Por Assis Ângelo

É certo que Ariano Suassuna inspirou-se nos cavaleiros medievais para desenvolver muitas das suas tramas. Estudou, estudou e virou povo.

Tudo o que Ariano Suassuna escreveu tem o dedo do povo, a presença do povo. Porradas e sofrimentos, alegrias e tristezas. E sonhos. Nada de sadismo ou masoquismo, apenas vontade de viver brincando.

Assim como Ariano, foi François Rabelais (1494-1553).

Tudo o que Rabelais escreveu foi baseado nos contos e lendas do povo. Está tudo em Gargântua e Pantagruel, obras que se completam.

Também no poço insecável da cultura popular bebeu o imortal Shakespeare, para nosso deleite.

Falar desse autor de tantas obras-primas nunca é demais.

O inglês Aldous Huxley (1894-1963) tinha nele um mestre, como o nosso Machado de Assis. No romance futurista Admirável Mundo Novo (1932), Huxley inspirou-se, é certo, em Shakespeare.

Aldous Huxley

Nesse livro, o autor de Hamlet e Otelo está de modo muito forte presente. Até no título do seu famoso livro Huxley se inspirou em Shakespeare, tirando-o de A Tempestade, publicado originalmente em 1510/11:

 

(Abre-se a porta da cela, deixando ver Ferdinando e Miranda, que jogam xadrez)

MIRANDA − Estais usando de esperteza, príncipe.

FERDINANDO − Não, querida; por nada neste mundo poderia fazê-lo.

MIRANDA − Sim, por um par de reinos poderíeis altercar, e eu vos juro que chamara a isso jogo correto.

ALONSO − Se tudo isto for outra vez uma ilusão desta ilha, duas vezes perdi meu caro filho.

SEBASTIÃO – Oh! Milagre estupendo!

FERDINANDO − Muito embora ameacem sempre, os mares são piedosos. Amaldiçoei-os sem razão para isso. (Ajoelha-se em frente de Alonso.)

ALONSO − Que te envolvam as bênçãos incontáveis de um venturoso pai. Alça-te e dize como aqui vieste ter.

MIRANDA − Oh! Que milagre! Que soberbas criaturas aqui vieram! Como os homens são belos! Admirável mundo novo…

 

A tempestade do título da peça é provocada pelo mago Próspero, um conde que foi traído pelo rei Alonso. Numa manobra sacana, Alonso faz Próspero confinar-se numa ilha distante de tudo. Para essa ilha foi também a filha de Próspero, Miranda. O exílio dura 12 anos e a filha de Próspero acaba se apaixonando por um cara chamado Ferdinando. E a história segue.

Idílio, amor, traições estão presentes em quase tudo o que Shakespeare escreveu.

Amor e paixão na obra shakespeariana marcam mesmo quando abordados de forma leve, tranquila, insinuantemente. Exemplo é a peça Muito Barulho por Nada, que entre nós virou ditado popular.

Essa história tem lá seu lado engraçado, picante e tal. Um dos personagens ama uma jovem, mas não tem coragem para dela se aproximar. Pede então ajuda a um amigo príncipe pra servir de elo entre ambos. Lá pras tantas a cobiçada jovem é acusada de dar pra Deus e o mundo. E mais não digo.

E o enredo de A Megera Domada, hein?

Nessa peça Shakespeare mistura humor com seriedade, riqueza com pobreza, erudito com o povaréu. O enredo põe em destaque a disputa de dois jovens por uma donzela: Bianca. Mas Bianca não pode se casar antes de sua irmã mais velha, a megera…

Em 1958, Huxley voltou ao tema por ele abordado em 1932. Título: Regresso ao Admirável Mundo Novo.

Nesse novo livro, o autor avalia as previsões que fizera no seu livro de estreia, no qual alertava o mundo para educar os seus cidadãos, da melhor forma possível, para não caírem em ditaduras. Isso, infelizmente, há muito ocorre. São 49 ditaduras ou quase ditaduras espalhadas mundo afora, segundo pesquisa feita pela Freedom House e tornada pública em 2021.

George Orwell

O Admirável Mundo Novo pode ter inspirado George Orwell a escrever 1984, originalmente publicado em 1949. Nos livros desses autores há de tudo, incluindo distopia, cenas de amor, prazer e sexo. Exemplo, em 1984:

 

… A cintura da garota na dobra de seu braço era macia e quente. Ele a puxou, de modo que eles estavam de peito a peito; o corpo dela parecia derreter no dele. Para onde quer que suas mãos se movessem tudo era tão flexível quanto água. Suas bocas se agarravam; era bem diferente dos beijos duros que haviam trocado antes. Quando voltaram a separar seus rostos, os dois suspiravam profundamente. […]

Winston colocou seus lábios contra a orelha dela. “Agora”, ele sussurrou.

“Aqui não”, sussurrou ela de volta. “Vamos voltar para o esconderijo. É mais seguro”.

Rapidamente, com um crepitar ocasional de galhos, eles trilharam seu caminho de volta para a clareira. Uma vez dentro do anel de mudas, ela se virou e o enfrentou. Ambos respiravam rápido, mas o sorriso havia reaparecido nos cantos de sua boca. Ela ficou olhando para ele por um instante, depois abriu o zíper de seu macacão. E, sim!, foi quase como em seu sonho…

 


Foto e Ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora

Contatos pelos [email protected], http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333

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