Por Luciana Gurgel
Não é uma decisão fácil abrir mão de milhões de seguidores nas mídias sociais, sobretudo para uma grife de moda ou uma celebridade do esporte.
Mas foi o que fizeram recentemente a Bottega Veneta, com quase três milhões de fãs no Instagram, e Thierry Henry, astro do futebol francês que tinha mais de 20 milhões no Twitter.
Os motivos que os levaram a desplugar das redes não foram os mesmos, embora o diretor de criação da marca italiana tenha alfinetado levemente o clima de discórdia nas redes ao anunciar a decisão, engrossando o coro dos que, como Henry, se dizem cansados de bullying online.
Razões à parte, o fato é que os movimentos de ambos sinalizam que pode haver vida fora das mídias sociais mesmo para quem depende de visibilidade e do engajamento de fãs para vender seus produtos ou sua imagem.
Isso vale para até para jornais, que desde o advento das redes passaram a contar com as plataformas para gerar tráfego e angariar assinantes. O exemplo mais notório é o do Stuff, da Nova Zelândia, que ano passado saiu do Facebook e diz não se arrepender.
Thierry Henry: um protesto contra o racismo digital
No caso de Thierry Henry, o fechamento das contas foi um protesto contra os ataques racistas, particularmente pesados para os jogadores de futebol não brancos atuando em times europeus. O francês, que atuou na seleção de seu país e virou técnico, foi duro contra o anonimato permitido pelas plataformas digitais.
E fez uma provocação. No tuíte em que anunciou o abandono das redes, sugeriu que as empresas de mídia digital passassem a aplicar aos que praticam o racismo online o mesmo rigor com que tratam os que infringem direitos autorais, removendo-os sem dó nem piedade.
Bottega Veneta: da massificação para a individualidade
Já a Bottega Veneta, em que pese a esnobada nas mídias sociais feita por Daniel Lee, o jovem britânico que há três anos tornou-se diretor de criação da marca italiana, está simplesmente usando outro caminho para chegar ao mesmo lugar. Em vez de falar diretamente com os fãs em seus canais, deixou essa tarefa exclusivamente a cargo de seus embaixadores.
E substituiu as redes por uma revista própria. Até aí não tem muita novidade. Ela não é a primeira marca a fazer isso. Mas a Issued by Bottega está a anos-luz do modelo de revista-de-moda-digital, em que as páginas são folheadas na tela como no bom e velho papel.
A revista, se é que se pode chamar assim, é uma combinação de imagens em movimento, sons e performances de artistas em que os produtos da grife fazem parte do contexto. Conteúdo feito sob medida para ser compartilhado pelos artistas envolvidos.
Esse não é um caminho para ser imitado por qualquer um. Nem todas as marcas contam com uma fã como a celebridade americana Kyllie Jenner, meia-irmã de Kim Kardashian que virou uma máquina de fazer dinheiro e influência.
Kyllie adora a “BV”. E um post dela para 200 milhões de seguidores não é nada desprezível. No entanto, há algo nesse jogo além dos números: a ideia de transmitir uma aura de exclusividade.
O discurso da Bottega Veneta ao anunciar a troca das mídias sociais por sua revista própria salientou o desejo de ser associada à individualidade, em contraste com a massificação das redes. Não é para qualquer um. Mas para algumas marcas pode fazer sentido.
O futuro das revistas
A Issued By Bottega também não é um modelo a ser imitado por qualquer revista. A sofisticação da proposta e o investimento em uma edição com um elenco estelar de designers, fotógrafos, artistas plásticos e até uma rapper tornam o formato quase impossível de ser replicado por uma revista normal.
Mas, como aqueles protótipos de carros que só aparecem nas feiras de automóveis como referência para projetos na vida real, a ideia pode inspirar inovação em um setor castigado pela troca do meio impresso pelo digital. Quem sabe a moda lançada pela Bottega Veneta acabe pegando?