Por Assis Ângelo

Um mês depois da festa cá na fazenda, eu me achava lendo debaixo de um pé de manga.

O relógio da igrejinha acabara de badalar quatro vezes. De repente, Flor Maria me chama e diz que os convidados para a entrevista já estão chegando. São pontuais, hein?

E lá estavam trazidos por Balzac os ícones da literatura que têm por matéria-prima a alma do povo. Entenda-se por isso os desejos e sonhos mais safados da espécie humana.

Pietro Aretino

Confesso que não conhecia pessoalmente Balzac. Li tudo ou quase tudo que ele escreveu, mas não o conhecia. Foi ótima ideia de ele vir com seus amigos num mesmo voo.

Depois dos cumprimentos, fomos molhar a garganta pra melhor fluir as ideias. Tinha vários tipos de bebida, incluindo licor e vinho. Aretino arregalou os olhos quando viu uma garrafa cheia de algo parecendo água.

− O que é isso?

Eu disse ser cachaça produzida pelo pessoal do nosso engenho.

Ansioso, Aretino pegou um copo e o encheu. Cheirou, lambeu as bordas e de uma vez só engoliu tudo. Menos o copo.

A cena deixou boquiabertos Sade e Restif.

Achei graça e ofereci vinho.

Nicolas Restif de la Bretonne

Depois de beber mais um pouco, Aretino antecipou-se dizendo que:

− Já estamos cheios de tanto vinho, pois isso é o que mais tem nas nossas terras.

Esse parece ter sido o sinal para Casanova, Sade e Restif pegarem os copos e, depois de enchê-los, beber. Cachaça da boa, diga-se.

Após amaciarmos o gogó e saborearmos tacos de carne de sol e tira-gostos que tais, fomos à biblioteca para o bate-papo tão esperado.

Olégna Cameron − Antes de mais nada, sejam bem vindos ao Brasil.

Pietro Aretino − Eu sempre quis conhecer o Brasil. Quando o Brasil foi descoberto, em 1500, eu tinha oito anos de idade.

Nicolas Restif − Tinha oito anos e já era safado, um perigo para as moçoilas.

Aretino − Menos, menos. Na verdade, eu era muito tímido.

Giacomo Casanova − Hummm….

Donatien de Sade

Olégna − Sade, conte-me um pouco sobre você. Pra começo, diga-nos o seu nome completo.

Donatien de Sade − Meu nome completo é Donatien Alphonse François de Sade. Sou filho de Jean Baptiste François Joseph de Sade e Marie Eléonore de Maillé de Carman. Filhos tive dois: um menino e uma menina. Nasci no palácio La Coste, em Paris, França.

Olégna − Olha só! Na Paraíba nasceu também uma grande figura no Palácio. Essa figura tinha por nome Ariano Suassuna e o Palácio, da Redenção. Em pleno centro da Capital paraibana, João Pessoa.

Aretino − Sade não tinha nem oito anos de idade quando já corria atrás de rabo de saia.

Olégna − É verdade, Sade?

Sade (com sorriso maroto) − Não me lembro.

Casanova − Hummm…

Restif − Por que você só faz hummm…?

Giacomo Casanova

Casanova (ajeitando-se na cadeira e passando a mão nos cabelos) − É que estou achando engraçada a fala do Aretino e agora a do Sade. O Aretino foi meu professor e Sade continua sendo um grande cabra safado!

Aretino − Poooxa! Eu não sabia que sabia tanto.

Restif − Antes do Aretino, que fez muita mulher feliz, existiu na sua terra, Itália, outro poeta que era um danado. Seu nome: Caio Valério Catulo. E antes de Caio ou pouco depois teve Mallanaga Vatsyayana, que escreveu o Kama Sutra. Era indiano.

Olégna − Nas origens, o Kama Sutra tinha mais de 500 posições sugeridas para o prazer de quem queria prazer. Sexual, claro. Agora eu gostaria de saber de Casanova se pra fazer o que fez com as mulheres inspirou-se no Vatsyayana ou no nosso querido Pietro Aretino. Qual a melhor posição para a obtenção de um orgasmo gigante?

Casanova (explodindo numa gargalhada) − Esse negócio de Kama Sutra, de manual sexual, pra mim não funciona. Tesão é tesão, ou tem ou não tem.

Restif − Você teve muitas mulheres?

Casanova − No começo, confesso, cheguei até a contar e a anotar num caderninho. Eu era muito novo. Tinha uns 20 e poucos anos. E anotados por mim já havia uns cento e pouco nomes.

Restif − Perdeu a conta, é? Eu continuo anotando. A minha lista já tem 735 nomes de mulheres lindas.

Olégna − Poxa, desse jeito vai passar de Don Juan. Esse era um espanholzinho muito safado. Dizem que ele traçava todas, feias e bonitas. Não tinha limite. Não enjeitava magrinha, gordinha, branquinha, pretinha, baixinha, altinha, pobrinha, riquinha…

Casanova − Hummm…

Restif − Lá vem ele com esse negócio de hummm…

Olégna − Casanova, eu gostaria que você contasse agora de quem você é filho e como virou o “bon vivant” que todos conhecem e seguem, de certo modo.

Casanova − Sou filho de um ator e de uma atriz, que infelizmente não alcançaram o sucesso. Tive irmãos, um deles pintor.

Restif − O nome desse irmão era Francesco Giuseppe Casanova, autor de um bonito retrato seu?

Casanova − Sim, sim. Ele viveu um bom tempo em Paris e eu também. Era um bom rapaz e um talento incrível! Sua obra, digo sem medo de errar: é ma-ra-vi-lho-sa!

Olégna − Na França do seu tempo só dava você nos salões grã-finos e até nos cabarés de má fama. Confirma?

Casanova (subindo no muro) − Talvez sim, talvez não. Não me lembro de muita coisa. A verdade é que o populacho fala muita besteira a meu respeito.

Sade − Querido Casanova…

Casanova − Opa!

Sade − Meu negócio é mulher, rapaz! Sempre. Você foi o cara que pegou muita mulher em Paris. Foi também o cara que ganhou e torrou muita grana. Algum arrependimento?

Casanova − Não, arrependimento não. Eu poderia ter tido mais juízo, isso sim!

Aretino − Foi você mesmo o cara que inventou a loteria francesa?

Casanova (pigarreando e se ajeitando na cadeira) − Sim, eu mesmo. Antes e depois disso fiz parcerias com luminosos do meu tempo. Estive com barões, príncipes, princesas, rainhas…

Sade − Você traçou a Madame de Pompadour, o xodó de Luís XV?

Casanova − Não, não. Bom, acho que não. Só lembro que ela gostava muito de mim. Na verdade, éramos apenas bons amigos.

Sade − E Catarina, a Grande?

Casanova − Essa mulher era terrível. Ela chegou até a matar o próprio marido, pra reinar no seu lugar. E reinou. Quanto a mim posso dizer que também a temia. Agora, esse negócio de levá-la pra cama, só se eu fosse doido. Não sou, nunca fui. Gosto da vida que levo, na base da paz e de muito amor.

Restif − Vida agitada a sua, Casanova. É verdade que você chegou a ser preso?

Casanova − Sim, por uma besteira.

Restif − Que besteira foi essa?

Casanova (ajeitando a camisa, tossindo, pede algo pra beber) − Bom, questão de dívida. Eu jogava e gastava muito. Mulher comigo também nunca passou mal. Gosto de dar presente. Aí teve um pessoal que não esperou que eu quitasse o que devia. E aí, né? Me puseram numa cadeia de segurança máxima, mas de lá fugi pelo telhado. E corri mundo.

Sade − É verdade que você já foi dono de puteiro?

Casanova (mexendo-se na cadeira, meio perturbado) − Sim, sim, quer dizer… Ah! Isso foi na Inglaterra, depois que fugi da prisão.

Sade − Você já bateu em mulher, matou mulher, matou alguém?

Casanova (irritado) − Porra! Levei muita gente pra cama, mas nunca bati nem em homem e nem em mulher. Nunca matei ninguém! Não sou como você, que adora ver gente sofrer. A minha cartilha é a cartilha da alegria e do prazer.

Olégna − Calma, Casanova. O Sade fez essa pergunta certamente por saber que no Brasil o número de mulheres assassinadas por homens é enorme.

Sade − Pois é, apenas curiosidade.

Olégna − Casanova, é verdade que você prestou serviço para o pessoal da Inquisição?

Casanova − Sim, sim. Por pouco tempo. O Sade também passou por isso.

Sade − É verdade. Fui preso e não uma vez só, várias. Mas as prisões em que fui metido eram por outros motivos. Acusavam-me e ainda há quem me acuse de pornográfico e subversivo. Me prenderam até por sodomia. Quando não tinham um motivo, inventavam. Foi assim que me levaram para a Bastilha. Mas mesmo de lá consegui denunciar torturas e mortes cometidas atrás das grades, nos calabouços… Foi na Bastilha que escrevi vários livros, incluindo Os 120 Dias de Sodoma.

Aretino − É verdade que você foi condenado à morte?

Sade − Sim, duas ou três vezes. Mas como vê, escapei.

Restif − Por que Napoleão Bonaparte detestava você?

Sade − Sei lá, era um louco. Ele, sim, era um devasso!

Olégna − Restif é verdade que você inspirou os revolucionários franceses a derrubar a Bastilha?

Restif − Sim. Os meus escritos não se limitam apenas ao que diz respeito a sexo, erotismo, prazer, essas coisas que o corpo nos pede. Enfim, escrevi livros de conteúdos diversos. Até de política, por exemplo. Você já leu As Noites Revolucionárias, que publiquei em 1788? E La Semaine Nocturne? E Noites de Paris? Nesses livros, eu falo o que iria acontecer na Bastilha e o que aconteceu na Bastilha. É isso. E se não leu, leia! Espalhe por aí afora o que eu escrevi nessa vida louca que é a nossa. E quero deixar bem claro uma coisa: mulher é o ser mais importante que Deus pôs na terra. Sem mulher, não haveria vida inteligente.

Olégna − Poxa!!! O Sade escreveu Justine e em seguida você escreveu Anti-Justine. O que um tem a ver com o outro?

Restif − Foi uma brincadeira. Na verdade, eu gostei muito do livro do Sade. Aproveito a ocasião pra dizer do carinho que tenho por ele.

Sade − Obrigado, mestre.

Olégna − Bom, pessoal, antes de mais nada…

− Oi, oi, oi, oi, oi, oi! (É um poeta chegando)

Olégna − Quem é você?

O poeta − Não está lembrado de mim? Eu sou o Olavo!

Olégna − Olavo…

O poeta − Bilac!

Olégna − Olavo Bilac!?

O poeta − Sim, sim! Eu sou Olavo Bilac, amigo de todos os poetas que pensam e fazem boas poesias.

Olavo Bilac

Olégna − Sim! Já ouvi falar de você.

O poeta − Ora, vi estrelas!

Olégna − Você tem uma poesia muito bonita, uma poesia de amor… mas você nos interrompeu por que??

O poeta − É que eu vi essa mesa tão bonita, com tanta gente bonita do mundo da poesia…

Sade − Você já me leu, poeta?

O poeta − Eu li todos vocês. A vida é linda quando não temos preconceitos…

Restif − Tudo isso com amor!

Olégna − Que bom, pessoal. Quero agradecer a presença e o ótimo bate-papo que vocês nos propiciaram.

Aretino (pedindo a palavra) − Quero dizer da alegria que sinto por estar aqui. E que cachaça, hein!?

Restif − Faço minhas as palavras de Aretino.

Olégna − Casanova estudou bastante. Sei que fez até poemas. Gostaria que ele encerrasse essa nossa prosa contando a sua vida em versos.

Casanova − Dá pra arrumar uma violinha aí?

 

Rapidamente uma viola foi arrumada e, para surpresa de todos, Casanova mandou ver:

 

Comecei lendo livros

Lendo livros me formei

Certa vez eu quis ser padre

Mas a tempo recuei

Foi numa biblioteca

Que finalmente me achei

 

Pra mim foi tudo fácil

Fácil tudo se acabou

Amei muitas mulheres

Mas nenhuma me amou

Foi assim que descobri

Que pra mim a luz pifou

 

Ora, pois, eu sei que fui

Bom aluno e professor

Na escola aprendi

Os segredos do amor

Desde então eu parti

Pra viver com destemor

 

Eu sou o personagem

Das histórias de amor

Muitos mentem sobre mim

Comigo fazem terror

Eu não sou o que dizem

Tampouco sou sedutor!…

 

AGRADECIMENTOS

Assis Ângelo

Dou-me por satisfeito ao término deste trabalho que me tomou centenas e centenas de horas, desde 2023. Consumi a leitura de inúmeros folhetos de cordel, de autores os mais diversos. Consumi também o conteúdo de livros escritos por autores desde os tempos medievais, na Europa e em todo o canto, inclusive do Brasil, como Gregório de Matos e Guerra, José de Alencar, Machado de Assis, Júlia Lopes de Almeida, entre outros. Ouvi óperas e muita música popular que abordam, no geral, a temática por mim escolhida: licenciosidade, que em livro deverá ganhar o título de Do Popular ao Erudito – o Sexo como Expressão Artística.

Todos os campos da arte envolvendo amor e sexo foram por mim visitados.

Nos arquivos do Instituto Memória Brasil − IMB encontrei entrevistas que fiz com o rei do baião Luiz Gonzaga, com Chico Anysio e Ignácio de Loyola Brandão, com quem voltei a trocar ideias depois de muitos anos.

Aproveito a ocasião para agradecer às meninas Anna Clara da Hora e Flor Maria. E, claro, aos leitores que suponho terem gostado de tudo ou parte de tudo andei publicando nesta newsletter Jornalistas&Cia.

Assis Ângelo


0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments