A Infoglobo – dos jornais O Globo, Extra e Expresso – começou a semana demitindo o que se especula ser algo em torno de 20% de seu pessoal, em todas as áreas. Redação e Comercial teriam perdido, cada uma, cerca de 60 pessoas, e o total pode chegar a 300, segundo Claudia Penteado, no site propmark. O critério foram os mais altos salários. Mas despesas como encargos de CLT, viagens e até o papel de jornal estão entre as restrições. Em janeiro deste ano, haviam sido cortados aproximadamente cem postos de trabalho. Não foi o suficiente. O Globo investiu em pessoal, nos últimos tempos, e se orgulhava de ter uma redação sênior, talvez uma das poucas do Brasil com experiência em bloco para interpretar e analisar qualquer notícia. Isso tornou o jornal detentor de uma característica internacionalmente valorizada pelos tradicionais do ramo – os que cobram o acesso ao seu conteúdo na internet, desprezam a fartura de notícias gratuitas e mal apuradas, às vezes equivocadas, na web. Investiu também em transformar essa expertise em novas fórmulas de acesso virtual ao conteúdo. O que resultou, como eles próprios esperavam, em reconhecimento, como o Esso de Contribuição à Imprensa, em 2012, pela edição do Globo A+, com Pedro Doria à frente. Lista de cortes é interminável Com o corte, os editores executivos de O Globo são agora apenas três. Pedro Doria sai, vira PJ e mantém a coluna Vida Digital, de tecnologia. Entre os editorialistas, sai George Vidor. Das colunas, Cora Rónai, Helena Celestino e Mario Sergio Conti. Flávia Oliveira também vira PJ e continua uma vez por semana. Alguns nomes da Rio são o premiado Sérgio Ramalho, Ana Cláudia Costa, Bruno Amorim. Da Economia, Renata Malkes e Luísa Xavier. Do Segundo Caderno, Débora Ghivelder. Luciana Froes, da Gastronomia, manterá uma coluna. E Aydano André Motta, do digital. Do Esporte, o editor Marceu Vieira, e Mauricio Fonseca, Pedro Motta Gueiros, Allan Caldas. Da Fotografia, Hudson Pontes, Guilherme Leporace e Marcelo Piu. Da Arte, Márcio Coutinho e Maraca. Foram descontinuados os cadernos Prosa e a Revista da TV. Saem a editoras Manya Millen e Valquíria Daher, além de Adriana Oliveira. Também Bolívar Torres. Em São Paulo, estão confirmadas as saídas do repórter especial Germano Oliveira, no jornal há 20 anos, 12 deles como chefe da sucursal paulista; da repórter de Política Tatiana Farah; e do repórter de Economia Lino Rodrigues ([email protected]), com nove anos de casa. Outras sucursais pelo Brasil também tiveram baixas. No exterior, saíram os correspondentes Isabel De Luca, de Nova York, e Fernando Eichenberg, que recentemente fora contratado em Paris. No Extra, o corte foi fundo. Está confirmado o editor de Economia Clóvis Saint-Clair. O jornal deve perder boa parte da área digital, em que vinha avançando com sucesso até aqui. Editorias como Esportes e TV, e até mesmo parte da Rio, devem fundir-se com as de O Globo. Motivos No último sábado (29/8), às vésperas de se concretizar o corte definido, a capa de O Globo estampou, com fontes em um corpo quase do mesmo tamanho que o título do jornal, a palavra Recessão, como bem observou o site Brasil 247. Será que a culpa é do Governo? É claro que, na recessão, todos são penalizados, tanto patrões como empregados. Também é do conhecimento geral que todos os governos, independentemente da coloração, desde o fim da ditadura, subsidiaram concorrentes para que o Grupo Globo não se caracterizasse como um monopólio. Afinal, o que se chama aqui de grande imprensa são jornais impressos, sem canais de televisão; assim como as outras tevês não estão, com força, em todas as mídias. A economia do País, neste caso, ajuda, mas não determina. Seria a retração das verbas publicitárias? Sem dúvida, é uma percepção generalizada. Mas a Infoglobo se permite manter menos de 5% de propaganda governamental, exercendo um controle para diversificar suas fontes de receita por acreditar que só assim pode ter independência editorial. Existe receita para pagar as rescisões trabalhistas. O prédio que está em construção vai ser terminado e ocupado. Somadas todas as dispensas, Folha de S.Paulo e Estadão fizeram cortes equivalentes entre 2010 e 2015, e foram se ajustando. O Globo fez tudo em 2015. Parece que empresa encontra-se em uma situação de desastre administrativo pouco característica do Grupo Globo, depois de alguns anos aumentando os gastos de forma desmedida. Outro dia Marceu Vieira, editor de Esportes vindo da coluna de Ancelmo Gois, mantinha-se nesse espaço.com a seção Botequim da Lapa. Ali marcou sua saída com um emocionante texto de despedida, devidamente compartilhado nas redes, que terminava assim: “Outro dia, eu era só uma semente no útero da minha mãe, até que minha mãe me expulsou do útero, e, como toda criança, eu chorei muito ao sair do conforto daquele útero. Mas foi bom quase tudo o que veio depois. Outro dia.” E recebeu o comentário de Fernando Molica, de O Dia, que analisou a situação do ponto de vista editorial e concluiu: “Hoje já é outro dia”. Repercussões O Portal dos Jornalistas selecionou alguns comentários que viralizaram nas redes sociais tão logo a informação das demissões na Infoglobo tornaram-se públicas: Luciana Medeiros (Blue Bus): “Sob o impacto do choque, amigos e colegas reclamam que o Globo, única publicação de peso no Rio depois da derrocada de O Dia no mercado – jornal que fez muitas demissões há pouco tempo, também – está virando uma gazeta: sem força de trabalho, sem postos fora, com sucursais combalidas. Um grande amigo e grande jornalista me disse um dia que uma redação, para ser relevante e independente, tinha que ter sempre alguém à toa. Essa realidade não existe há muito tempo e agora parece nunca ter existido. E, nessa ótica, ver grandes repórteres, grandes editores, grandes pessoas na maioria saindo como se não fossem necessárias, fundamentais mesmo… soa como uma derrocada. Aparentemente o jornal impresso acusa um golpe muito parecido com o que a indústria fonográfica sofreu anos atrás, com a entrada do MP3 no mercado. Música/informação disponível na rede, descartável, acessível a qualquer um como consumidor e produtor. As gravadoras tiveram que se reinventar, trabalhar seus artistas em espetáculos ao vivo, descobrir uma maneira de sobreviver na pulverização do mercado. Será que a imprensa consegue?” Mario Marona (Conexão Jornalismo): “Aos donos dos jornais e seus estrategistas: Na última década e meia vocês destruíram de maneira sistemática a credibilidade das empresas que dirigem e condenaram o jornalismo a um período de degradação só comparável aos tempos da ‘imprensa marrom’ dos anos 1950. Na última década e meia vocês tentaram matar a reportagem e trabalharam de forma metódica contra seus próprios veículos, expondo-os ao ridículo perante os leitores e assinantes, muitos dos quais decidiram abdicar de hábitos antigos para procurar alternativas na internet. Na última década e meia vocês interditaram seus veículos à presença de articulistas e colunistas moderados, isentos ou progressistas, optando por entregar praticamente todos os seus espaços de opinião a jornalistas e especialistas facciosos, grosseiros, deselegantes, manipuladores e mentirosos, quando não assumidamente golpistas.” Pedro Doria (em seu próprio facebook): “Hoje é um dia muito duro na redação do Globo. Passaralhos são momentos tristíssimos, e falo de quem já viveu alguns em todos os papéis: do repórter que, tenso, não entende bem o que ocorre à volta; do editor que tem de fazer a lista e as muitas demissões; o de quem é demitido. É ruim, é triste, mas passa. Sempre passa. De minha parte tenho um livro já bem adiantado no qual mergulhei, uma história do tenentismo. Sairá no ano que vem pela Record. Os tenentes de 22 são os generais de 64. Sem entendê-los, sem compreender a crise que levou ao fim a República Velha, não entendemos o que ocorre hoje, em 2015. Há vícios que o Brasil já perdeu, há vícios que o Brasil mantém… Fui muito feliz naquela redação, onde reencontrei amigos, fiz novos. Do primeiro ao último dia sempre me senti tratado com todo respeito. E, sabe, a vida é boa mesmo quando triste.”