Por Assis Ângelo
Brasil teve e tem poetas e poetisas de grande talento.
O Brasil já deu um poeta com as características de Pietro Aretino (1492-1556): Gregório de Matos e Guerra (1636-1696), o “Boca do Inferno”.
É muito improvável que esse Guerra nunca tenha tido conhecimento da existência do italiano Aretino. Falavam o que falavam com palavrão e tudo o mais. Eram destabocados.
Aretino tinha intimidade com religiosos da Igreja Católica e o baiano Guerra também, que chegou a ser até padre na terra onde nasceu, embora não acreditasse em Deus.
Ele escrevia coisas assim:
O Muleiro, e o Criado
tiveram grande porfia
sobre qual deles teria
mor membro, e mais estirado:
pôs-se o negócio em julgado,
e botando ao soalheiro
um, e outro membro inteiro,
às polegadas medido,
se viu, que era mais comprido
O caralho do Muleiro.
Disto Criado apelou,
e foi a razão, que deu,
que o membro então mais cresceu,
porque então mais arreitou:
logo alegou, e provou
não ser bastante razão
a polegada da mão
para vencer-lhe o partido.
que suposto que é comprido,
É feito de papelão.
Item sendo necessário,
disse mais, que provaria,
que se era papel, se havia
abaixar como ordinário:
que o membro era mui falsário
feito de um pobre quaderno,
tão fora do uso moderno,
que se uma Moça arreitada
lhe dá no verão entrada,
É para foder no inverno.
E que depois de se erguer,
é tão tardo, e tão ronceiro,
que há de mister o Muleiro
seis meses para o meter:
porque depois de já ter
aceso como um tição,
engana a putinha então,
pois pedindo a fornicasse,
lhe dizia, que esperasse
Para foder no verão
Gregório de Matos e Guerra estudou em Coimbra, de onde saiu com diploma de advogado.
Em Recife, esquecido, e agora e naquela hora da sua morte fechou os olhos acreditando em Deus. Amém.
Mas é bom dizer que antes de Aretino, bem antes de Aretino, houve outro poeta veneziano de pena ferina e completamente desbocado. Seu nome: Caio Valério Catulo (84 a.C − 54 a.C).
Caio escrevia coisas assim:
Meu pau no cu, na boca, eu vou meter-vos,
Aurélio bicha e Fúrio chupador,
que por meus versos breves, delicados,
me julgastes não ter nenhum pudor.
A um poeta pio convém ser casto
ele mesmo, aos seus versos não há lei.
Estes só têm sabor e graça quando
são delicados, sem nenhum pudor,
e quando incitam o que excite não
digo os meninos, mas esses peludos
que jogo de cintura já não tem
E vós, que muitos beijos (aos milhares!)
já lestes, me julgais não ser viril?
Meu pau no cu, na boca, eu vou meter-vos.
Entre nós, brasileiros, o poeta é praticamente desconhecido. Aqui e acolá, porém, um intelectual se diverte com suas coisas.
Em 1996, a Edusp lançou à praça O Livro de Catulo. Nesse livro, do professor doutor João Ângelo Oliva Neto, lê-se com destaque:
Um poeta, quanto mais sofisticado e diverso for, mais sujeito a controvérsia: ou não se atinge a complexidade própria de sua sofisticação ou rejeitam-se, por escrúpulos de toda ordem, temas integrantes de sua diversidade. Catulo foi um desses. A julgar pela opinião de T. S. Eliot (1888-1965), era um rufião, e pela de Baudelaire, ele e seu bando eram poetas grosseiros e puramente epidérmicos, sem misticismo algum. Cícero, contemporâneo do grupo de Catulo, mais de uma vez referiu-se a eles com desdém: chamava-os pelo termo grego neóteroi, “juvenis”, com que implicava aversão não só à novidade dos poemas, mas também compreensível num louvador dos costumes dos ancestrais à juventude, supostamente temerária, daqueles poetas. Mais tarde, tachou-os de poetae noui, “poetas modernos”, e, acusando-os por não apreciar Enio, antigo poeta latino, diz serem cantores Euphorionis, expressão cujo sentido deletério é “repetidores de Euforião”, poeta grego do período helenístico.
Catulo, embora italiano de origem, gostava, como todos os intelectuais do seu tempo, de escrever em latim. Seus poemas são quase todos nessa língua, hoje morta.
Reproduções por Flor Maria e Anna da Hora
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