Em prosseguimento ao estudo Perfil Racial da Imprensa Brasileira, foi realizado em 14/10 o segundo debate com profissionais negros sobre temas sensíveis abrangendo a questão racial no desenvolvimento da carreira. Participaram das discussões, com foco no olhar dos negros sobre os negócios e a economia, Maurício Bandeira, do Instituto Corda – Rede de Projetos e Pesquisas, coordenador do estudo; o advogado Robson Ferreira, da Universidade Zumbi dos Palmares; a jornalista Marcelle Chagas, da Rede Jornalistas Pretos; e a relações públicas Crislaine Costa, da Uber, com mediação de Vinicius Ribeiro, de Jornalistas&Cia, responsável pela divulgação do estudo.

O advogado Robson Ferreira é palestrante, coordenador adjunto de cursos e assessor especial da Reitoria da Universidade Zumbi dos Palmares, e mestrando em Direitos Humanos pela Unifieo (Fundação Instituto de Ensino para Osasco); Marcelle Chagas, jornalista com MBA em Marketing e Comunicação Online, mestranda em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), assessora de comunicação da Fiocruz e do CNPq, é coordenadora-geral da Rede de Jornalistas pela Diversidade na Comunicação, mais conhecida como Jornalistas Pretos; e Crislaine Costa, formada em Relações Públicas pela Universidade Metodista, com MBA em Gestão de Marketing pela FGV, atualmente é gerente de Comunicação Corporativa da Uber no Brasil. A íntegra do debate pode ser conferida aqui.

A partir da esq., no alto: Maurício, Vinicius, Crislaine, Robson e Marcelle

O estudo, uma iniciativa deste J&Cia e do Portal dos Jornalistas, em parceria com o I’Max e o Instituto Corda, terá a apresentação dos resultados durante a celebração da Semana da Consciência Negra, em novembro, dentro da programação preparada pela Universidade Zumbi dos Palmares, instituição apoiadora do estudo, e em uma edição especial de J&Cia. Também apoiam institucionalmente o projeto ABI, Ajor, Aner, ANJ, APJor, Conajira/Fenaj, Jeduca, Ecos do Meio, Projor e Universidade Metodista. O projeto conta ainda com o apoio das organizações ADM, Grupo Boticário e Uber. Para responder às 13 questões da pesquisa, basta acessar este link e escrever seu nome e e-mail.

Reproduzimos a seguir algumas opiniões dos debatedores:

Crislaine Costa

Crislaine – “Temos a impressão de que há poucos negros nas empresas. Entramos nos ambientes e vemos isso. Mas quantos são? Qual é a porcentagem? Conseguimos avançar nos últimos anos? Sem números, sem dados, não conseguimos acompanhar. E fica muito difícil definir políticas, metas e projetos. Esse tipo de estudo é fundamental para entendermos a realidade e a partir daí podermos definir onde estamos e aonde queremos chegar, o que precisamos fazer para isso e quanto tempo levaremos.” (…) “Para os negócios, é importante, sim, que quem esteja na mesa tomando decisões tenha uma riqueza de pensamentos, sejam pessoas diferentes, que consigam olhar para aquele problema e identificar perspectivas diferentes. Porque quando eu chego na mesa para participar de uma decisão, trago para a mesa a minha perspectiva, estou como gerente de Comunicação, mas toda a minha bagagem de mulher negra, periférica, de onde estudei, da minha família, vem junto comigo. (…) Aí a gente vai pensar diferente, porque você vem de outro lugar, tem outra formação, outras referências. A riqueza de pensamentos é muito maior. É muito maior a probabilidade de ter um produto melhor, mais desenvolvido, com menos falhas, que atenda melhor às pessoas.”

Robson Ferreira

Robson – “A diversidade vai trazer inovação, tecnologia, um olhar diferenciado para as temáticas e para a condução das empresas.” (…) “As quotas fizeram com que hoje sejamos mais de 50% nas universidades públicas. Mas não era assim. Estamos em meio a um amplo debate para a prorrogação das quotas por 30 anos, inclusive com um projeto no Congresso, para que não tenhamos mais que bater na porta de ninguém para pedir validação para essa lei que tantos benefícios trouxe para nós, negros, para indígenas, para pessoas com deficiência. (…) O problema maior hoje não é mais a entrada na universidade, mas a permanência, a convivência nos institutos estaduais e federais justamente pelo fato de os alunos negros terem entrado por meio de quotas. Isso ainda traz animosidade entre os grupos. (…) Mas quota não é esmola. É uma forma de reparação, de incremento, de trazer essa população que nunca teve oportunidade de estudar. Se voltarmos a 1835, 1837, tínhamos leis que proibiam os negros de estudar. Então, todo esse processo histórico, social, cultural, continua e se transforma no racismo estrutural.”

Marcelle Chagas

Marcelle – “Tem muita gente qualificada buscando oportunidades. O mercado de comunicação está sempre mudando, buscando profissionais qualificados. Mas complica um pouco mais quando o pessoal de comunidades periféricas vai disputar uma vaga com alguém que já teve uma viagem para o exterior, uma outra oportunidade de vida, outras línguas. (…) Se somos maioria – 56% da população – e a mídia não reflete isso, muitas das nossas vozes estão sendo silenciadas, muitas das nossas histórias não estão sendo contadas. Tem gente contato a história de metade da população e a outra metade está calada. (…) Quando a gente garante que há mais olhares, mais narrativas inseridas no processo de comunicação, fazemos uma comunicação mais real, mais próxima da sociedade. Creio que fazendo isso possamos impactar também num cenário de credibilidade profissional, que tem sido muito questionada com essa propagação de fake news.” (…) “O silenciamento de narrativas reflete um tensionamento da sociedade entre quem tem voz, quem pode falar e quem só pode ouvir”. (…) “Os veículos da nossa rede não conseguem ter sucesso comercial. Por que será? São veículos que falam diretamente com as classes C, D e E, onde está a maioria da população negra, que são grandes consumidores. Então, porque não há investimento dos anunciantes para falar diretamente com esse público? Falta esse olhar comercial.”

Maurício – “A Marcelle usou a expressão ‘narrativas que estão sendo silenciadas’. Achei importante essa construção porque é um silenciamento intencional, não é sem querer. É importante perceber que há um movimento que se expressa em uma luta cada vez mais aberta. O movimento antirracista, pela igualdade de gênero, pela preservação dos recursos naturais. De outro lado, vemos crescer também o movimento de obscurantismo, de políticas opressivas, não só aqui como em outras partes do mundo. Essa luta tem proporções bastante amplas. Quando falamos de uma pesquisa para a imprensa, nas redações, da diversidade, estamos mexendo num pequeno ponto que intersecta com muitas outras lutas. Elas não estão separadas. Por isso são importantes, do ponto de vista das empresas, as políticas afirmativas, assim como o sistema de quotas para as universidades.” (…) “Quando se reúnem pluralidades, experiências diferentes, o resultado são construções diferentes, mais ricas para todos. Há a experiência da idade, quando se vai ficando mais velho, e há a experiência de como você convive, de onde você é, de onde vem. Para haver uma pluralidade real, importante, isso tudo tem de estar reunido em torno da mesa”.

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