Por Assis Ângelo
Graciliano Ramos foi um dos primeiros escritores brasileiros a escrever sobre bullying, quando essa expressão ainda nem existia.
Em 1939, Graciliano escreveu e publicou A Terra dos Meninos Pelados, cujo personagem, Raimundo, tem um olho azul e outro preto. Isso é suficiente pra ele ser maltratado pelas pessoas à sua volta. Sofre e termina indo para um lugar habitado por iguais a ele.
Essa história foi adaptada pela TV Globo em dezembro de 2003.
Nessa mesma linha, a contista neozelandesa Katherine Mansfield (1888-1923) escreveu, um ano antes de morrer de tuberculose, A Casa de Bonecas. Nessa história há duas irmãs, Lil e Else Kelvey, que são menosprezadas por colegas de escola só pelo fato de serem pobres e morarem em uma comunidade, como se diz hoje.
As colegas de escola de Lil e Else, as riquinhas Kezia, Isabel e Lottie, não as convidam para conhecer a casinha de boneca recebida de presente de uma amiga ricona da mãe das três irmãs. É um conto incrível, uma lição sutil pra quem faz bullying.
Guimarães Rosa foi um craque que pintou com originalidade o roteiro pelo qual se movimentaram seus inúmeros personagens. E tinha por gosto inventar palavras e anular sinais gráficos na sua prosa. O mesmo fazia, vejam só, o irlandês James Joyce (1882-1941).
Ulisses, de Joyce, traduzido para o português por Antônio Houaiss (1915-1999), é exemplo disso.
Joyce foi buscar em Homero inspiração para desenvolver a história, que tem como personagens principais Leopold, Marion e Stephen. Esses três representam na obra de Homero, respectivamente, Ulisses, Penélope e Telêmaco.
Primeiramente publicada em capítulos na revista Little Review, de Nova York, a história de Joyce foi censurada. Liberada por um tribunal dos EUA, a obra saiu no formato de livro em 1922.
A obra de Homero continua viva na memória de muita gente. Tem sido publicada em tudo quanto é língua e é referência dos mais diversos autores, como Voltaire.
Na obra-prima Cândido, Voltaire cita Homero e sua Ilíada. Mais: Virgílio, Camões, por aí.
O personagem que dá título ao clássico de Voltaire é um jovem pra lá de otimista. Anda por várias partes do mundo, enfrentando adiversidades. Começa na Alemanha e segue por países da América do Sul, incluindo Paraguai e Argentina. Essa história termina em Constantinopla, depois de passar por França e Inglaterra.
A personagem feminina que faz par com Cândido é Cunegundes.
No correr dos capítulos, 30 no total, há muita violência e até estupros.
Mais uma vez a ficção leva autores a desenvolver histórias extraídas do real. Caso aqui de Cangaceiros, romance do paraibano José Lins do Rego, publicado em 1953.
A heroína é Alice, uma jovem que finda por apaixonar-se por Bento, filho de um cangaceiro e que tem por irmão um celerado impiedoso chamado Aparício. Violentíssimo e temido até pelo cão.
Numa parte do livro lê-se: “(…) Aparício tinha atacado a cidade de Pão de Açúcar e feito uma desgraça, matando o sargento do destacamento, arrastando para a rua a família de Fidélis de Sousa. Os cabras serviram-se da mulher do homem, até que a pobre não deu mais sinal de vida (…)”.
A mãe de Bento e Aparício, Josefina, foi estuprada e acaba por suicidar-se com uma corda no pescoço.
Nesse livro de Zé Lins há muitas cenas chocantes e violentas.
Bento, incentivado por um cantador repentista, foge com a sua amada.
O real também se acha no romance A Inquilina de Wildfell Hall, de Acton Bell, pseudônimo da inglesa Anne Brontë (1820-1849), a caçula dentre as irmãs literatas Emily e Charlotte.
O livro conta a história de Helen, que ao se-casar descobre que o marido não é o cara que ela imaginara. Arthur é violento, jogador, beberrão e mulherengo. Humilha a mulher de todas as formas. Um dia ela toma coragem e vai-se embora com o filho de cinco anos, deixando o ex-amado irado e a subir paredes. No lugar que escolhe para morar troca de nome e passa a viver dos quadros que pinta. Discretíssima, chama a atenção das fofoqueiras da região e de um jovem que logo demonstra ter muito carinho para dar: Gilbert.
Emily Brontë (1818-1848) é a autora do clássico O Morro dos Ventos Uivantes, publicado um ano antes de ela morrer.
A outra irmã, Charlotte (1816-1855), também deixou grande marca na literatura inglesa.
Não teve sorte na vida pessoal. Apaixonou-se por um sujeito já casado e com ele não teve futuro.
As principais obras de Charlotte são Jane Eyre (1847), Shirley (1849), Villette (1853), O Professor (publicado postumamente, em 1857) e Emma, deixado inacabado e publicado em 1860.
Curiosa e também quase real é a trilogia formada por A Empregada (2023), O Segredo da Empregada (2024) e A Empregada Está de Olho (2024), de Freida McFadden. A personagem principal desses três livros é Millie, uma mulher que foi presa e condenada por assassinar um desclassificado que partira pra cima de uma jovem decidido a violentá-la. Passou dez anos na tranca e ao sair encontra mil e uma dificuldades para trabalhar. Ficha suja.
No primeiro dos três livros dá graças a Deus por conseguir emprego na casa de um casal que tem uma filha chatíssima. A patroa a humilha de todos os modos e humilha também o maridão, que parece conformado com a situação. E por aí vai.
No segundo, Millie carrega consigo um segredo, o clima cresce a cada capítulo. O terceiro volume… tã-tã-tããã… Millie encontra um italiano chamado Eno, com ele tem uma menina e um menino… Decidida a ser feliz com o marido… É aí que a coisa pega fogo. O final é hilariante.
Foto e reproduções de Flor Maria e Anna da Hora
Contatos pelos [email protected], http://assisangelo.blogspot.com, 11-3661-4561 e 11-98549-0333
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