Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

A história de Jean Charles de Menezes − imigrante brasileiro morto pela polícia britânica em 2005 − será tema de uma nova série documental da Disney+, lançada no ano em que a tragédia completa 20 anos.

Em um momento de medo e caos, uma semana após os atentados de 7 de julho daquele ano, a Met − a polícia metropolitana de Londres, então reconhecida por sua seriedade e eficiência − cometeu um erro fatal que tirou a vida de um inocente, confundido com um terrorista e abatido a tiros no metrô.

O erro policial, porém, foi agravado pela cobertura da mídia. As primeiras reportagens distorceram a imagem de Jean Charles, alimentando versões falsas que aprofundaram ainda mais a tragédia.

Suspect: The Shooting of Jean Charles de Menezes estreia em 30 de abril, em quatro episódios. Familiares de Jean participaram como consultores da produção, o que confere ao projeto uma narrativa mais autêntica e menos limitada pela ótica britânica.

Em entrevistas recentes à imprensa local, a mãe de Jean, Maria de Menezes, expressou a esperança de que o documentário “mostre ao mundo a verdade” e ajude a corrigir equívocos que persistem até hoje − entre eles, a forma como seu filho foi retratado nos dias seguintes ao crime.

Na época, veículos britânicos, ao reproduzirem sem questionamento as primeiras informações fornecidas pela polícia, contribuíram para consolidar uma narrativa equivocada. Alegava-se que Jean teria se comportado de maneira suspeita ou desobedecido ordens − versões que mais tarde seriam desmentidas por testemunhas e por investigações oficiais.

O irmão de Jean Charles, Giovani da Silva, destacou como essa cobertura inicial feriu ainda mais a memória do brasileiro, desviando o foco das falhas policiais.

Mas uma personagem real se destacou na luta para expor a verdade: Lana Vandenberghe, secretária da Independent Police Complaints Commission (IPCC), teve acesso a documentos que desmentiam informações cruciais divulgadas pela polícia − como a roupa que Jean vestia no momento do crime.

Ela decidiu denunciar o acobertamento, vazando os documentos para a rede ITV, o que mudou o rumo das investigações. Seu ato de coragem custou seu emprego e rendeu até uma prisão, mas revelou inconsistências que seriam posteriormente comprovadas.

Outro documentário recente, Shoot to Kill: Terror on the Tube, exibido pelo Channel 4 em 2024, também trouxe à tona novos elementos do caso − incluindo um depoimento inédito de um dos policiais envolvidos −, lançando luz sobre as decisões equivocadas que levaram à morte de Jean Charles e sobre a tentativa de controlar a narrativa pública.

Esses projetos documentais vão além do resgate histórico. Eles funcionam como um alerta sobre os riscos de decisões precipitadas em tempos de crise − e sobre o papel decisivo da mídia na construção da memória coletiva.

Não se trata apenas de uma tragédia pessoal. Erros desse tipo têm efeitos devastadores para as vítimas e suas famílias, dificultam a responsabilização dos culpados e perpetuam injustiças, prejudicando os processos de reparação e de aprendizado social.


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