Por Assis Ângelo
Em 1975, o escritor inglês James Clavell lançou ao mundo Shogun. Tem muitos personagens, destaque para Mariko e Anjin-san.
Anjin-san é personagem nascido de pai inglês e mãe holandesa. Fala várias línguas, incluindo português e latim. É um lobo do mar que por acaso cai nas mãos de japoneses. Sua inteligência desperta a atenção de poderosos e logo uma mulher, Mariko, é designada para ser sua intérprete perante Toranaga. Esse é o rei do pedaço, invejado por muitos e com todo poder possível nas mãos. Há movimentos para derrubá-lo.
A personalidade de Mariko é fortíssima. Chega a enfrentar samurais em campo aberto e em ambientes fechados. Ali pelo final da trama Mariko morre.
Além dos literatos portugueses aqui já citados, acrescento ainda Fernando Pessoa (1888-1935), Antero de Quental (1842-1891), Mário de Sá Carneiro (1890-1916), José Régio (1901-1969) e Florbela Espanca (1894-1930).
Pessoa, que criou dezenas e dezenas de heterônimos, tornou-se clássico pela obra publicada. Escreveu muito sobre muitas coisas. De amor e sexo, por exemplo:
O amor é essencial;
O sexo é só um acidente.
Pode ser igual
Ou diferente.
Através de um de seus mais famosos heterônimos, Álvaro de Campos, Pessoa escreveu Ode Marítima. Um trecho:
…Ah, torturai-me para me curardes!
Minha carne − fazei dela o ar que os vossos cutelos atravessam
Antes de caírem sobre as cabeças e os ombros!
Minhas veias sejam os fatos que as facas trespassam!
Minha imaginação o corpo das mulheres que violais!
Minha inteligência o convés onde estais de pé matando!
Minha vida toda, no seu conjunto nervoso, histérico, absurdo,
O grande organismo de que cada acto de pirataria que se cometeu
Fosse uma célula consciente − e todo eu turbilhonasse
Como uma imensa podridão ondeando, e fosse aquilo tudo!…
Pessoa morreu de morte natural, ao contrário de Quental e Carneiro, que se suicidaram.
José Régio, negro de grande inspiração poética, marcou época em sua terra e em boa parte da Europa. Dele é o poema Monólogo a Dois:
Sábia talvez inconsciente,
Doseando com volúpia, uma ancestral sofreguidão,
Ali onde o desejo mais me dói, mais exigente,
Me acaricia a tua mão.
De olhos fechados me abandono, ouvindo
Meu coração pulsar, meu sangue discorrer,
E sob a tua mão, na asa do sonho, eis-me subindo
Àquele auge em que todo, em alma e corpo, vou morrer…
Régio, além de poemas, escreveu contos situados no campo do sagrado e do profano. Exemplos são os livros Sorriso Triste e O Vestido Cor de Fogo.
Em 2020, Samara Mariana Cândida da Silva desenvolveu dissertação de mestrado sobre a a obra dele, apresentada à Universidade Federal de Goiás. Lá pras tantas, destaca:
A sutileza erótica presente nos contos de José Régio permite refletir acerca do paradoxo que engloba corpo, carne, amor e reprodução. Um matrimônio segurado somente pelos filhos e pela convenção social de que devemos construir uma família não é capaz de completar a existência do ser humano, assim como também não lhe permite preencher tal vazio que o acompanha.
A plenitude divina não se dá somente pelas orações e templos religiosos, mas acontece no encontrar-se, no compreender-se, no desvendar do significado do corpo que está para além do físico, que se configura no metafísico, que permite ser morada do sagrado e que contemple o desejo erótico sem necessariamente estar cometendo um pecado que lhe acarrete em uma condenação eterna.
E Florbela Espanca, hein?
Ela era altamente depressiva. Sua boca parece que não fora feita pra sorrir. Estava sempre fechada. Mesmo triste, escorregando pelos cantos da parede, Florbela escrevia sobre o amor o tempo todo sem, porém, se cansar. Um dos seus poemas, Fanatismo, foi musicado pelo cantor e compositor cearense Raimundo Fagner, em 1981. Fez sucesso.
Dessa autora, que se findou por iniciativa própria em 1930, é o poema Nervos d’Oiro:
Meus nervos, guizos de oiro a tilintar
Cantam-me n’alma a estranha sinfonia
Da volúpia, da mágoa e da alegria,
Que me faz rir e que me faz chorar!
Em meu corpo fremente, sem cessar,
Agito os guizos de oiro da folia!
A Quimera, a Loucura, a Fantasia,
Num rubro turbilhão sinto-As passar!
O coração, numa imperial oferta,
Ergo-o ao alto! E, sobre a minha mão,
É uma rosa de púrpura, entreaberta!
E em mim, dentro de mim, vibram dispersos,
Meus nervos de oiro, esplêndidos, que são
Toda a Arte suprema dos meus versos!
Foto e Ilustrações de Flor Maria e Anna da Hora
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