Por Ceila Santos
Tem sido tão árduo falar de Liderança Colaborativa para jornalistas, RPs, publicitários, colaboradores, frilas e líderes, imaginando as razões pelas quais continuamos tão atrasados diante da urgência social e da riqueza cultural existente na elite da chamada classe trabalhadora – leia-se sem herança organizacional ou uma fortuna de ativos que o torna o rico entre os bilionários – que comparo ao evento de um parto, longo e doloroso.
O motivo não é apenas o cuidado com a biografia do outro e a vivência da minha transição de carreira, mas principalmente a dor de não compreender porque não é feito o óbvio: o que impede líderes a transformar as organizações em lugares de reflexão para tomada de consciência social, que nos leve além das ideologias, e nos liberte do padrão de autopreservação profissional, criando espaços de aprendizagens, que reconheça a equivalência como irmã da eficiência, ciente de que irmandade leva tempo e exige atenção?
Minha dor poderia ser acalentada pela opinião dos consultores baseados na nova consciência, como Frederic Laloux, que deixa claro que “sem a visão de mundo e um desenvolvimento psicológico da alta liderança e dos proprietários adequados às chamadas organizações Teal –modelos baseados na consciência do futuro – não há condições para desenvolver o ambiente baseado no propósito evolutivo, autogestão e integralidade”.
Mas, quando ouvi Viviane Mansi − a primeira entrevistada, indicada como líder colaborativa, na pesquisa que realizei com 69 profissionais de agências de comunicação e recebi participação de apenas 29, sendo que o pedido era distribuir tal formulário para as respectivas equipes –, eu não estava atenta aos discursos dos consultores que baseiam sua consultoria no Desenvolvimento Humano.
Minha alma na escuta
Estava ainda na pele de jornalista, com a alma investigativa, que ouve em cima de deduções construídas pela experiência da escuta dos nove líderes que se tornaram gestores de Comunicação Corporativa a partir da referência do jornalismo. Tinha dentro de mim perguntas básicas, como a própria influência do jornalismo, que proporciona ao indivíduo capacidades crítica, analítica e dedutiva, as quais podem trazer uma ilusão de conhecimento diante do arcabouço teórico da liderança.
Também sentia um vazio para relacionar as biografias com as metodologias baseadas no arquétipo humano: seria minha inexperiência corporativa que não me permitia fazer as perguntas certas ou a falta de interesse genuíno pelas pesquisas na área de desenvolvimento organizacional?
Para fechar o cenário de como eu estava no encontro com Viviane, ainda tinha o dado da pesquisa, que reforçava o discurso da colaboração, mas o resultado – apenas 29 dos 69 responderam e indicaram líderes – apontava uma prática bem diferente da realidade oral.
O encontro. Primeira surpresa: ela era RP. Não tinha referência jornalística. Bingo! Então, por isso, ela estava tão atenta ao tema da liderança? Ela, de pronto, respondeu: não me ligo muito a formações… Eu, segurando o velho cérebro, fiquei presa na minha dúvida: é a pele de RP ou Acadêmica, que responde assim, eis a questão!
Análise para o artigo
Lembrei das leis biográficas e individualidades, ambos conceitos da consultoria baseada na antroposofia. É fato que existe influência dos ambientes no jeito que levamos a vida, mas tem gente com características tão fortes ou desejos tão intensos que pouco se influencia pela graduação recebida e vive as experiências de maneira tão livre, e decisiva, que a escolha feita entre os 18 e 22 anos tem reflexos completamente distantes das relações de trabalho e da forma como se preparou para entrar no mundo econômico.
A mensagem de Viviane era clara sobre a diversidade, multidisciplinaridade e a importância desses contextos para aprender junto. Não tinha vínculo com a angústia interna, que trazia sobre a influência do jornalismo na liderança da Comunicação Corporativa. No lugar que ela ocupava, não importava muito de onde vinha – da barriga do jornalismo ou da forma RP − mas da atitude e disponibilidade de aprender.
Me veio, então, a lembrança do ponto contraditório, termo que aprendi aos 37 anos − quando participei da lista de e-mails, gerenciada por Rosental Alves, que reunia pesquisadores de cibercultura, ativistas e associados da Abraji − como um dos métodos de reportagem investigativa, que devia ouvir os dois lados. Em honra a Edgar Morin, citado por Viviane e cuja obra li apenas aos 41 − resolvi ousar a loucura de imaginar o quanto a tal prática de ouvir os dois lados me remete ao modo pobre, e raso, que nós funcionamos quando usamos a perspectiva moral, classificando os lados, de certo ou errado.
Em mim sei o quanto as experiências moldam meu jeito de ver o mundo, mas no Todo entendo que há, sim, um lugar de não-influência para determinadas personalidades, então, melhor não brincar com a moral do ponto contraditório, pois Viviane é uma representante da causa da escuta e me faz lembrar do valor que dou ao tempo.
Prefiro, então, registrar o estado investigativo em que me encontrava quando conheci Viviane e deixar aberto para o amanhã, quando minha pele de consultora estiver mais firme e integrada para opinar, se de fato a opinião de Laloux é verdadeira na prática. Complexo, mas essa foi a inspiração que me tocou ao ouvir a história da atual presidente da Fundação Toyota.
Box do Líder
Viviane Mansi
Fundação Toyota
Líder: Desenvolver pessoas, planejar em situações complexas
Filosofia: Confia primeiro, pergunta depois.
Referência: Adriana Machado
Tempo da Jornada
Corporativo: 22 anos
Destaque: MSD, Takeda, GE, Votorantim Cimentos, Toyota e Fundação Toyota
Academia: 18 anos
Destaque: Fundação Getúlio Vargas, Dom Cabral e Cásper Líbero
Formação: Relações Públicas – Cásper Líbero
Viviane Mansi decidiu que seria feliz na atuação das Relações Públicas antes dos 18 anos, quando leu numa página dupla daqueles cadernos de vestibular o que fazia um RP. Mas não imaginava que era tão privilegiada por ter tido um chefe como João Sanches, na MSD, que lhe proporcionou conhecer a linguagem de negócios, ter tantas oportunidades de desenvolvimento e ainda tomar decisões baseadas em pessoas.
Quando deparou com a realidade da maioria das organizações, transformou seu privilégio em causa para disseminar a liderança e pesquisar as relações entre pessoas na academia. “Primeiro a gente entende a relação com as pessoas, depois com o CNPJ”, conta.
Ama trabalhar em grandes organizações, dedica-se à educação universitária na Cásper, na FGV e na Dom Cabral e ainda escreve livros. Já publicou dezoito. Gênia? Ela responde: “Gênio é aquele que não se esforça para chegar aonde chegou. Eu me esforço”. Aliás, aprendeu cedo em casa o valor do compromisso, da responsabilidade e do esforço para chegar aonde se quer. Não era de família rica, mas muito cuidada pelos pais, sempre presentes.
“Também não canto, não danço, nem toco algum instrumento musical. Tímida escreve”. Falante e cheia de conexões, é difícil imaginar Viviane tímida. É conselheira da HSM há dois anos.
Tornou-se mãe do Guilherme aos 30, ocupando o papel de gestora, e não se dava conta da causa de gênero. Foi na Votorantim Cimentos que ela começou a despertar para a causa, após o alerta da colega Bruna Lima, que participou de um evento que denunciava a questão da mulher na sociedade. “Aí entendi que eu fui exceção”, conta.
Hoje ela acumula a função de presidente da Fundação Toyota. Antes de entrar na empresa, ela se perguntou: mas por que alguém com o meu perfil? A resposta da empresa foi interessante – “Precisamos de alguém que vê coisas que a gente não vê”. Para quem é fã de Edgar Morin, pensar em conjunto a partir das diferenças é um prato cheio de complexidade para refletir, inspirar e colocar em prática o que a jovem colegial decidiu quando olhou pra aquela página dupla: ser feliz!