Augusta.

Os jornaleiros estavam lá e enquanto eu ficava no jipe, motor ligado, para o caso de dar xabu, o Carlão avançou saltitante e fez um discurso para os jornaleiros, dizendo que estavam bobeando, que a Gazeta já era, que se queriam ganhar dinheiro deviam é ir à Major Quedinho, comprar a Edição de Esportes que já tinha rodado há muito tempo.

Os jornaleiros ouviram, mas não ligaram muito. Não conheciam o Carlão, não tinham ideia de quem era o propagandista da Edição de Esportes, alguns chegaram a falar com ele, mas não arredaram pé numa pose mais ou menos de “sou Esportiva e não abro”.

Meio desenxabido, Carlão voltou para o jipe resmungando algo que entendi como “esses bundões”, mas não cessou seu entusiasmo.

Meses depois a Edição de Esportes duplicou sua tiragem e ficou claro que São Paulo tinha espaço para uma edição vespertina. Começou então a nascer o que viria a ser o Jornal da Tarde, mas essa é outra história, para outro dia. Hoje é tempo de curtir a saudade do diretor de jornal que viveu a redação tão intensamente como cada um de nós.


Luiz Roberto de Souza Queiroz

Luiz Roberto de Souza Queiroz, o Bebeto, um dos mais assíduos colaboradores deste espaço, escreveu-nos para informar que o Estadão publicou em 28/8 uma página sobre o cinquentenário da morte, aos 40 anos, de Luiz Carlos Mesquita, o Carlão, e mandou uma história sobre ele.

Diretor da empresa da família, Carlão não gostava de usar o peso do sobrenome. Nas redações dos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde e da Rádio Eldorado, onde trabalhou, deixou imagem de “gente boa” entre as equipes de jornalistas e funcionários, amável, solidário com colegas e brincalhão.


Tem alguma história de redação interessante para contar? Mande para [email protected].

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