Por Fernando Coelho

A redação da TV Globo na Praça Marechal Deodoro era uma universidade de desafios diários do jornalismo. Ali se costurava o novo figurino da televisão brasileira. Não sei ao certo, devo ter sido o primeiro chefe de Reportagem da madrugada, duradouro, do BDSP, que começou em 1977. Acho que eu e João Montenegro fomos os dois que, por mais tempo, aturaram aquelas longas e gigantescas jornadas noite a dentro, até que fui promovido.

Este compêndio de reconhecimento do repórter e apresentador Britto Jr., um dos melhores repórteres com quem trabalhei, define e mostra a grandeza do começo do padrão de qualidade da Globo. Os cinegrafistas, ou repórteres cinematográficos, para mim, que lidava diariamente com cada um deles, eram os grandes formuladores de enquadramentos, de quadros perfeitos, que continham não somente a beleza da ação, mas, o principal, o recado que o telespectador precisava receber. Sem esses cinegrafistas, ousados, corajosos, alguns loucos, a TV brasileira não existiria, ou, na melhor das hipóteses, seria um emaranhado de bobagens desfocadas. Eu sei que eles não ficavam parados, babando, na frente de um Dali, Aldemir Martins, Tarsila, Calasans, Van Gogh, contudo, produziam uma arte que faz transformações sociais também, em nome da vida, da dignidade e da verdade. Diz Britto:

“Se hoje estou aqui diante do celular no tripé sobre uma pilha de livros, gravando para o YouTube, é porque passei 40 anos aprendendo com grandes repórteres cinematográficos. Trabalhei com mais de 50 e cada um tem seu estilo. Assim, me tornei eclético.

Hugo Sá Peixoto, parceiro de Caco Barcellos, me ensinou a valorizar os entrevistados; Marco Antônio Gonçalves, a ter paciência na busca pelo melhor ângulo; já Valdir Ferreira me mostrou que o fato pode estar nos lugares mais inusitados; Américo Figueiroa, com seu monopé, valoriza o enquadramento perfeito; Davi de Almeida gostava do improviso e Edson Soh é um bailarino com a câmera no ombro.

Há os que, ao contrário, passam dias com a câmera no tripé na captura de uma imagem exclusiva, como Amaury Trolize, parceiro de Isabela Assumpção. E os sensitivos, como Renato Rodrigues, que fez dupla antológica com Carlos Dornelles.

Sempre dei importância para a forma, roteirizar passagens e gravá-las em partes ou em plano sequência. Nem todos têm disposição para estripulias, outros até acrescentam molho com lentes especiais e luzes macias.

Voltando aos primórdios, Dino de Britto gostava do meu jeito e me incentivou a quebrar a rigidez dos manuais e criar linguagem própria. No interior de São Paulo, meu parceiro foi Dimer Ramos, que conseguia tirar leite de pedra. Naqueles tempos, não havia recursos digitais e a criatividade era tudo. Levamos três dias para gravar uma passagem sobre atropelamentos em São Paulo. Era preciso aproveitar o farol fechado e a faixa de pedestres, a câmera subjetiva ‘caia’ do ombro de Marcão e eu surgia ao lado da roda, falando. Que bom que o chefe Coelho esticou o prazo e a matéria ganhou destaque no JN.

Em outra pauta especial, com Renato, a câmera saia da brasa de um cigarro entre meus dedos e percorria a sala até o lado de fora da casa, entrando num carro. Ele andando de costas com a câmera firme. A cena levou cinco horas e ficou um minuto no ar. Mas valeu a pena.

Hoje, quando faço vídeos solitariamente, em meu home-estúdio, penso no quanto esses profissionais contribuíram efetivamente para eu me tornar o que sou: um Cronista Eletrônico independente, que sabe muito porque aprendeu com quem sabia.”


Os formuladores de enquadramentos
Fernando Coelho

O texto desta semana é de Fernando Coelho, ex-TVs Globo e Cultura, entre outras, que hoje se dedica à literatura. Ele pega carona em publicação de Britto Jr. no YouTube para homenagear os repórteres cinematográficos.

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