Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

A FPA (Foreign Press Association) London não tinha grupo no WhatsApp até a última sexta-feira (9/9), quando ele foi criado para compartilhar instruções de credenciamentos e comunicados sobre a morte da rainha Elizabeth.

A troca de figurinhas entre correspondentes vai revelando as entranhas do cerimonial planejado há 30 anos para a despedida de uma figura pública que estreou na era do rádio e sai de cena no mundo das mídias digitais, talvez a única a ter atravessado todo esse tempo sob os holofotes.

O volume de postagens e a natureza das perguntas são uma amostra do frenesi que tomou conta da mídia.

Na terça-feira (13/9) um correspondente perguntou se havia significado especial para a saída do cortejo fúnebre do Palácio de Buckingham para o Parlamento ter sido marcada para 14h22 de quarta-feira.

Nenhum. Apenas a pontualidade, um dos traços da cultura do país do qual Elizabeth II se tornou o maior símbolo. O trajeto leva 38 minutos. Assim, o caixão da rainha chegou ao Palácio de Westminster precisamente às 15 horas.

Esse é um exemplo da ansiedade de jornalistas acompanhando um dos maiores eventos midiáticos de tempos recentes. Ninguém quer perder nada, cada detalhe importa.

E os passos cronometrados só confirmam a tese de que ninguém faz RP como a família real britânica, pelo menos sob Elizabeth II.

Como em qualquer plano, nem tudo sai como previsto. Charles III viralizou duas vezes irritando-se com inocentes canetas.

Rei Charles irrita-se com as canetas

Por ironia, o primeiro episódio aconteceu na solenidade de proclamação, nunca antes testemunhada pelo público. Desta vez, foi transmitida pela TV, como parte do esforço de aproximação da realeza com os súditos − que por sinal estão pagando a conta das homenagens.

Também não estavam planejados protestos antimonarquia, reprimidos pela polícia com prisões. Eles aconteceram em vários locais, incluindo Edimburgo, local sensível para o futuro do atual sistema político.

A Escócia quer fazer um novo plebiscito sobre sua independência. A morte da rainha é um baque para os que não querem o reino desunido, entre os quais se inclui boa parte da mídia britânica.

Seja por interesses, para garantir audiência ou por uma dificuldade genuína de documentar a morte com distanciamento crítico, a cobertura é emotiva e marcada por uma obediente adesão à narrativa oficial dos press releases que o Palácio de Buckingham divulga várias vezes por dia.

Alguns chegam embargados, com detalhes sobre os próximos acontecimentos. Quando o embargo cai, TVs, edições online e canais de mídias sociais dos veículos disparam as novidades para uma audiência ávida por vivenciar cada detalhe do grande evento.

A gentileza com uma pessoa que morre é esperada. Mas talvez seja exagero a quase total ausência de contexto e de menções a fatos importantes para a vida da nação. Um exemplo é a constrangedora situação envolvendo a fundação beneficente do agora rei.

Desde o ano passado, a Prince’s Foundation vem sendo objeto de revelações de uma suposta troca de doações por comendas reais, sobre um aporte feito pela família de Osama Bin Laden e sobre o recebimento de dinheiro vivo de um bilionário árabe pelo próprio Charles. Foram 3 milhões de euros transportados em malas e bolsas da chique Fortnum and Mason.

É chato falar disso agora, mas será que não é de interesse público saber mais sobre o novo chefe de Estado, o que ele disse sobre as revelações e como anda a investigação policial?

A mídia britânica é considerada uma das melhores do mundo, mas é formada por gente da elite, como mostram as pesquisas. A monarquia é parte de seu universo, e isso pode estar influenciando decisões editoriais.

Resta saber por quanto tempo o encantamento com Charles − ou a glorificação de um sistema conveniente − vai durar.

A primeira pesquisa de opinião depois da morte da rainha mostrou um aumento de admiração pelo novo rei. Ainda assim, menos da metade dos súditos quer vê-lo como chefe de Estado até o fim da vida.

Para quem acha que o pessoal de RP está tendo trabalho com os dez dias de eventos por Elizabeth II, na verdade a aventura está apenas começando.


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