Por Luciana Gurgel

Luciana Gurgel

Eu queria ser mais otimista neste fim de mais um ano tão difícil para tanta gente.

No entanto, entristece escrevermos no MediaTalks sobre as estatísticas de jornalistas mortos ou presos em 2021.

A metáfora de “enxugar gelo” é a mais apropriada para classificar o esforço de entidades de defesa da liberdade de imprensa, que dia sim, outro também denunciam prisões, crimes e ameaças a jornalistas importantes, blogueiros pouco conhecidos e veículos de imprensa de todos os tamanhos.

Não são apenas estatísticas em relatórios da Repórteres Sem Fronteiras, Comitê de Proteção aos Jornalistas, Press Emblem Campaign ou Federação Internacional de Jornalistas.

São seres humanos presos, amedrontados ou que perderam a vida em situações como a de um jovem indiano assassinado por usar sua página de notícias no Facebook para denunciar clínicas ilegais.

Ou da jornalista iemenita grávida, morta junto com o bebê que esperava por uma bomba colocada no carro de seu marido, também jornalista.

Índia e Iêmen estão distantes da maioria de nós, assim como a China, campeã de maldades, que chega a merecer relatórios só para ela.

No entanto, o que une jornalistas de grandes veículos brasileiros vítimas de ameaças verbais, repórteres afegãos refugiados no Paquistão, coleguinhas mexicanos vítimas do crime organizado e expoentes  da mídia nicaraguense presos e exilados é o que os britânicos chamam de sense of duty.

Por que os que mandam no mundo não se importam com a liberdade de imprensa?

A expressão significa o compromisso de realizar a sua missão, seja ela qual for.

Todos sabiam do risco que corriam, como outros ainda correm.

Os relatórios das organizações adotam critérios diferentes para contabilizar jornalistas mortos e aprisionados, como examinamos em uma matéria no MediaTalks.

Alguns listam somente casos de repórteres ou fotógrafos profissionais. Outros somam pessoal de apoio, como produtores e fixers, e casos sem motivação comprovada.

Em 2021, todos os levantamentos registraram queda em mortes e aumento de prisões.

Para quem foi preso e não perdeu a vida, como o principal jornalista investigativo holandês assassinado no centro de Amsterdã pelo narcotráfico, a notícia é boa.

Mas não é boa para a sociedade. Mortes e prisões de jornalistas reduzem o ânimo para denunciar e a coragem para encarar riscos pessoais ou empresariais.

O impressionante é que parece haver uma anestesia generalizada.

Governos de países democráticos onde as violações se acumulam, como o México, pouco fazem para conter a violência ou se mantêm distantes de casos como o de Julian Assange.

Organizações como a Comissão Europeia ou países poderosos como EUA e Reino Unido ladram mas não mordem dirigentes autoritários que perseguem a imprensa até na antes segura Europa.

As raras exceções são quando há interesses em jogo.

Por que os que mandam no mundo não se importam com a liberdade de imprensa?

O Departamento de Estado americano está pressionando o presidente Andrzej Duda, da Polônia, para não sancionar uma lei de mídia aprovada pelo Parlamento a toque de caixa  que pode fazer mudar de mãos (e possivelmente de orientação editorial) o principal canal de notícias do país.

Não é o primeiro veículo de oposição ameaçado no mundo. Em Hong Kong, o legendário Apple Daily fechou. Seu dono, o bilionário Jimmy Lai, de 74 anos, está na cadeia.

Mas a TVN polonesa pertence ao Discovery Inc, uma empresa que é a maior investidora americana no país. Isso pode explicar a preocupação dos EUA com ela e a indiferença em relação ao Apple Daily.

Em Mianmar, os veículos independentes foram fechados. Cerca de 50 jornalistas estão presos. Um fotógrafo perdeu a vida sob custódia da polícia há duas semanas.

Dois escaparam: o japonês Yuki Kitazumi e o americano Danny Foster, beneficiados por ação diplomática de seus países sobre a junta militar que tomou o poder em fevereiro.

Mesmo no ano em que dois jornalistas foram premiados com o Nobel da Paz, pouco mudou até para eles próprios.

A filipina Maria Ressa teve que pedir autorização judicial para ir a Estocolmo receber o prêmio, devido aos processos a que responde.

No dia em que o Nobel foi anunciado para o russo Dmitry Muratov, mais jornalistas do país foram enquadrados na draconiana Lei do Agente Estrangeiro.

Semanas depois, o jornal comandado por Muratov, o Novaya Gazeta, caiu nas malhas da mesma lei.

A batalha das entidades e de ativistas merece todos os elogios.

Falta encontrar a fórmula que transforme esse clamor em mudança efetiva.

Para quem acredita em Papai Noel e/ou vai fazer pedidos para o Ano Novo, vai aqui uma sugestão para a lista: que em 2022 as palavras escritas e faladas contra abusos, ameaças e crimes gerem ação por parte de quem tem poder para estabelecer sanções capazes de proteger o jornalismo e os jornalistas.

O ano de 2021 deixa uma lição: é preciso ir além de gritar e espernear.

Por que os que mandam no mundo não se importam com a liberdade de imprensa?


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