O Globo recebeu em seu auditório, nesta 3ª.feira (15/5), em parceria com o Instituto Italiano de Cultura, uma palestra sobre liberdade de imprensa de Paolo Mieli, que foi diretor dos jornais La Stampa e Corriere della Sera e atualmente preside a editora RCS Libri. Ensaísta especializado em História e Política, com livros publicados, e jornalista desde os 18 anos, começou no jornal Espresso, e ali permaneceu por duas décadas. Trabalhou depois no Republica, onde tornou célebre seu estilo de jornalismo que trazia ao impresso elementos da televisão: o mielismo, um neologismo que ficou famoso na Itália. Mieli mudou seu posicionamento político ao longo dos anos, de extremista para moderado. Foi indicado, pela Câmara e o Senado italianos, para ser presidente da tevê estatal RAI, mas recusou o convite. Na palestra e no debate, mediados por Ancelmo Gois e Flávia Oliveira, Mieli traçou uma história da liberdade de imprensa, desde os primeiros jornais europeus ? que divulgavam o conhecimento autorizado pelos poderes públicos ? passando pela informação mais dinâmica dos autores britânicos Milton (de Paraíso Perdido) e Locke (do contrato social), no século XVII, pelo iluminista e liberal francês Voltaire, no século seguinte. Lembrou que o noticiário mais próximo do atual, de cobertura de fatos, teve sua origem na Revolução Francesa, quando havia jornalistas nos campos de batalha. Depois disso, a Guerra da Secessão Americana provocou na Europa uma demanda de notícias. Dessa época, ressaltou que a informação deturpada não era considerada falta grave na Europa, ao passo que, nos Estados Unidos, era considerada gravíssima. Daí resultaram alguns paradigmas seguidos até hoje: (1) a verdade, mesmo que provoque uma grande crise, obriga o repórter a dar a notícia; e (2) a concorrência faz com que o veículo antecipe qualquer detalhe. Citou Émile Zola, no caso Dreyfus, como um precursor do modelo de jornalismo apartidário, que não defende apenas os poderosos. Desde então, os melhores jornais procuram interpretar a notícia, sem explicitar quem é o dono da empresa, mas valorizando a figura do editor. Mieli citou a legislação americana que reconhece a boa fé, o que isenta o jornalista de culpa se publicar uma suspeita como se fosse um fato, e citou o caso Watergate. Sobre o conteúdo jornalístico mais recente, o palestrante o considera mais sereno, objetivo e menos agressivo. Os escândalos ? e exemplificou com as acusações contra o político italiano Berlusconi ? são divulgados intencionalmente pelos veículos para causar prejuízo político. Quanto ao noticiário na internet, vê uma grande alteração principalmente na legislação de controle. Sob um ponto de vista, dá-se uma grande batalha contra a censura da informação; sob outro ângulo, repete-se a antiga luta do liberalismo, resquício das ideias de Voltaire. Por muito tempo, os veículos dependeram de um provedor econômico ? ninguém publica coisa alguma desinteressadamente. E a internet é uma oportunidade para a liberalidade, na medida em que não depende do capital para se fazer ouvir. No debate que se seguiu, Ancelmo provocou a comparação com o caso Cachoeira e a revista Veja, e indagou se Mieli considerava lícitas as relações entre um jornalista e uma fonte mafiosa. Com a ressalva de não conhecer as instituições brasileiras, e o posicionamento de que tudo que não é feito às claras em algum momento vai aparecer, o convidado opinou: qualquer fonte é legítima, mas tudo que ela diz é propaganda em causa própria. No entanto, na História, assim como na pesquisa científica, as descobertas não se sucedem linearmente; pequenos detalhes fazem a diferença. Assim, o jornalista que traz um elemento, ainda que restrito, mas que ninguém mais tem, contribui para construir a verdade do fato. Flávia Oliveira argumentou que os veículos convencionais precisam ser sustentáveis financeiramente para bancar certas brigas. E o palestrante comparou a internet, que dá uma resposta complexa, em termos de conteúdo, e lembrou a verdadeira função de um jornal de escolher, entre milhares de informações fragmentadas, as poucas coisas importantes que o leitor precisa saber. Tem valor a capacidade profissional, reconhecida, de selecionar informação. Ainda respondendo a Ancelmo, sobre o fim da informação em papel, Mieli deu sua opinião ? ou não seria um jornalista europeu, que preza mais a opinião do que o fato. Além do rito que acompanha a leitura, como no livro, terá seguidores. O autor que quiser contar uma história em profundidade, terá que passar pelo impresso. O aumento da alfabetização de adultos no mundo cria um público novo, que pode ler o papel, mas talvez não tenha acesso ao texto virtual. Nas novas mídias, falta uma personalidade forte, como as que existem nos jornais, no rádio e na tevê. Sempre inserindo novas tecnologias, o texto impresso tende a ser elitista, e o jornal ? com a interpretação da notícia ? será um símbolo de status.